As discussões sobre meio ambiente já afetam os fluxos financeiros globais, o que tem importância significativa para o Brasil, segundo o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Em entrevista ao Valor, ele advertiu que os grandes investidores internacionais estão começando a exigir dos países uma espécie de “selo ambiental”.
O governo do presidente Jair Bolsonaro foi muito criticado nessa área no primeiro ano de mandato. Polêmicas sobre aumento do desmatamento da Amazônia tiveram repercussão mundial. Segundo Campos Neto, o assunto tem sido discutido dentro do governo.
“Estamos desenhando todo um programa de diminuição do governo, com investimento privado”, disse. “Parte desse investimento privado vem de fora. A gente vai ter um desenho diferente daqui para a frente.”
O presidente do BC citou o caso da gestora de recursos americana BlackRock, que já começou a exigir governança na área ambiental como critério para seus investimentos. “O investimento externo vai olhar esses critérios [ambientais]. Precisamos estar em conformidade. Eu externei essa opinião algumas vezes [dentro do governo]”, informou. “Existe uma visibilidade maior tanto no nosso governo quanto em vários outros desse impacto [da questão ambiental] nos fluxos financeiros. Alguns anúncios já foram feitos.”
Campos Neto disse, também, que as medidas que vem adotando para estimular a competição entre os bancos e, assim, reduzir os spreads bancários são boas para o sistema. “Não vejo como isso possa ser ruim para o sistema. Talvez, os grandes agentes de mercado possam pensar que terão uma fatia um pouco menor de um bolo muito maior.”
Valor: A impressão que se tem é que os investimentos no país estão sempre atrasando.
Roberto Campos Neto: O ciclo vai se autoalimentando. O primeiro [investidor] acredita mais, aí, gera o crescimento. Alguns entram mais rapidamente e outros demoram mais. Investimento real é diferente de portfólio. Alguém que toma decisão de montar fábrica não é tão rápido quanto quem decide comprar uma ação. A segunda parte da resposta entra na questão do clima, que foi destaque em Davos e tem sido destaque também nas nossas conversas internas do governo, que tomou uma medida recentemente (a criação do Conselho da Amazônia).
Valor: O Brasil vem sendo fortemente criticado nessa área desde o início do governo Bolsonaro.
Campos: O que importa para a gente é que o tema vem crescendo, impactando áreas diferentes. Primeiro, foi muito na parte energética. O meio ambiente começou a influenciar a produção de energia. Depois, passou para a agricultura, cada vez mais impactando a forma de produzir alimentos. Agora, está se desenhando uma terceira forma que é muito mais intensa, o impacto no fluxo financeiro mundial. Essa parte é muito relevante para a gente. Estamos desenhando todo um programa de diminuição do governo, com investimento privado. Parte desse investimento vem de fora. A gente vai ter um desenho diferente daqui para a frente.
Valor: Por quê?
Campos: O investimento externo vai olhar esses critérios [ambientais]. Precisamos estar em conformidade. Eu externei essa opinião algumas vezes [dentro do governo]. Existe uma visibilidade maior tanto no nosso governo quanto em vários outros desse impacto [da questão ambiental] nos fluxos financeiros. Alguns anúncios já foram feitos.
Valor: Quem já exige esse selo?
Campos: A BlackRock, por exemplo, anunciou que, para ter empresas na carteira, precisarão seguir critérios de governança ambiental. O mundo financeiro é interligado mais rapidamente. Se tenho uma seta que diz que meu fundo só pode investir em empresas que tenham esse selo [ambiental], a empresa precisa ter certo critério para investir. Se ele investir em outra [empresa] que não tem [o selo], mesmo fazendo todo o resto, ela perde o selo.
Valor: O aumento do déficit em conta corrente é uma preocupação?
Campos: A gente tem conversado muito sobre isso. Em 2019, houve volatilidade causada por dois motivos no mesmo período.
Valor: Quais?
Campos: Um foi uma troca de metodologia do BC, para entender o que era o dinheiro que estava circulando fora das empresas brasileiras. Isso era feito por meio de um documento chamado DARF. Esse método começou a ter cada vez menos relevância. Em algum momento, na gestão anterior, foi entendido que mesmo o DARF sendo um dado real, ele não teria muita relevância. A gente não conseguia ver o caixa que as empresas brasileiras tinham fora e o que elas estavam fazendo, se estavam voltando, investindo. A gente tinha outro banco de dados censitário, que as empresas diziam que estavam fazendo. O BC entendeu que esse dado censitário talvez fosse melhor do que os dados que a gente tinha. Quando isso ocorreu, houve impacto, mas foi feita em fases para que a mudança não fosse abrupta, saiu inclusive no Relatório de Inflação anterior. Outro tema foi um erro no Documento Único de Importação. O número veio bastante diferente do que todo o mercado esperava. Essas duas mudanças geraram volatilidade.
Valor: No comércio propriamente dito, há preocupação?
Campos: Quando a gente olha o que piorou, teve um elemento de Argentina grande, um elemento agropecuário grande. Não é uma tendência preocupante, a gente vai acompanhar isso no dia a dia.
Valor: O senhor é o terror do sistema bancário, com a agenda de ‘open banking’ e a obrigatoriedade de ampla abertura de informações?
Campos: Não. A nossa agenda é muito boa para o sistema bancário. Gera competição, precificação e inclusão. Você vai aumentar a função intermediação financeira, alocar os recursos de maneira mais eficiente, diminuindo o direcionamento. Vale lembrar que hoje o balanço de um banco tem dois pedaços.
Valor: Quais?
Campos: Um, de 60%, que é o crédito livre, de rentabilidade alta, de 25% e 30%, e os outros 40%, que são recursos direcionados, de rentabilidade baixa, abaixo de 8%. Estou liberando uma parte que tem retorno baixo para ter retorno alto. Essa substituição de tudo que é direcionado, subsidiado, tem um efeito benéfico para os bancos. Tem a questão da competição, que vai gerar inclusão e segmentação.
Valor: De que forma?
Campos: Haverá fintechs especializadas em algum tipo de serviço. Às vezes, um banco grande está fazendo uma função muito bem e não tem um retorno tão bom. Ele pode ser substituído por outra fintech que vá fazer só aquele serviço. No futuro tudo estará tudo interoperável, instantâneo e aberto. Não vejo como isso possa ser ruim para o sistema. Talvez os grandes agentes de mercado possam pensar que terão uma fatia um pouco menor de um bolo muito maior.
Valor: A mudança do cheque especial está funcionando?
Campos: Foi implantada em janeiro e os bancos já estão cobrando no máximo os juros de 8%. O que tem aparecido é que os bancos decidiram não cobrar tarifa. Não tenho notícia de um banco que tenha vindo a público falar que vá cobrar tarifa. Mas há notícias de vários que já determinaram que não vão cobrar. No fim, o resultado foi o realinhamento do produto, em que uma taxa de juros média para o cliente é mais baixa. A tarifa é um direito de os bancos cobrarem. Eles estão preferindo não cobrar, o que significa que o produto era viável, mesmo não cobrando tarifa. O banco está olhando mais o cliente com o portfólio de produtos. Não posso pensar só em um produto, preciso que o cliente consuma vários [produtos].
Valor: Não dá para reduzir esses 8%?
Campos: A medida foi feita pensando na reengenharia do produto. Nós queríamos que o produto existisse, só queríamos fazer uma reengenharia. Os bancos vão poder cobrar menos de 8% se quiserem. Caso tenha competição saudável, isso vai acontecer. Tem banco já dizendo que vai cobrar menos de 8%. Mais recentemente, em conversas, outros agentes falaram: ‘Dependendo da plataforma que eu construir, posso ter juros mais baixos’. É importante a portabilidade, que alguém que não esteja satisfeito com os juros possa ir para outro lugar. A ideia nunca foi fazer controle de nada. A gente entendeu que esse produto tinha uma engenharia muito perversa e que precisava ser mudada. O que vamos ver é que haverá um produto, talvez não com a mesma rentabilidade de antes, talvez até maior, mas ele vai fazer parte de um grupo de produtos. Os bancos olham os produtos como um todo.