Finanças
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Por Claudia Safatle e Estevão Taiar — De Brasília


Roberto Campos Neto, do BC: “Estamos vindo de dez anos de má alocação na economia, de forma ineficiente” — Foto: Claudio Belli/Valor

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que parte da indústria continuou em desaceleração no último trimestre de 2019. “No quarto trimestre houve certa volatilidade, teve gente achando que ia ter 1% de crescimento. Agora [os prognósticos] estão mais baixos, 0,6% a 0,7%”, disse ele entre entrevista ao Valor.

“A gente mira um pouco mais no longo prazo. [A política monetária] tem efeito em seis, sete, oito meses. Então mesmo que a minha política monetária esteja muito mais potente, não significa que ela vai ter um efeito muito mais imediato. Significa que vai ter um efeito mais duradouro e maior”, sublinhou. “Então o ‘gap” continua, sempre tem um elemento de incerteza que a gente vai analisar”, completou o presidente do BC.

A economia mundial não está ajudando, mas o crescimento do Brasil superior ao da AL é algo que há anos não víamos”

A despeito da volatilidade das expectativas do mercado, o Banco Central não mudou a expectativa de crescimento para este ano, de 2,2%. Com relação à inflação, que subiu para 4,3% no ano passado por causa do aumento do preço da carne, ele acredita que esse é um choque que vai se “dissipar” rapidamente. “A gente consegue ver o preço da carne caindo bastante e seguimos tranquilos com as nossas projeções, como tem sido indicado nos nossos diversos relatórios”, afirmou.

Campos sustentou que o choque de preços ocorrido no fim de 2019 não alterou a tendência dos preços para 2020. Também informou que os núcleos de inflação, que retiram do cálculo os produtos com variação mais volátil, como os preços agrícolas, não tiveram forte alteração. O mercado viu as declarações de Campos ao Valor como indicação de espaço para a queda da taxa básica dos juros (Selic).

Valor: Como o senhor explica os frustrantes indicadores de atividade no fim do ano?

Roberto Campos Neto: Não achávamos que haveria crescimento intenso e muito rápido.

Valor: Por quê?

Campos: Tínhamos um trabalho longo de microreformas para melhorar a alocação de recursos. Estamos vindo de dez anos de má alocação na economia, de forma ineficiente. E a melhor alocação não acontece da noite para o dia. No quatro trimestre, parte da indústria desacelerou. Quem está fazendo a conta no detalhe está ajustando o crescimento um pouco [para baixo].

Valor: O BC também ajustará suas expectativas para 2020?

Campos: O otimista chega a um PIB crescendo 3% e o mais pessimista, 1,5%. Estamos com 2,2%. Estamos mais preocupados com o crescimento sustentado e não se vamos crescer 2% ou 3%. Estamos fazendo uma reinvenção do crescimento com dinheiro privado. Esta é uma mensagem importante.

Valor: É um mundo novo para o país, onde sempre o recurso público jogou papel relevante.

Campos: Os juros [taxa Selic a 4,5% ao ano] são um mundo novo, além do plano econômico liberal. No segundo semestre de 2019 o crescimento do setor privado estava ligeiramente acima de 2%. A economia mundial não está ajudando muito, mas o crescimento do Brasil superior ao da América Latina é algo que há anos não víamos. Temos que mirar a sequência de reformas e de transformação da economia, em vez de ficarmos preocupados com o crescimento de apenas um ano.

Valor: Onde pode haver transformação que acelere a expansão?

Campos: A parte imobiliária é uma forma de gerar riqueza na economia sem gerar gastos.

Valor: De que forma?

Campos: Quando olhamos o estoque de imóveis comerciais e residenciais das capitais, vale de R$ 12 trilhões a R$ 13,6 trilhões. Mas o volume de financiamentos é de apenas R$ 500 bilhões. Portanto, grande parte desse estoque já está quitado. Então, a questão é como usar esse estoque de capital. Preciso ter um mercado em que o dinheiro circule na economia. Nos outros países, fizeram securitização. Aqui, fizemos o home equity [uso do imóvel como garantia de empréstimo]. Pega todo o ciclo e gera efeito no boom da construção civil. Os nossos programas microeconômicos são peças que se encaixam. Precisamos colocar preços e mercado nas coisas. A dívida privada tem algumas imperfeições. É preciso atacar a burocracia para o investidor recomprar dívida... Estou trocando o encanamento e não só jogando água nos canos.

Valor: O senhor já deixou claro que a futura sistemática de assistência de liquidez reduzirá parte dos R$ 440 bilhões em recursos dos bancos retidos pelo BC na forma de compulsórios. Para onde vai esse dinheiro?

Campos: Esse ciclo fechado de medidas tem um potencial muito grande na economia. Não adianta só pensar em liberar compulsório. Tenho que ter um ciclo, uma roda de riqueza sendo gerada pelo crédito privado, com liquidez, mercado secundário, precificação, para o recurso não ficar empoçado ou girando no overnight.

Valor: A portabilidade entra nessa discussão?

Campos: Preciso que, se você tiver um financiamento a 12% e quiser passar para outro banco a 7,5%, isso seja feito com alguma agilidade. Estamos olhando esse tema. A portabilidade tem crescido muito. No outro tema do crédito, além de portar, a hora que você faz o mercado, ele pode transformar a dívida bancária em dívida de mercado, que é desintermediar, você foi direto na fonte de financiamento. Esse é um ciclo importante que vai contribuir.

Valor: Qual o impacto da agenda fiscal sobre os juros?

Campos: Tem o movimento de credibilidade, que é feito por um fiscal melhor, caem os juros longos. Quando isso acontece, as empresas que precisavam de subsídio para projetos que não eram sustentáveis com juros mais altos não precisam de subsídio. Elas vão no mercado e fazem crédito privado. Fazendo isso, esse subsídio não precisa mais ser dado.

Valor: O que é possível fazer com o dinheiro que ia para subsídios?

Campos: Uma parte você vai cancelar. A gente tem feito isso, e outro pedaço você quer incentivar o pequeno e o médio. Tenho a queda dos juros longos, programas para incentivar o pequeno e o médio, cooperativismo é um deles, microcrédito é outro, nova política de crédito rural é outra. Por exemplo, o grande agricultor olha a taxa de juros longo e fala: não vou preencher um caminhão de formulário para pegar um juro subsidiado se posso ir no mercado e pegar. Esse dinheiro sobra, acontece o que a gente chama de empoçamento. Dinheiro que deveria estar direcionado para a categoria não está sendo usado. Isso significa que o plano está funcionando, não precisa mais de subsídio. Ninguém quer ter subsídio. Isso está acontecendo. Você vai diminuindo e passando para o pequeno e o médio.

Valor: Desde a última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), houve ajustes das projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) do quarto trimestre. Isso deixa o BC mais propenso a cortar juros?

Campos: As condições financeiras trabalham sobre a aceleração da economia com algum gap e com algumas incertezas. Isso é o que a gente qualifica todas as vezes em que fazemos a reunião. A nossa expectativa de crescimento está muito parecida [com as estimativas anteriores]. Tem alguma volatilidade nas expectativas do mercado, mas não mudamos as nossas. No quarto trimestre, houve certa volatilidade, teve gente achando que ia ser 1% [de crescimento], agora estão mais baixo, 0,6% a 0,7%. A gente mira um pouco mais no longo prazo. A política monetária tem efeito em seis, sete, oito meses. Então, mesmo que a minha política monetária esteja muito mais potente, não significa que ela vai ter um efeito muito mais imediato, significa que vai ter um efeito mais duradouro e maior. Então o gap continua, sempre tem um elemento de incerteza que a gente vai analisar.

Valor: A potência da política monetária está aumentando?

Campos: Se a gente imaginar um sistema venoso, o nosso canal de transmissão, a gente era um paciente quase enfartado, porque estava muito entupido o canal de transmissão, tinha várias imperfeições. Quais os dois blocos de medida? Por que o canal está entupido? Porque há uma participação muito grande do governo, com juros subsidiados, o resto da economia acaba trabalhando com juros mais altos. Primeiro é diminuição da participação do governo. O outro lado da agenda é alocar os recursos de maneira mais eficiente, criar competição, mercado secundário. Essas duas coisas têm efeito na política monetária.

Valor: Por que o BC tem dado tanta ênfase às reformas microeconômicas?

Campos: A reforma microeconômica é importante porque é como se você estivesse sempre preocupado em quanta água vai jogar no encanamento. Agora estou falando em trocar o encanamento, é diferente.

Valor: Trocar o encanamento significa quebrar esse sistema oligopolizado?

Campos: Isso significa que preciso gerar competição, precificação onde não existe. Não é só competição que atrapalha o encanamento. A burocracia de ter acesso a mercados, não ter precificação correta para as coisas, a parte do governo que acabava capturando toda a parte que poderia ser do mercado privado e alocar os recursos de forma ineficiente. Tudo isso faz parte, mas a competição é fundamental, porque é o que vai levar o mercado secundário e a expectativa melhor dos agentes a atingir um nível de precificação mais eficiente.

Valor: O aumento do preço da carne no fim do ano passado é uma preocupação?

Campos: Em relação à inflação, teve um elemento de incerteza, o preço da carne, que está voltando rápido. Hoje [ontem] saiu [o IPCA-15] de janeiro, que foi mais ou menos dentro da expectativa do mercado. Se você pega o mercado futuro de carnes, ele voltou bastante. Ele [preço da carne] vai se dissipar mais rápido e seguimos tranquilos com as nossas projeções, como tem sido indicado nos nossos diversos relatórios.

Valor: As próprias projeções do BC parecem indicar espaço para mais corte de juros, mas o discurso não confirma essa visão. O que está pesando mais?

Campos: O que nós sempre tentamos manter é a coerência no discurso, para ser transparente e ter um encadeamento lógico. A gente sempre disse que os três fatores que vinham sendo analisados são: o externo; a parte do hiato [ociosidade da economia], local; e reformas. Durante algum momento o mercado entendeu que era só a da Previdência. Não é só Previdência, o país está em um processo de reformas, todas são importantes.

Valor: Em que sentido elas são importantes?

Campos: A gente consegue ver muito claramente, se pegar um gráfico da curva de juros longos e casar com a notícia, quando o mercado começou a achar que o teto [de gastos] seria aprovado, a curva longa começou a cair. Aí começou o processo de corte de juros pelo meu antecessor. Quando a lei do teto foi aprovada, obviamente o mercado antecipa, já estava em boa parte precificado, aí parou [a queda da taxa longa]. Quando o mercado começou a entender que de fato existia a possibilidade de passar uma reforma da Previdência mais parruda, o juro longo colapsou e a gente teve um novo processo de queda da Selic, e o fiscal foi melhorando. Ou seja: as coisas estão muito relacionadas.

Valor: Já há setores que começam a se beneficiar mais do novo cenário?

Campos: Nessa última comunicação, a gente fez questão de dizer que temos tomado várias medidas para melhorar essa parte microeconômica. É que essas medidas aumentam o canal de política [monetária]. Algumas têm impacto mais rápido. A gente consegue ver que no imobiliário já teve impacto, crédito privado começou a ter impacto, cooperativismo talvez tenha começado também. No microcrédito, a gente ainda não consegue ver o impacto, a medida não foi totalmente absorvida, as plataformas de microcrédito não estão totalmente prontas.

Valor: Em resumo, tem espaço para cortar os juros?

Campos: Essa é uma decisão tomada aqui nessa sala em todas as reuniões do Copom. A gente vai analisar todos os dados que estiverem disponíveis. Mas, falando sobre isso, é super importante analisar que há alguns elementos inflacionários que obviamente acabam não se incorporando nos núcleos, ou seja, eles são fatores passageiros. Mas é importante qualificar que há quatro, cinco, seis meses sobre tinha gente projetando para a inflação [de 2019] 3,3%, 3,2%, e foi 4,3%. Óbvio que foi um fator que não influenciou a tendência, a gente olha os núcleos que ficaram mais ou menos estáveis. Houve uma subida porque sempre tem alguma pequena contaminação. Isso está voltando, por isso que é importante que, em cada reunião do Copom, a gente olhe as variáveis, veja o que está acontecendo com os canais de transmissão.

Leia a continuação da entrevista: ‘Tema ambiental afeta fluxo financeiro’

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