RIO — Enquanto o país enfrenta mais uma crise hídrica que levou ao aumento da conta de luz este mês, a Cedae desperdiça 1.520 piscinas olímpicas de água tratada por dia, de acordo com levantamento feito pelo Instituto Trata Brasil. O volume — que escoa por vazamentos e, principalmente, por ligações clandestinas — seria suficiente para atender 19 milhões de pessoas (alimentação e higiene), mais que a população fluminense. E evitar os impactos ambientais e econômicos dessas perdas está entre os principais desafios da nova administração da companhia, que, mês que vem, começa a operar o sistema em parceria com as concessionárias vencedoras do leilão de privatização que ocorreu no fim de abril.
No panorama atual, o Rio tem o maior percentual de perda entre os estados do Sudeste. Para cumprir as obrigatoriedades previstas no edital de licitação, em dez anos os grupos empresariais precisarão reduzir o desperdício — que, de acordo com a Cedae, atualmente corresponde a 41% de toda água tratada no estado — para aproximadamente 25%. As regiões conflagradas e dominadas por milícias e pelo tráfico se impõem como os principais desafios, e especialistas apontam que o uso de tecnologia para o monitoramento da distribuição de água, aliada à transparência de dados sobre as perdas, serão fundamentais para que desvios sejam detectados nessas áreas mais violentas.
Até hoje, a Cedae não consegue estimar, por exemplo, qual percentual da perda se deve a “gatos” na rede de distribuição e quanto é relacionado ao mau estado de conservação de encanamentos.
— Não sabemos onde grandes volumes de água se perdem. Hoje, o combate ao desperdício se concentra em ações de remoção de ligações clandestinas com base em denúncias — diz Leonardo Soares, atual presidente da companhia.
O projeto é que as novas concessionárias instalem sensores na rede de distribuição, que vão identificar onde há mudanças súbitas na pressão da água fornecida. Será um indicativo de ligações clandestinas, como as vistas em lava-jatos em situação irregular.
— Será possível fazer um controle de pressurização desde as adutoras até a ponta do serviço, através de macromedidores. De maneira remota, pessoas inadimplentes ou que estejam realizando furtos de água poderão ser identificadas em regiões violentas, de difícil acesso. É necessário que as operações sejam focadas, que tenhamos esses dados — acrescenta Soares.
Presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, Miguel Alvarenga Fernández ressalta que o problema do desperdício existente em favelas tangencia outras questões sociais e administrativas. Ele concorda que, sem tecnologia e dados, não haverá combate eficiente às fraudes.
— Hoje, temos uma enorme falha, desde as agências reguladoras até a companhia que presta serviço. Discutimos o desperdício de maneira genérica. As operações funcionam como “enxuga-gelo”. Quanto às regiões de favelas, é importante lembrar que outras questões compõem esse quadro e que os problemas de ligações clandestinas também podem ser observados em relação à distribuição de gás e energia, por exemplo — afirma Fernández.
Diante dessas adversidades a resolver, as concessionárias Aegea e Iguá, que venceram o leilão da Cedae, serão as responsáveis por administrar os serviços de distribuição da água tratada pela companhia, além do tratamento e da coleta de esgoto. Em nota, a Iguá disse que não se manifestaria sobre o assunto. Já a Aegea informou ainda não ter o detalhamento do que será feito para reduzir as perdas, mas que o trabalho deve seguir as ações postas em prática no Mato Grosso do Sul, onde também opera.
Por lá, um Centro de Controle Operacional monitora em tempo real todo o processo de captação, reserva e distribuição de água. Técnicos coordenam em tempo real o funcionamento dos poços e represas, o nível dos reservatórios, o controle de pressões nas redes e o funcionamento das estações de tratamento de água e esgoto. Segundo ranking do Saneamento Básico 2021, divulgado pelo Instituto Trata Brasil, Campo Grande (capital do estado) está entre as cinco cidades com os menores índices de perda de água no país.
Já no Rio, para se ter uma dimensão do quão fora dos padrões é o desperdício, o economista Cláudio Frischtak, sócio da Inter B Consultoria, lembra que o índice de perda de água tratada em países desenvolvidos costuma variar entre 6% e 8%.
— A perda de água representa um desafio em várias dimensões, entre elas, comercial. É um produto pronto para a entrega que deixa de ser cobrado. Entre outros motivos, por falta de um estado presente nessas localidades onde a água é entregue. O uso de tecnologia ajuda, mas é necessária a conscientização da população. Foram décadas de maus serviços prestados. Também há aí uma questão de reputação. Muitos dos consumidores não se conformam em pagar por esse serviço. Com a melhora das operações, a tendência é de que o número de ligações clandestinas caia — afirma.
Mais hidrômetros
Economista e pesquisador do Instituto Trata Brasil, Pedro Scazufca destaca outro ponto. Para ele, a macromedição (a que calcula quanto é fornecido pela rede) também precisa ser acompanhada de um trabalho de conscientização sobre a importância da micromedição (medição doméstica, feita por meio de hidrômetros) em residências em comunidades.
— Qualquer trabalho de fiscalização de perdas de água precisa monitorar o trabalho dos hidrômetros domésticos e criar políticas para a instalação de mais aparelhos desse tipo. A melhora no serviço tende a deixar esse trabalho mais simples — completa.
O levantamento do Instituto Trata Brasil tem como base números fornecidos pelo Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Regional.