Brasil

‘Foram 400 anos de escravidão e controle, 25 gerações. Vai levar um tempo para mudar isso’

Netos de Nelson Mandela acreditam que, além do racismo, discriminação social é um problema crescente

Evento contra a discriminação no Cristo Redentor, com a presença de D. Orani Tempesta, dos netos de Nelson Mandela e do babalorixá Ivanir dos Santos. Foto de Fabio Rossi / Agência O Globo
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Evento contra a discriminação no Cristo Redentor, com a presença de D. Orani Tempesta, dos netos de Nelson Mandela e do babalorixá Ivanir dos Santos. Foto de Fabio Rossi / Agência O Globo Foto: /

Dois dos netos do líder sul-africano Nélson Mandela participaram nesta sexta-feira, no Cristo Redentor, de uma campanha contra a intolerância e a discriminação, capitaneada pela Arquidiocese do Rio e pelo Programa de Aids da ONU (Unaids). Coordenador da ONG Rising Africa Foundation, Ndaba Mandela, de 31 anos, e o produtor de cinema Kweku Mandela, de 29 anos, falaram com exclusividade a O GLOBO.

O racismo ainda é um problema grave no mundo?

Kweku: Definitivamente é um problema. Queremos acreditar que acabou, mas não é assim. Agora mesmo, nos EUA, estamos lidando com uma situação de racismo envolvendo um treinador de basquete. Estamos lutando contra o racismo em todo o mundo. Atualmente, penso que a discriminação por classe social é ainda maior que o racismo.

Você acha que a discriminação econômica e social é mais grave?

Kweku: Sim, vivemos num mundo menor, globalizado. Acho que hoje, as pessoas são menos julgadas pela cor da pele mas pelo status social e condição financeira.

Qual a situação hoje na África do Sul, 20 anos depois do fim do apartheid?

Kweku: Muita coisa boa aconteceu na África do Sul em termos de igualdade. Mas 20 anos de crescimento na História de um país não é muito tempo. Há um longo caminho a percorrer. Ainda há muita desigualdade em termos de acesso à saúde, à água, à eletricidade. Mas, como eu disse antes, o preconceito de classe também é muito forte. Quem tem dinheiro, independentemente da cor da pele, tem acesso a outras coisas.

Ndaba: Superamos o racismo em nível político, mas ainda lutamos muito nos níveis econômicos e sociais, que é onde o preconceito persiste hoje. A África do Sul e o Brasil são países de maioria negra em que o poder econômico continua nas mãos de uma minoria branca. Para que isso não continue, precisamos de educação, precisamos ensinar aos jovens. Se trabalharmos, conseguiremos superar o problema. Agora, foram 400 anos de escravidão e controle, 25 gerações. Vai levar um tempo para mudar isso.

O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão. Paradoxalmente, não tivemos um regime segregacionista, como nos EUA ou na África do Sul. Qual a sua percepção do racismo no Brasil?

Kweku: Não experimentei o racismo aqui. Mas sei que existem muitos problemas. E que o preconceito de classe também é uma questão grave, que a desigualdade social é enorme. Mas acho que o Brasil vive um momento em que mais pessoas estão externando sua opinião, reclamando, falando mais alto.

Vocês estão participando de um evento que pede o fim da discriminação contra soropositivos, mulheres, negros, contra a intolerância em geral. De que forma os diferentes preconceitos presentes hoje no mundo estão relacionados?

Ndaba: Todos os preconceitos, contra pobres, mulheres, negros, soropositivos, estão baseados no medo, na falta de conhecimento. As premissas da discriminação são sempre as mesmas.

A Aids é uma questão importante na África do Sul. Ainda há muito estigma?

Ndaba: Mandela falou muito abertamente sobre como perdeu um filho para a Aids, sobre o estigma e o impacto da doença na sociedade. Thabo Mbeki (o ex-presidente) depois de algum tempo, finalmente percebeu que o tratamento para a Aids não eram determinadas verduras, mas sim o AZT. Ainda falta muito, temos um percentual de 20% da população contaminada, mas já avançamos. Hoje, o número de novas infecções está em queda e boa parte dos soropositivos recebe tratamento.