• Roger Marzochi
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cachorro e gato (Foto: Getty Images)

Pesquisador da Universidade do Oregon diz que cães e gatos podem pegar o vírus do Covid-19, mas é improvável que passem para humanos (Foto: Getty Images)

É ainda um mistério para a ciência como o Sars-Cov-2 passou de animais para humanos. É sabido que o novo coronavírus foi ecnontrado em morcegos. E especula-se que, possivelmente, um pangolim muito utilizado na culinária exótica chinesa tenha sido contaminado e afetado as pessoas, chegando a atual pandemia. Mas ainda são suposições.

O fato é que muitos animais são “reservatórios” de vírus, que podem desenvolver ou não as doenças e transmiti-las no contato com humanos. Pesquisadores no Brasil e no exterior têm realizado estudos desse contágio desde animais de estimação até os de criação em fazendas. E o que se conseguiu verificar até o momento é que o risco de contágio é baixo.

O professor Alexander Biondo, do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular, iniciou, em outubro, um estudo inédito na América Latina para avaliar a infecção por Covid-19 em cães e gatos cujos donos contraíram a doença.

A expectativa é de avaliar mil animais. A equipe está analisando o material genético de um gato de Mato Grosso no qual o novo coronavírus foi detectado. Mas ainda não foi possível saber se o felino foi infectado pelos donos.

Para realizar o trabalho, Biondo pede para que pessoas infectadas pelo novo coronavírus e que tenham pets em Curitiba (PR), Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP) e Recife (PE) avisem a equipe imediatamente por meio do e-mail (clique aqui) para que o material genético dos animais seja coletado o mais rápido possível.

Segundo ele, os donos de pets com confirmação de Covid-19 precisam ter com os animais os mesmos cuidados na relação com outras pessoas, mantendo o distanciamento social e usando máscaras. “As pessoas mandam laudos de 15 a 20 dias, quando passou a fase aguda. O ideal é fazer o PCR e coletar o resultado no dia seguinte. A pessoa que fez o PCR e deu positivo, é preciso entrar em contato imediato conosco para fazer a coleta do material de cães e gatos”, diz o professor, sem revelar o número de voluntários do estudo.

Sinais clínicos

“Os cães e gatos podem até pegar o vírus. Mas é improvável que desenvolvam sinais clínicos”, explica Hélio Autran, colaborador da pesquisa da UFPR e professor titular e diretor do hospital de ensino veterinário da Universidade do Estado do Oregon, nos Estados Unidos. Para ele, existe muito alarde sobre o assunto. No mundo, foram identificados fragmentos de vírus em pelos menos 20 pets. Na Carolina do Norte, por exemplo, chegaram a identificar em abril COVID-19 no cão Winston, que ficou famoso. Pesquisas posteriores identificaram um falso positivo.

“Foi o pug mais famoso dos Estados Unidos. O cão é uma espécie resistente à infeção. Dois estudos que tentaram inocular vírus, não deram certo. E os cães não transmitiram para outros cães”, afirma. Buddy, um pastor-alemão de sete anos, o primeiro a ser diagnosticado com a doença, em abril, nos Estados Unidos, morreu em julho. Mas o animal tinha câncer, sua morte não tinha correlação com a Covid-19.

Segundo Autran, os gatos são mais sensíveis que os cães e, ocasionalmente, podem apresentar sinais clínicos. No mundo, 30 gatos apresentaram PCR positivo. E, entre os felinos, houve até infeção de tigres no Zoológico do Bronx causado possivelmente pelos seus tratadores. “Mas é muito raro. Nos Estados Unidos, para cada um milhão e meio de casos de gente com Covid-19 tem apenas dois cães e gatos.É uma ocorrência baixíssima. E a maioria não tem sinais clínicos e evidencia que haja transmissão para a gente”, afirma.

O pesquisador também cita um estudo publicado no Morbidity Mortality Report, segundo o qual a transmissão do novo coronavírus dentro de casa, em 75% dos casos nos Estados Unidos, acontece em até cinco dias. Para ele, nesse prazo é muito difícil o humano transmitir para seu animal de estimação. “Pessoas pegam de pessoas. Tirar gatos e cães do mundo não vai diminuir os casos de Covid.”

Na Dinamarca, o governo anunciou uma medida drástica depois de constatado que visons, cuja pele é valiosa para a indústria da moda, não apenas contraíram o novo coronavírus mas o transmitiram para pelo menos dez pessoas. O caso criou pânico, especialmente porque o vírus passou por uma mutação genética numa proteína que faz a ligação com as células humanas, a mesma proteína sobre a qual atuam as vacinas que estão atualmente em desenvolvimento.

Foi emitida uma ordem para abater cerca de 17 milhões de animais da espécie, como uma medida de combate à cepa rara do vírus. Na quarta-feira (18/11), o ministro da Agricultura da Dinamarca, Mogens Jansen, apresentou a renúncia, depois de perder o apoio do parlamento do país, diante de questionamntos sobre a base legal decisão.

Na Holanda, a intenção era parar a criação comercial de vison em 2024, mas os planos foram antecipados. Na Espanha, também ocorreu surto da doença em visions. Cerca de cem mil foram sacrificados, mas não houve relato de transmissão para humanos. Casos de COVID-19 também surgiram em visions criados nos Estados Unidos, também sem comprovação de que houve transmissão para humanos. Mas os americanos mantiveram os animais vivos.

Vários aspectos

Para o professor da Universidade do Estado do Oregon, o caso dos visions deve ser avaliado sob vários aspectos. Em primeiro lugar, esses animais são selecionados geneticamente, tornando-os extremamente semelhantes entre si. E, como são altamente suscetíveis ao vírus, um animal infectado facilmente transmite para outros animais, que são criados em gaiolas apertadas e mantêm contato direto com tratadores.

“Do ponto de vista de controle, só matar o vison não adianta, porque já está circulando em gente. O pânico é porque não se sabe se a vacina vai funcionar (por conta da mutação). O que é altamente especulativo no momento. E é só mudar a vacina se for o caso”, diz Autran.

Há, ainda, muitos outros animais suscetíveis ao vírus, como o rato veadeiro, que é comum nos Estados Unidos e no Canadá. Pesquisas em laboratório apontaram altos riscos, embora não haja qualquer transmissão natural. E, na China, há temor com relação ao cachorro guaxinim, um cão asiático criado para extração da pele. Segundo Autran, há riscos de contágio desses animais, pelas características específicas dessa espécie.

"Pessoas pegam de pessoas. Tirar cães e gatos do mundo não vai diminuir os casos de Covid""

Hélio Autran, professsor titular da Universidade Estadual do Oregon (EUA)

Já entre os animais de criação, produzidos em larga escala na agropecuária, os riscos são muito menores. De acordo com a Organização Internacional de Saúde Animal (OIE), estudos mostraram que os porcos são muito resistentes. Segundo Autran, os bovinos também são resistentes e têm contato baixo com os humanos. Os coelhos são mais suscetíveis ao vírus, mas ele explica que as pesquisam mostram que esses animais não excretam o vírus, reduzindo a capacidade de transmissão entre os animais e entre humanos.

“Os riscos para a maioria dos animais de fazenda não existem. O risco de transmissão de pessoas para animais de produção que não sejam vision é baixíssimo, praticamente zero. Não são especeis tão suscetíveis e não têm contato tão intenso com gente. E como essas espécies não são tão suscetíveis, se tiver um animal infectado, não vai passar para outro animal”, explica.