Por Aline Costa, G1 Presidente Prudente


Em um ofício artístico que precisa de tanto contato físico, como é a produção de tatuagem, os profissionais da área tiveram de se reinventar bem rapidamente para sobreviver no novo mercado imposto pela pandemia do novo coronavírus. Com alternativas criativas, os tatuadores buscam atrair os clientes proporcionando novas experiências.

Nesta segunda-feira (20), é comemorado o Dia do Tatuador, que foi quando a profissão passou a ser reconhecida no Brasil. Diante da data, o G1 conversou com três profissionais da área artística, em Presidente Prudente (SP), que contaram os desafios e os aprendizados no período de isolamento social.

Empatia

Danilo Matsubara teve redução de 95% no seu faturamento com a pandemia — Foto: Cedida

Danilo Matsubara, profissional da área, contou ao G1 que encerrou os atendimentos quando a quarentena foi decretada. Nos quatro meses sem trabalhar, para conseguir atravessar o período com segurança, buscou novas formas alternativas.

"Tenho vendido algumas pinturas, criei um programa de descontos para pagamentos antecipados, para os clientes serem tatuados quando a pandemia chegar ao fim e também fiz uma rifa, onde vou premiar os contemplados com tatuagens. Apesar de não garantir a normalidade do fluxo financeiro, esse projeto me ajudou a superar o impacto inicial que o fechamento repentino das atividades não essenciais causou", falou o profissional.

Matsubara disse ao G1 que, desde o início da pandemia, além do aspecto financeiro, toda visualização da forma de trabalho e do processo criativo sofreu algum impacto.

"Quando o trabalho depende da criatividade, qualquer alteração na rotina ou na 'atmosfera' vivida afeta o processo. Meu trabalho exige muito de mim nesse aspecto, e a sensibilidade desse momento acaba transparecendo no que venho criando atualmente. Com relação ao meu trabalho, durante esse período sem tatuar, tenho vivido uma diária reflexão sobre a identidade dos meus desenhos. Pensar sobre isso, sobre se eles realmente falam o que deveriam ou se estou colocando tudo que posso neles, com quem eles conversam, esse refinamento visual e sensorial talvez jamais seria possível se eu estivesse mantendo o mesmo ritmo do período 'normal' pré-pandemia", ressaltou o tatuador.

Tatuadores sentem o reflexo da pandemia de coronavírus — Foto: Cedida

O tatuador, como artista que é, disse ao G1 que se sente responsável por sua comunidade e que jamais colocaria em risco a própria saúde, a de sua família e a dos clientes por dinheiro.

"O que eu quero lembrar dessa pandemia, no futuro, é que eu não fui irresponsável com a vida de outras pessoas. Infelizmente essa não é a realidade da maioria das pessoas, que precisam se arriscar todos os dias pra sobreviver sem nenhum olhar do Estado. E eu tenho muita consciência do quão privilegiado sou por isso. Minha consciência de classe aumentou muito durante a pandemia. Conseguir se enxergar em uma posição de privilégio em um momento de sofrimento global, por mais fácil que pareça, não é. Empresários super-ricos fazendo-se de coitados para não terem prejuízo, enquanto exploram uma população fragilizada de trabalhadores, são um grande exemplo. Eu tenho um lugar pra morar, comida pra comer e um cobertor pra me aquecer, mas eu não consigo não pensar e não sofrer por quem não tem absolutamente nada, sequer o falso olhar de piedade dessas pessoas", desabafou Matsubara.

Antes da pandemia, o profissional fazia de dois a três atendimentos por dia. Levando em consideração que cada atendimento poderia durar de quatro a oito horas, os dias eram bem cheios para Matsubara.

Tatuadores sentem o reflexo da pandemia de coronavírus — Foto: Cedida

"Todo o prejuízo que essa fase causou em mim, financeiramente ou não, tenho como recuperar e reconstruir, mas a minha humanidade e empatia eu não posso aceitar serem corrompidas. Eu posso dizer que nesses quatro meses sem tatuar, e me mantendo com a venda das pinturas, pagamentos antecipados e da rifa, meu faturamento caiu 95%. Isso é muito. Meu estilo de vida precisou mudar muito e não parecia fácil no começo de tudo. Eu não sabia como faria na próxima semana, no próximo mês. Mas é engraçado como isso me fez perceber meu consumismo inconsciente, e que, apesar de difícil, eu consigo me virar com esses 5%", enfatizou o tatuador ao G1.

Matsubara ainda contou ao G1 que está planejando a produção e a venda de um print limitado com o lucro total revertido para uma instituição de caridade em Presidente Prudente.

"Esse é o mínimo que eu posso fazer. Minha parte pode não ser muito e nem ser o suficiente, mas já é muito mais do que o Estado tem feito por essas pessoas. Honestamente eu não tenho nenhuma expectativa com a reabertura, na minha opinião, totalmente equivocada das atividades não essenciais. Eu não tenho intenção de voltar com os atendimentos enquanto não houver uma vacina, ou no mínimo uma redução significativa no número de casos na cidade. Veja, eu parei com os atendimentos quando a cidade registrava apenas um caso. Qual seria a lógica em retomar as atividades com a cidade registrando mais de 1.100 pessoas contaminadas e mais 28 mortes?", pontuou.

Reflexo imediato

Melina sentiu o impacto financeiro trazido pela pandemia — Foto: Cedida

Melina Ribeiro Pires, que também é tatuadora autônoma, contou ao G1 sobre como tem sido o enfrentamento à pandemia, que afetou imediatamente o trabalho que ela faz.

"Por sermos autônomos, o reflexo imediato da pandemia foi no nosso rendimento financeiro. Ficamos sem renda ao precisar parar as atividades do estúdio", relatou.

Para suprir a principal dificuldade, o estúdio no qual ela atua fica junto a uma cafeteria. Como logo entrou o inverno, começou a vender caldos quentes pelo cardápio da cafeteria.

"Aproveitei que gosto de cozinhar e começamos a fazer as vendas. No início, ajudou a pagar algumas contas do estúdio, mas não foi suficiente. Além disso, contei com a ajuda de alguns clientes, que toparam pagar o sinal, geralmente cobrado para agendar uma tatuagem, e entrar numa fila de espera e tatuar quando fosse possível e seguro. Ao longo da fase vermelha, tivemos de separar o estúdio da cafeteria, já que as contas estavam ficando pesadas para nós. Começamos, então, a procurar por um local com valor mais acessível para manter o estúdio e fizemos toda a mudança", explicou a tatuadora ao G1.

Tatuadores sentem o reflexo da pandemia de coronavírus — Foto: Cedida

Antes da pandemia, Melina disse ao G1 que sua agenda ficava fechada por aproximadamente dois meses e, dependendo do procedimento, podia acontecer de atender duas pessoas no mesmo dia.

"Como fiquei parada por dois meses, minha agenda acabou acumulando um pouco mais, já que eu tinha clientes para reagendar e alguns outros que entraram na lista de espera durante o tempo em que fiquei parada. Logicamente, essa parada refletiu no faturamento, que caiu drasticamente. Com o retorno das atividades, aos poucos vamos nos restabelecendo, no entanto, estamos mais preocupados com a saúde e segurança nossa e de nossos clientes do que com qualquer outra coisa", falou.

O período também foi complicado para a profissional, tendo de se reinventar em alguns aspectos, buscando alternativas para pagar as contas.

"Não foi fácil para nós, como não deve ter sido para muitos comerciantes e trabalhadores autônomos. Mesmo assim, conseguimos colaborar com alguns trabalhos de uma ONG [Organização Não-governamental] que estava arrecadando alimentos para serem distribuídos a famílias sem condição de comprar comida. Além da divulgação, nosso estabelecimento foi um ponto de arrecadação desses alimentos. Enfim, aprendemos muito e tentamos nos manter ativos ajudando pessoas que necessitavam até mais do que nós", disse ao G1.

Mudanças

Fábio Nagate buscou alternativas para driblar a pandemia — Foto: Cedida

Mudanças na forma de atendimento, chamadas de vídeo e readequação do ambiente de trabalho. É assim que o tatuador Fábio Nagate contou ao G1 que está enfrentando o período da pandemia.

"Passei a fazer os atendimentos por vídeo-chamada, para conhecer o meu cliente e acertar os detalhes do projeto de cada um. Não fiz nenhum atendimento presencial desde o início da pandemia. Desde o início da pandemia, estou recebendo pedidos de orçamento e clientes pagando a criação pra quando for possível tatuar", explicou o profissional.

Nagate ainda disse ao G1 que o estúdio foi readequado para proporcionar uma ventilação natural e seguir essa nova forma de atendimento.

Tatuadores sentem o reflexo da pandemia de coronavírus — Foto: Cedida

"Antes da pandemia, os tatuadores já faziam o uso do álcool 70 na forma líquida para assepsia da pele ou de qualquer material não descartável. Materiais como tintas, agulhas, dentre outros são todos descartáveis. No momento, tenho 50% do volume de trabalho e faturamento em relação ao que tinha antes da pandemia", disse.

O profissional acredita que tudo é aprendizado, inclusive, no período do isolamento social.

"Os conhecimentos adquiridos durante a pandemia devem ser mantidos mesmo pós-pandemia e incorporados à minha forma de atendimento. Por trabalhar em imóvel próprio, não tive grandes prejuízos", finalizou ao G1.

Fase laranja

Presidente Prudente está entre as 56 cidades do Oeste Paulista que avançaram no Plano São Paulo e evoluíram para a fase laranja da flexibilização da quarentena. Antes, o município estava na fase vermelha, que é a mais restritiva.

A evolução permite, com restrições, o funcionamento de atividades econômicas nos municípios. No entanto, os estúdios de tatuagem devem permanecer fechados, pois não são considerados serviços essenciais.

Um decreto da Prefeitura de Presidente Prudente estabelece como fica o funcionamento dos estabelecimentos na fase laranja.

Decreto da Prefeitura de Presidente Prudente — Foto: Reprodução

Decreto da Prefeitura de Presidente Prudente — Foto: Reprodução

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