RIO — A saúde financeira da Cedae vai bem — a companhia teve um lucro histórico, de R$ 832 milhões, em 2018, quase o triplo do ano anterior —, mas a gestão passa por problemas e os serviços prestados vão de mal a pior. O total de reclamações em aberto, ainda não solucionadas, mais do que quadruplicou em menos de um ano. Em junho de 2018, as queixas chegavam a 7.136. Em abril deste ano, explodiram para 30.783. O balcão do Procon é outro termômetro da insatisfação dos consumidores, que em 2018 tiveram que arcar com um aumento na conta de 12,3%: de janeiro a maio, foram 467 queixas, número que supera todos os 439 registros do ano passado.
E nem todos procuram o órgão. É o caso, por exemplo, do aposentado Rogério Luiz Marella, que integra o conselho de administração de um prédio na Rua Jorge Rudge, em Vila Isabel, que há quatro meses tenta uma solução para um vazamento de água na calçada em frente à saída da garagem do edifício. Não foi por falta de pedido à Cedae:
— Foram várias reclamações. Agora, abrimos protocolo na Ouvidoria. Mas reparo que é bom, nada.
Na sexta-feira, moradores de Laranjeiras, Cosme Velho e Santa Teresa reclamavam que já estavam há três dias sem água. Síndico de um prédio em Laranjeiras, Felipe Carvalho, após pedir explicações, foi informado pela Cedae que o rompimento de uma tubulação numa comunidade do Lins — a cerca de 15 quilômetros do bairro — provocou o problema.
— Não temos água há três dias — diz, inconformado com o prazo de 48 horas dado pela Cedae para regularizar o abastecimento.
Desventuras em série
Por trás da avaliação ruim feita por quem depende do serviço da Cedae, está uma série de desventuras pelas quais a companhia — cuja venda pode ajudar a resolver os problemas fiscais do Rio — tem passado. Sindicâncias da própria administração retratam um quadro de sucateamento de unidades operacionais e revelam que até o edifício-sede, inaugurado em 2012, e, portanto, relativamente novo, já dá sinais de deterioração.
A Estação de Tratamento de Água (ETA) Guandu é uma das que mais tem problemas, segundo a sindicância sobre a degradação das unidades operacionais da Cedae. Lá, foram identificados equipamentos obsoletos e/ou inoperantes, máquinas enferrujadas e/ou quebradas e infiltrações. Segundo a própria companhia, os raspadores de lodo, que limpam os nove tanques decantadores, estão quebrados há 15 anos. O trabalho precisa ser feito manualmente. Com isso, perde-se 10% do volume de água produzido na estação. Precisar a produção, aliás, é impossível. Não existem aparelhos de macromedição. Outra dificuldade: dos cinco motores que bombeiam a água, no final do processo, dois estão queimados.
Contradições não faltam. Vizinha da ETE Guandu, a comerciante Vanilta Rute André, de Nova Iguaçu, não é atendida pela estação:
— Moro no bairro Santa Clara do Guandu, mas não sou atendida. A água que chega à minha casa vem de Ribeirão das Lajes (Piraí). E, a cada dois meses, fico uns três dias sem água.
Em Alegria, a estação inaugurada há dez anos como a maior do estado para o tratamento de esgoto, parte do maquinário está fora de combate por falta de manutenção e modernização. Dos cinco decantadores primários, por exemplo, só um está funcionando. Se ele quebrar, não há solução à vista: “Ele atende à atual demanda, mas não há equipamento reserva”, diz a companhia por e-mail.
O novo presidente da Cedae, Hélio Cabral, assumiu em janeiro com a promessa de aplicar, nos próximos meses, R$ 200 milhões em manutenção. “Vamos modernizar nossos sistemas e equiparar a estrutura da companhia às demais empresas do mercado de saneamento”, garantiu, por e-mail.
As irregularidades em investigação são atribuídas à administração anterior, que até o fim de 2018 teve à frente Jorge Briard. Procurado, ele não quis comentar as denúncias, mas lembrou que Cabral, atual presidente, foi membro do conselho de administração e diretor financeiro e de relação com investidores da Cedae durante sua gestão — e também em dois anos da administração de Wagner Victer.
Outra frente que afeta diretamente a rede sob a responsabilidade da companhia — e, consequentemente, o grau de aprovação da Cedae pelos usuários de seus serviços — é a sindicância que constatou irregularidades na prestação do serviço de manutenção da rede, que alcança 12 milhões de pessoas em 64 dos 92 municípios fluminenses. A empresa contratada foi afastada no mês passado por descumprimento de cláusulas. Este mês, seis firmas assumiram emergencialmente os serviços até que uma nova licitação seja concluída. Hélio Cabral afirma que, agora, seu objetivo é que, “ainda este ano, os reparos sejam realizados no prazo máximo de 24 horas após as solicitações.”
Investimentos lentos
O desequilíbrio entre o lucro aferido e a satisfação do cliente pode ter origem numa gestão emperrada. O economista Cláudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, observa que os investimentos não acontecem no ritmo desejável. Apesar de ter um programa de investimentos de R$ 5,3 bilhões, a Cedae só gastou com ampliação e melhoria das redes R$ 235,1 milhões no ano passado.
— Para onde vai esse lucro? Os índices de cobertura de água e esgoto caíram pelos últimos demonstrativos financeiros — diz Frischtak.
Tamanha turbulência na Cedae ocorre num momento em que o Senado acaba de aprovar projeto do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) de um novo marco regulatório, que aposta na concessão, através de licitação, dos serviços de água e esgoto, e poderia tornar a companhia do Rio — dada em garantia a um empréstimo de R$ 4 bilhões do estado ao BNP Paribas — mais atrativa aos olhos do mercado. Em 30 de maio, o governador Wilson Witzel, em evento público, disse que vai privatizar a Cedae. Mas o governo informa que o assunto está em estudo.