Empreenda

Por Weruska Goeking, Isabel Filgueiras e Júlia Lewgoy, Valor Investe — São Paulo

"Já tive que escolher as contas para não pagar hoje, entre elas as de energia e telefonia". A declaração é de Rafael Bueno, dono de um restaurante de comida árabe no Itaim Bibi, em São Paulo, mas retrata a situação de muitos pequenos empresários e profissionais autônomos que enfrentam a dura realidade de não saber quando os clientes - e o dinheiro - voltarão.

A disseminação do novo coronavírus pelo mundo vem colocando os brasileiros em quarentena nos últimos dias. Eventos, shows e reuniões estão sendo cancelados. Shoppings receberam a orientação de permanecerem fechados e apenas serviços essenciais devem abrir as portas a partir desta semana em diversas cidades do país, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro.

Os profissionais com funções possíveis de serem exercidas à distância são aconselhados a fazer home office, o popular "trabalhe de casa".

Com menos pessoas nas ruas, Rafael Bueno já viu sua clientela cair 50% de segunda-feira (16) a quarta-feira (18) e a perspectiva é de piora com as empresas ao redor — seu principal público — dispensando os funcionários para trabalhar de casa. As pessoas dos escritórios que ainda trabalharam na semana passada, nesta, muito provavelmente, passarão a trabalhar de casa.

Diante deste cenário, o dono do restaurante estuda fechar as portas temporariamente a partir desta semana. Sem perspectiva de ter receitas por um período que pode ir de dias a semanas, o pequeno empresário justifica sua escolha de deixar de pagar contas agora.

"Não sei quanto tempo isso vai durar e nem por quanto tempo vou ter caixa. Estou priorizando funcionários e empresas pequenas, como fornecedoras, nos pagamentos. Empresas grandes estou segurando os pagamentos para depois negociar", explica.

Também no Itaim, um restaurante de comida brasileira viu o número de clientes despencar 80% na semana passada e Rodrigo Vasconcelos, proprietário do estabelecimento, avalia que consegue levar essa situação por um mês. Se esse período se prolongar mais, ele e seus sócios terão que colocar a mão no bolso para garantir o pagamento de funcionários, contas básicas e fornecedores.

"Temos condições de aguentar um tempo tomando prejuízo, mas depois eu não sei", diz Vasconcelos. Os dois donos dos restaurantes passaram pela recente crise econômica brasileira com alguns percalços, mas aos poucos, viram o negócio crescer.

O temor agora é de que, sem saída, a quarentena imposta pelo coronavírus dure o suficiente para que tenham que tomar a difícil decisão de demitir funcionários.

Ainda que a redução da equipe seja uma possibilidade para esses pequenos empresários, fechar o negócio não está no radar.

Já para Werli Braz de Mendonça, dona de duas lojas de ateliê de costura em São Paulo, até demitir seria um problema, já que o desligamento de um funcionário com registro em carteira envolve custos. "No momento não tenho capital para demitir. Eu ainda vou conversar com eles, ver o que é possível fazer, talvez antecipar férias. A saída é conversar com o funcionário", conta a pequena empresária.

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Essa conversa que Werli cita é o primeiro passo para tentar conter a falta de receita durante a quarentena do coronavírus, mas pode não ser suficiente para manter seu negócio de pé.

"Estou sem saber o que fazer. Sou uma microempresária. Com a última crise, os pequenos empresários não conseguiram fazer uma reserva, um fundo de caixa para se prevenir de alguma coisa", conta.

Sem perspectiva de renda nas próximas semanas, Werli espera conseguir negociar os aluguéis das lojas. "Vou deixar as lojas fechadas, vou ligar e conversar com as donas do lugar, saber se podem esperar para receber o aluguel parcelado pelas semanas ou meses em que ficar tudo parado. Se elas não aceitarem, eu vou fechar as portas", conta.

Prestadores de serviços

Alguns prestadores de serviços não conseguem manter a mesma eficiência - e renda - em tempos de pandemia. E não se trata aqui das distrações com as crianças — que também foram dispensadas das aulas — ou de problemas de tecnologia, que nem sempre colabora.

Parte desses profissionais simplesmente não pode oferecer seu trabalho a distância, como motoristas de aplicativos, professores de dança e empregados domésticos.

Enquanto empresas gigantes possuem um colchão para lidar com os impactos econômicos da pandemia, os prestadores de serviços se preparam para tempos de tormenta à frente.

Renata Silveira é professora de yoga e a academia em que dá aula, em Fortaleza, ainda não suspendeu os serviços. Sua renda, contudo, depende do número de alunos que frequenta as aulas, que é cada vez menor.

"Não sei como vai ficar meu salário neste mês e no próximo. Vou restringir muitos gastos e vou usar o dinheiro que estava guardado para outra função para pagar contas básicas. Como eu tenho uma reserva, tenho esse privilégio. Muitos colegas não têm", conta.

Renata ainda tem o receio de que, passada a crise do coronavírus, sua renda continue prejudicada, uma vez que a pausa forçada pode acabar fazendo com que muitos alunos desistam das aulas.

Para evitar esse tipo de situação, Diego Lehder, dono de uma escola de dança também em Fortaleza, está usando tecnologia e redes sociais para manter um relacionamento próximo com os cerca de 170 alunos e evitar uma evasão.

"A escola tem um público muito fiel e nosso serviço gera um bem estar. Estamos fazendo uma corrente do bem para os alunos não abandonarem a escola", diz Lehder.

Essa corrente do bem envolve a comunicação franca e direta com os alunos desde o início da crise sobre o que estava acontecendo e quais seriam as ações da escola, como a suspensão das aulas.

Enquanto não se encontram pessoalmente, Lehder tem trabalhado junto com seus professores para oferecer aulas adaptadas por meio de videoconferências com os alunos.

Aulas de alongamento e de força usando o peso do próprio corpo são as mais pedidas pelos alunos.

E como driblar a concorrência de uma série de vídeos gratuitos no YouTube? Com interação. "O aluno pode enviar o vídeo dele na plataforma que usamos e a professora corrige a postura depois. Tudo é feito para ele se sentir dentro de uma rotina mesmo. É um acompanhamento mais personalizado", conta Lehder.

O lado emocional da crise

A doutora em psicologia clínica na área de psicanálise, Renata Toledo, atende muitos pacientes autônomos que têm o estado de ansiedade agravado pelo enclausuramento e impotência diante do controle financeiro.

Sem saber quando a situação será normalizada, eles já manifestam preocupação com a possível falta de dinheiro.

“Além da questão econômica, também tem o ônus psicológico. As pessoas estão desesperadas pensando no que vai acontecer daqui a um mês. Isso gera muita ansiedade, principalmente em quem já tem sintomas”, afirma.

Rafael Bueno, o dono do restaurante árabe relatou ao Valor Investe a dificuldade de dormir. "Fico ansioso pelo dia seguinte, para saber como vai ser [o fluxo de clientes]", diz.

O teste de nervos é realmente pesado. “Essa impotência econômica maior mexe com qualquer ser humano, a não ser Buddha. A tendência é as pessoas adoecerem, principalmente os autônomos, porque está todo mundo dentro de casa sem nenhuma garantia”, afirma a doutora.

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Auxílios do governo até agora

Para tentar evitar que a economia colapse, o governo tem anunciado medidas para estancar a sangria de grandes e também pequenas empresas, o que pode auxiliar uma parte dos autônomos.

Para o microempreendedor individual (MEI) e empresas de pequeno e médio porte que se enquadram no sistema tributário do Simples Nacional haverá um adiamento de pagamento de impostos de três meses.

Veja como ficará a agenda de pagamento do Simples Nacional:

  • período de apuração março, com vencimento original em 20 de abril, fica com vencimento para 20 de outubro
  • período de apuração abril, com vencimento original em 20 de maio, fica com vencimento para 20 de novembro
  • período de apuração maio, com vencimento original em 22 de junho, fica com vencimento para 21 de dezembro

As parcelas que ficarão em atraso poderão ser diluídas nas seguintes, sem incidência de multas ou juros. O impacto da medida será de R$ 22 bilhões.

Além disso, profissionais autônomos poderão receber um auxílio mensal de R$ 200 por um período de três meses, apelidado pelo próprio governo de "coronavoucher".

É para garantir alguma renda a quem não tem rendimentos fixos e, em geral, também não contribui para a previdência.

Receberão o auxílio trabalhadores informais, desempregados ou MEIs com mais de 18 anos, que estejam em família de baixa renda pelos critérios do Cadastro Único (CadÚnico), usado para programas sociais.

Uma medida provisória (MP) ainda vai definir as regras sobre como os trabalhadores serão selecionados para receber o "coronavoucher".

A medida deve beneficiar de 15 a 20 milhões de pessoas, segundo o governo.

Na prática, famílias com renda de até meio salário mínimo por pessoa (R$ 522,50) ou renda total de até três salários mínimos (R$ 3.135,00) terão direito à ajuda. Esses são os critérios para fazer parte do CadÚnico.

Quem ainda não está no CadÚnico também poderá receber o benefício. O governo busca uma solução para que a inscrição possa ser feita à distância.

O pagamento do "coronavoucher" deve ser de responsabilidade da Caixa e do INSS. O dinheiro será depositado na conta bancária do trabalhador ou poderá ser resgatado por meio de um cartão virtual.

Além do "coronavoucher" para autônomos, o governo também anunciou que vai pagar parte dos salários de trabalhadores de micro e pequenas empresas que se comprometerem a não demitir funcionários. Porém, ainda não há detalhes de como isso será feito.

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