Saúde Coronavírus

Por que a Ômicron está descartando a esperança de atingirmos a imunidade de rebanho

Para especialistas, o fato de a variante infectar vacinados e causar reinfecção indica que coronavírus continuará encontrando maneiras de romper nossas defesas
Pessoas atravessam uma rua de São Paulo. Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Pessoas atravessam uma rua de São Paulo. Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

CHICAGO — A variante Ômicron, que está se espalhando muito mais rápido do que as versões anteriores do coronavírus, provavelmente não ajudará os países a alcançar a chamada imunidade de rebanho contra a Covid-19, na qual um número suficiente de pessoas se torna imune ao vírus. Assim, ele não pode mais se espalhar, dizem os principais especialistas em doenças.

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Desde os primeiros dias da pandemia, as autoridades de saúde pública expressaram esperança de que fosse possível alcançar a imunidade de rebanho contra a Covid-19, desde que uma porcentagem alta o suficiente da população fosse vacinada ou infectada com o vírus.

Essas esperanças diminuíram à medida que o coronavírus se transformou em novas variantes em rápida sucessão no ano passado, permitindo reinfectar pessoas que foram vacinadas ou que haviam contraído Covid-19 anteriormente.

Algumas autoridades de saúde reviveram a possibilidade de imunidade de rebanho desde que a Ômicron surgiu no final do ano passado.

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O fato de a variante se espalhar tão rapidamente e causar doenças mais leves pode em breve expor pessoas suficientes, de maneira menos prejudicial, ao vírus Sars-CoV-2 e fornecer essa proteção, argumentam.

Especialistas em doenças observam, no entanto, que a transmissibilidade da Ômicron é auxiliada pelo fato de que essa variante é ainda melhor do que seus antecessores em infectar pessoas que foram vacinadas ou tiveram uma infecção anterior. Isso aumenta a evidência de que o coronavírus continuará encontrando maneiras de romper nossas defesas imunológicas, disseram eles.

— Atingir um limite teórico além do qual a transmissão cessará provavelmente não é realista, dada a experiência que tivemos na pandemia — disse à Reuters o Dr. Olivier le Pollain, epidemiologista da Organização Mundial da Saúde (OMS).

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Isso não quer dizer que a imunidade prévia não oferece nenhum benefício. Em vez de imunidade de rebanho, muitos especialistas entrevistados pela Reuters disseram que há evidências crescentes de que vacinas e infecções anteriores ajudariam a aumentar a imunidade da população contra a Covid-19, o que torna a doença menos grave para aqueles que são infectados ou reinfectados.

— Enquanto a imunidade da população se mantiver com esta variante e variantes futuras, teremos sorte e a doença será controlável — disse o Dr. David Heymann, professor de epidemiologia de doenças infecciosas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

Não é como o sarampo

As vacinas atuais da Covid-19 foram projetadas principalmente para prevenir doenças graves e morte, em vez de infecção. Mas os resultados de ensaios clínicos no final de 2020, mostrando que duas das vacinas tinham mais de 90% de eficácia contra a doença, inicialmente despertou a esperança de que o vírus pudesse ser amplamente contido pela vacinação generalizada, semelhante à maneira como o sarampo foi contido pela inoculação.

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Com o Sars-CoV-2, dois fatores minaram esse quadro, disse Marc Lipsitch, epidemiologista de Harvard T.H. Escola Chan de Saúde Pública:

— A primeira é que a imunidade, especialmente à infecção, que é o tipo importante de imunidade, diminui rapidamente, pelo menos com as vacinas que temos agora — disse ele.

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A segunda é que o vírus pode sofrer mutações rapidamente de uma forma que lhe permite iludir a proteção da vacinação ou infecção anterior — mesmo quando a imunidade não diminuiu.

— Isso muda o jogo quando as pessoas vacinadas ainda podem espalhar vírus e infectar outras pessoas — disse o Dr. David Wohl, especialista em doenças infecciosas da Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill.

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Ele alertou contra a suposição de que a infecção pela Ômicron aumentaria a proteção, especialmente contra a próxima variante que pudesse surgir. "Só porque você teve Omicron, talvez isso o proteja de pegar Omicron novamente, talvez", disse Wohl.

Vacinas em desenvolvimento que fornecem imunidade contra futuras variantes ou mesmo vários tipos de coronavírus podem mudar isso, disse Pasi Penttinen, o principal especialista em gripe do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças, mas levará tempo.

Ainda assim, a esperança de imunidade de rebanho como um bilhete de volta à vida normal é difícil de abalar.

— Estas coisas estavam na mídia: "Vamos alcançar a imunidade do rebanho quando 60% da população for vacinada". Isso não aconteceu. Então, para 80%. Mais uma vez, não aconteceu — disse François Balloux, professor de biologia de sistemas computacionais da University College London, à Reuters.

— Por mais horrível que pareça, acho que temos que nos preparar para o fato de que a grande maioria, essencialmente todo mundo, será exposta ao Sars-CoV-2 — disse ele.

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Especialistas em saúde global esperam que o coronavírus se torne endêmico, circulando persistentemente na população e causando surtos esporádicos. O surgimento da Omicron, no entanto, levantou questões sobre exatamente quando isso pode acontecer.

— Chegaremos lá — disse le Pollain, da OMS. — Mas não estamos lá no momento.