O dia 12 de fevereiro de 2005 marcou a história dos conflitos agrários no Pará. Foi nesta data que a missionária Dorothy Stang foi assassinada em Anapu, sudoeste do Pará. A vítima relatava que sofria ameaças e, segundo pessoas próximas da religiosa, sua morte estava anunciada: o clima era tenso na região e, no dia do crime, Dorothy tinha um encontro marcado com agricultores da região. "Eu pedi a ela que não fosse para a reunião, eu sabia que aquilo poderia ser uma cilada", relembra o procurador Felício Pontes Jr, do Ministério Público Federal.
Dorothy Stang foi morta com seis tiros pelo pistoleiro Rayfran das Neves Sales. A repercussão internacional do caso deu visibilidade para conflitos de terra na Amazônia. Na época, a ministra do meio ambiente, Marina Silva, esteve na região e deslocou um aparato policial para as investigações. As polícias civil e federal iniciaram uma caçada para prender os suspeitos. Rayfran foi detido 3 dias após o crime.
O repórter da Rede Globo, Jonas Campos, acompanhou a prisão dos acusados e fez uma entrevista exclusiva com Vitalmiro Bastos de Moura, um dos mandantes do crime. "Nesta entrevista ele caiu em contradição em vários momentos, e deixou claro que escondia alguma coisa", relembra Jonas. "Me lembro de uma frase emblemática do bispo de Altamira, que declarou 'aqui quem manda é a lei do .38, é a lei da bala' durante o velório da missionária", conta.
Dorothy Stang era de uma congregação católica. Ela veio parao Brasil em 1966. Nasceu em Ohio, nos Estados Unidos, mas decidiu ser cidadã brasileira. Foi naturalizada e passou a morar na Amazônia. Em Anapu, conheceu o drama do pequeno agricultor, sem terra para trabalhar. Virou uma liderança na luta pela reforma agrária e começou a incomodar madeireiros, fazendeiros e grileiros da região.
"É justamente aí que as pessoas envolvidas no crime começaram a alertar que se ela desenvolvesse esse trabalho que estava desenvolvendo, com certeza, muitas terras retornariam para a união e aí começou a ser planejada a morte dela", avalia o promotor Edson Cardoso, que atuou em julgamentos contra os acusados do crime.
Dorothy coordenava projetos de uso sustentável da floresta em áreas de assentamento do Incra onde, segundo o MPF, o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura possuia títulos de terra ilegais. "Todos aqueles documentos que tinham sobre aquela terra, eles apareceram depois que a irmã Dorothy e seus comunitáriosse estabeleceram na região", disse Felício Pontes.
"Naquela época nós ainda éramos líderes no Brasil, o estado de maior grilagem de terras. Se todos os ocupantes de registros de terra fossem para as suas terras, nós precisaríamos de 3 "Parás", avalia.
Condenações
Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e Regivaldo Pereira Galvão, apontados como mandantes do crime, foram condenados a 30 anos de prisão. Bida sentou quatro vezes no banco dos réus. Ele teria oferecido R$ 50 mil pela morte da missionária. Amair Feijoli da Cunha pegou 18 anos de cadeia por ter contratado os pistoleiros Rayfran e Clodoaldo Carlos Batista. A pena de Rayfran foi de 28 anos, e Clodoaldo foi sentenciado a 17. Os julgamentos começaram um ano após os assassinatos, em 2006.
"Eu não tenho conhecimento, no estado do Pará, hoje de morosidade ou de algum crime no campo que falte julgamento. O que acontecia anteriormente era que nós tínhamos uma carência de juízes nas comarcas e, com esse avanço do judiciário, dos 144 municípios nós temos mais de 120 comarcas", avalia o juiz do caso, Moisés Flexa.
Justiça
Hoje, 10 anos após o crime, três dos cinco condenados estão fora da prisão. Vitalmiro e Amair cumprem pena em regime aberto. Regivaldo recorreu da sentenã e aguarda decisão de recurso em liberdade. Clodoaldo está em regime semi-aberto. O pistoleiro Rayfran está preso, mas por outro crime: ele foi indiciado pelo assassinado de um casal em 2014.
Para as entidades que defendem os direitos humanos, muito ainda precisa ser feito para diminuir os problemas no campo - mas as condenações dos réus foram consideradas uma vitória contra a impunidade. "A partir deste marco, desta luta, as pessoas passaram a acreditar que é sim possível julgar, levar ao banco dos réus, homens poderosos, ricos e condená-los como foi feito no caso Dorothy", destaca Dinailson Benassuly, do comitê Dorothy.
"Nenhuma lutador pela justiça e pela vida, ou mártir, morreu em vão. Essel egado jamais será esquecido e vai se transformando em uma consciência da mesma causa pela qual ela lutou, junto aos que hoje estão em Anapu e em outros lugares", avalia o padre Paulinho, da Comissão Pastoral da Terra.