Por Emily Santos, G1 — São Paulo


No Recife, Milton Ribeiro falou sobre educação de crianças com deficiência — Foto: Pedro Alves/G1

A fala do Ministro da Educação, Milton Ribeiro, sobre crianças com deficiência tornarem "impossível a convivência" na sala de aula repercutiu negativamente entre autoridades da área da educação. A frase foi dita nesta quinta-feira (19), quando tentou explicar uma fala anterior sobre a separação de salas de crianças com e sem deficiência.

"Nós temos hoje 1,3 milhão de crianças com deficiência que estudam nas escolas públicas. Desse total, 12% têm um grau de deficiência que é impossível a convivência. O que o nosso governo fez: em vez de simplesmente jogá-los dentro de uma sala de aula, pelo 'inclusivismo', nós estamos criando salas especiais para que essas crianças possam receber o tratamento que merecem e precisam", afirmou Ribeiro.

Milton Ribeiro diz que há crianças com deficiência com quem 'é impossível a convivência'

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O ministro da Educação não informou como chegou a esse número de 12%. Em 2020, segundo o Censo, o Brasil tinha 1,3 milhão de crianças e jovens com deficiência na educação básica. Desses,

  • 13,5% estavam em salas ou escolas exclusivas
  • e 86,5%, estudavam nas mesmas turmas dos demais alunos.

Em 2005, o total de pessoas com deficiência matriculadas era bem menor (492.908). Além disso, a maioria delas (77%) permanecia em espaços exclusivos para alunos com necessidades educativas especiais - apenas 23% eram incluídas nas salas regulares.

Para o presidente do Instituto Rodrigo Mendes, Rodrigo Hübner Mendes, as falas do ministro demonstram que ele não está à altura do cargo. "Pensar e afirmar que alguma criança do planeta é de convívio impossível revela uma profunda intolerância e ignorância técnica sobre o tema. Não tem mais como tentar consertar. Deveria dar a oportunidade para outra pessoa assumir essa estratégica posição para o país", disse.

O deputado federal professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, afirmou: "Esse tipo de pensamento, que considera que uma pessoa com deficiência atrapalha os outros, é perigoso, coloca uma mentalidade nociva ao nosso país e que não pode prevalecer", afirmou.

Ele ainda citou o Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2016, que garante a participação social e a igualdade de oportunidade e prevê a obrigatoriedade do atendimento especial a pessoas com deficiência nas escolas. "A escola não tem papel de segregar, mas de incluir. Como professor, digo que pessoas com deficiência são uma oportunidade para que estudantes aprendam a lidar com as diferenças, valores como a solidariedade, que é um valor que este governo não reconhece, e sobre a necessidade da ação comunitária e coletiva. O ministro deveria estar preocupado em preparar as escolas para um atendimento adequado, isso sim", completou.

Quem também repudiou a fala de Ribeiro foi Margarida Seabra, procuradora de Justiça e fundadora da 1ª Associação sobre Síndrome de Down no Brasil. "As crianças que estão na escola comum aprendem muito com as outras e as outras aprendem com elas. Aprendem a conviver com a diversidade, a respeitar as diferenças e consequentemente tornam-se pessoas mais solidárias e humanas desde a infância."

Na noite desta quinta-feira, o MEC divulgou um comunicado que "reforça o compromisso de Milton Ribeiro com a educação especial: "O ministro da Educação, Milton Ribeiro, já manifestou publicamente seu pedido de desculpas às pessoas que se sentiram ofendidas e reafirma o seu compromisso com o desenvolvimento de políticas públicas que contemplem de fato as necessidades das modalidades especializadas". Veja mais abaixo.

Veja, abaixo, outras manifestações de entidades da sociedade civil e de autoridades:

Andréa Werner, criadora do Instituto Lagarta Vira Pupa

A criadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, Andréa Werner, afirmou em uma rede social que o ministro piorou uma fala com outra e publicou um vídeo que rebate a fala de Ribeiro.

Andréa Warner rebate fala do Ministro da Educação — Foto: Reprodução/Twitter

Maria do Rosário, deputada federal

A deputada federal Maria do Rosário (PT) também se manifestou contra a fala do ministro. "Quando ele fala em 'criar salas especiais' está falando em exclusão! ", afirmou.

Maria do Rosário critica fala de Milton Ribeiro — Foto: Reprodução/Twitter

Fábio Felix, deputado distrital

Deputado distrital do Distrito Federal pelo PSOL DF, Fábio Felix, disse que Ribeiro "pegou a teoria do inclusivismo, que é de acolhimento e estímulo, para dizer que isso atrapalha o desenvolvimento de demais estudantes. É podre o retrocesso da exclusão!".

Deputado Fábio Felix critica fala de ministro — Foto: Reprodução/Twitter

Íntegra da nota divulgada pelo MEC:

"O Ministério da Educação (MEC) reforça o seu compromisso na implementação de ações e políticas públicas voltadas à educação especial, a fim de promover o desenvolvimento educacional dos estudantes com deficiência.

Segundo dados do último Censo Escolar, de 2020, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de matrículas da educação especial chegou a 1,3 milhão em 2020, um aumento de 34,7% em relação a 2016.

O maior número de matrículas está no ensino fundamental, que concentra 69,6% das matrículas da educação especial. Quando avaliado o aumento no número de matrículas entre 2016 e 2020, percebe-se que as de educação profissional são as que mais cresceram, um acréscimo de 114,1%.

Dados levantados pelo MEC apontam que cerca de 12% desses estudantes não são devidamente beneficiados nas escolas regulares, sendo excluídos do direito ao pleno desenvolvimento. O MEC entende que esses estudantes são merecedores de atendimentos múltiplos e especializados, que sejam capazes de garantir com equidade seu desenvolvimento educacional.

Para tanto, o MEC destinou, durante a gestão do ministro Milton Ribeiro, mais de R$ 257 milhões de reais para a execução de ações voltadas ao ensino especial em todo o país. Ações como a formação de professores de educação básica da rede pública de ensino e a equipagem/abertura de novas salas de recursos multifuncionais para atendimento especializado, espaços educacionais equipados e coordenados pedagogicamente para oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Esse investimento foi realizado pela Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação do Ministério da Educação (Semesp/MEC).

O MEC destaca que a nova política adotada pelo Governo Federal amplia os direitos, opções e o respeito à escolha das famílias, que são as únicas conhecedoras de suas realidades singulares. A medida não é impositiva, sendo uma opção de escolha, até então, não oferecida aos que necessitam de atendimento especializado. Essa política está suspensa e em análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A atuação do Ministério tem contribuído, significativamente, para assegurar aos estudantes da educação especial condições de acessibilidade à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com materiais didáticos e espaços físicos adaptados às suas necessidades.

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, já manifestou publicamente seu pedido de desculpas às pessoas que se sentiram ofendidas e reafirma o seu compromisso com o desenvolvimento de políticas públicas que contemplem de fato as necessidades das modalidades especializadas."

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