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Economia Energia

Tarifa branca, que dá desconto na conta de luz em horários fora do pico, atinge menos de 0,1% dos clientes

Falta de divulgação é apontada como principal razão para fracasso do programa, em vigor desde 2018. Governo quer ampliar adesão de consumidores
Zeca Rondarte, arquiteto e responsável pela loja Hand Design, aderiu à tarifa branca e conseguiu reduzir a conta de luz em 15% Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo
Zeca Rondarte, arquiteto e responsável pela loja Hand Design, aderiu à tarifa branca e conseguiu reduzir a conta de luz em 15% Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo

RIO - Criada para reduzir o consumo de energia, a chamada tarifa branca - em vigor desde janeiro de 2018 - não pegou. Com ela, é possível obter desconto na conta de luz fora do horário de pico, uma iniciativa que o atual governo quer expandir, diante do risco de racionamento. Nos períodos de maior demanda, porém, a energia tem uma sobretaxa. A ideia é aliviar o sistema em momentos de forte uso.

Apesar das vantagens,  o número de consumidores que aderiram ao programa até hoje representa só 0,06% dos 87 milhões no país, de acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

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A adesão, que é voluntária, chegou a crescer 52% entre o início de 2020 e março deste ano, passando de 37,8 mil para 57,6 mil clientes residenciais e de baixa tensão. Mas está longe do seu potencial.

Para analistas, a baixa divulgação por parte das conessionárias de energia explica por que o programa não deslanchou. Eles também defendem a criação de relatórios de consumo para que os clientes possam identificar os períodos do dia em que consomem mais energia.

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— É preciso que o consumidor, sozinho, faça suas contas e analise o perfil de seu consumo. A regulação é feita de uma forma que a distribuidora faz suas projeções de mercado e de receita e, se programas como esse forem bem-sucedidos, a receita pode ser menor que a projetada. Então, falta estímulo para que as próprias concessionárias incentivem (a tarifa branca) — explica Lavinia Hollanda, diretora executiva da Escopo Energia.

Promessa de redução de 20% na conta

A tarifa branca vale apenas para os dias úteis e prevê três preços, cujos valores e os horários variam por concessionária. No caso da Light, que atua no Rio, ela vale entre 22h30 e 17h e custa R$ 0,612 por quilowatt-hora (kWh).

É uma redução de 11,81% em relação à tarifa convencional, de R$ 0,694 por kWh. No caso do horário de pico (entre 17h30 e 20h30), o valor dobra, para R$ 1,268 por kWh. Além disso, há o horário intermediário, de 20h30 às 22h30, de R$ 0,854 por kWh.

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A empresária Márcia Arriete foi uma das que aderiram ao programa. Ela tentou de tudo para reduzir a conta de luz de sua loja de decoração em um shopping na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio.

Primeiro, trocou as lâmpadas e o ar-condicionado. Depois, instalou uma tela especial que protege as janelas do calor do sol. Mas, ainda sim, achou pouco em meio à maior crise hídrica dos últimos 91 anos e aos reajustes nas bandeiras tarifárias.

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— Fui à Light e pedi para aderir ao programa. Essa é mais uma tentativa minha de reduzir a conta de luz e ter um consumo mais eficiente e responsável nesse momento. Acho que todos precisamos mudar os nossos hábitos e comportamentos para a nossa geração e as futuras — explica Marcia, que comanda  a Soho Design, na Barra, com a sócia Adriana Lo Bianco

Márcia Arriete Barcellos Morais, empresária e sócia-proprietária da SoHO Design Foto: Maria Isabel Oliveira /Agência O Globo
Márcia Arriete Barcellos Morais, empresária e sócia-proprietária da SoHO Design Foto: Maria Isabel Oliveira /Agência O Globo

Entre planejamento financeiro e tributário, ela brinca que criou o seu próprio planejamento energético. Desliga um dos ares-condicionados no fim da tarde e, como atende apenas com hora agendada, o último cliente é marcado até as 17h.

Para estimular o avanço do programa, especialistas defendem mudanças, com a criação de mais faixas de horários, permitindo um uso mais consciente de energia, além de um sistema de bonificação para o consumidor que reduzir o volume de consumo.

Empresas são 58% do programa

Alexei Vivan, presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE), defende maior divulgação para o programa, sobretudo para empresas de pequeno porte, que não têm demanda suficiente para comprar energia no mercado livre.

Na tarifa branca, as empresas somam 57,9% dos megawatt consumidos por mês (MWh/mês), seguido do residencial, com 40,1% e rural

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Representantes do Ministério de Minas e Energia vêm se reunindo com a indústria desde o mês passado para criar uma programa para incentivar grandes consumidores a reduzirem o consumo de energia elétrica nos momentos de pico de demanda, nos moldes da tarifa branca.

— O investimento todo do setor é justamente para atender (a demanda) nos momentos de pico. Hoje, o risco é não ter energia suficiente por conta do baixo nível de água nos reservatórios. Por isso, é preciso incentivar o uso mais consciente de energia por parte de todo os consumidores — diz Alexei.

Fontes do setor defendem que as concessionárias criem relatórios de consumo para os clientes residenciais e de pequeno porte, de forma que consigam mensurar em qual parte do dia eles consomem mais energia. Só assim, com esses dados em mãos, é que cada um vai conseguir entender se tem como ou não mudar seu padrão de consumo

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Claudio Salles, presidente do Instituto Acende Brasil, diz que o conceito do programa é importante, mas também defende uma ampliação da regulação:

— É preciso evoluir na política tarifária. O consumidor precisa saber que, dependendo da hora, a energia é mais cara. A tarifa branca tem um conceito interessante, mas não é sustentável, pois a distribuidora repassa o custo da redução de receita durante a revisão tarifária, onerando os outros consumidores. Por isso, o ideal é que essa regra de tarifas por horário fosse para todos os consumidores — afirma Salles.

30 dias para novo medidor

Ana Carolina Ferreira da Silva, gerente de Regulação e Tarifas da Thymos, lembra que é preciso aperfeiçoar os estudos para entender os horários de aumento de consumo, com a inclusão de novas faixas. Ela lembra de um programa da Califórnia que é válido para todos os consumidores e que tem preços diferentes ao longo do dia.

— Será que o horário de ponta está adequado às novas rotinas? Será que não se poderia ter mais diversificação de horários e preços? Há muitas oportunidades hoje que podem ser implementadas de forma que não prejudique as empresas que precisam investir em infraestrutura para atender a demanda — questiona Ana.

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Clauber Leite, coordenador do Programa de Energia do Idec, destacou que o programa é positivo pois ajuda a aliviar o sistema com a diferença nas tarifas. Mas ressaltou que, por ter uma adesão voluntária, é preciso mais investimento na divulgação da iniciativa.

O consumidor que quiser aderir deve fazer uma solicitação à distribuidora, que terá um mês para instalar um novo medidor de energia. Se verificar que não é vantajoso, o consumidor poderá pedir o retorno à tarifa convencional, o que também levará 30 dias.

— O programa nasceu para que os consumidores mudem seus hábitos. Mas precisam ser estimulados. Mas eu vejo isso ainda como algo transitório, pois é preciso modernizar o setor, permitindo que o consumidor pequeno possa entrar no mercado livre, podendo escolher seu fornecedor de energia, cuja proposta ainda precisa de um aval do congresso — explica Leite.

'Postura mais ativa'

Na área de concessão da Enel, são 1.942 clientes. Por lá, a tarifa branca vale das 22h às 16h. Nesse intervalo, o kWh é de R$ 0,571, menor que os R$ 0,714 da convencional. No horário da ponta, sai a R$ 1,333. Já o horário intermediário tem valor de R$ 0,880 e vale entre 16h e 18h e, depois, das 21h às 22h.

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— É uma oportunidade para parte de nossos clientes, desde que ocorra mudança nos seus horários habituais de consumo de energia. A tarifa branca exige uma postura mais ativa e vigilante do consumidor — diz a diretora de Mercado da Enel Distribuição Rio, Ana Teresa Raposo.

Quem já aderiu ao sistema comemora. O arquiteto Zeca Rodarte comanda um galpão em São Cristovão que distribui itens como esculturas, quadros e vasos. Além disso, é o resposnável pela loja de decoração no Leblon, a Hand Design.

Ele lembra que aderiu ao programa hádois anos. Desde então, conseguiu reduzir a conta em cerca de 15%. Mas, assim como a colega Márcia, não está satisfeito:

— A conta alta de energia sempre preocupa, ainda mais nesse momento. Venho ampliando as ações para economizar energia. Desligo parte do ar-condicionado e busco mais eficiência.