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Política Governo Federal

'Além de amortecedor, agora eu sou um para-raio do Posto Ipiranga', diz Ciro Nogueira sobre Paulo Guedes

Em entrevista ao GLOBO, ministro-chefe da Casa Civil ataca Lula e Moro e conta qual será a estratégia do Centrão para reeleger Bolsonaro
O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, durante entrevista Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, durante entrevista Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

BRASÍLIA — Ciro Nogueira assumiu uma função inédita na chefia da Casa Civil: além de se anunciar como amortecedor de Bolsonaro , agora diz que se tornou para-raio do ministro da Economia, Paulo Guedes. Expoente do Centrão e responsável pela articulação política do Palácio do Planalto com o Congresso, o presidente licenciado do PP ganhou neste mês o poder de definir a destinação do Orçamento do governo neste ano eleitoral. Antes, a chave dos cofres públicos ficava somente nas mãos de Guedes, o "Posto Ipiranga" do presidente que se desgastava com a classe política quando se opunha à gastança desenfreada.

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Em paralelo a isso, Nogueira acumula outro papel: encabeçar o projeto de reeleição de Bolsonaro. Uma parte dessa missão envolve construir palanques nos estados. A outra está ligada a reverter a liderança do ex-presidente Lula nas pesquisas eleitorais. Não por acaso, o ministro passou a elevar os decibéis dos ataques contra o pré-candidato do PT, a quem apoiou em 2018.

— As pessoas pensam no Lula de 2002. Se você for comprar um celular para a sua filha, você vai comprar um celular de 2002 ou de 2022? Aquilo já passou. O Lula que está vindo aí não é o Lula para enfrentar a miséria e a fome. É o Lula para trazer de volta a Gleisi e o José Dirceu, essas pessoas que fizeram tanto mal e quebraram as estatais do nosso país — afirma Nogueira, que também critica o ex-ministro da Justiça Sergio Moro: — O Moro é um conflito ambulante. O Moro, quando era juiz, queria ser político. Virou político e quer permanecer juiz. É uma pessoa com conflitos. Tenho minhas dúvidas se ele vai permanecer até o final.

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A seguir, os principais trechos desta entrevista.

Em seu discurso de posse na Casa Civil, o senhor disse que gostaria de ser lembrado como um amortecedor que diminuiria as tensões. Mas, no início deste ano, o presidente voltou a atacar ministros do Supremo Tribunal Federal. O senhor concorda com as críticas de Bolsonaro contra as decisões da Corte?

Sou daqueles que defendem que decisão judicial se cumpre. Mas acredito que exista um ativismo judicial muito forte no país que passa por tirar algumas prerrogativas do Congresso Nacional de legislar. O que temos buscado é bom senso entre os Poderes, que cada Poder respeite suas atribuições, os seus direitos e sua competência. Esse é o nosso grande desafio. Temos contato permanente com Congresso e com Judiciário. Acho que já tivemos problemas maiores. Cheguei num momento de muita turbulência entre os Poderes e as instituições. Graças a Deus, conseguimos virar essa página. O caminho é de muita tranquilidade e equilíbrio. Nunca se deixou de cumprir uma decisão judicial. É o que importa. Costumo dizer que esse é um governo muito mais de ações do que palavras. O governo do presidente Bolsonaro nem discute ações. Discute palavras que são tiradas do contexto e têm muito mais repercussão do que as ações, que são as melhores possíveis.

Em caso de derrota nas urnas, o presidente reconhecerá o resultado das eleições?

Ele vai ganhar. O país nunca deixou de reeleger um presidente. Quem reelege o presidente é a economia, e a vida das pessoas vai melhorar. Temos pesquisas que mostram que, se a inflação for reduzida e o emprego voltar a crescer, quase 40% das pessoas que hoje não votam no presidente, podem vir a votar. A possibilidade de reeleição é muito grande.

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Ainda dá tempo de reverter as pesquisas eleitorais, uma vez que Bolsonaro está atrás de Lula?

Não tenho dúvida. Temos hoje uma campanha em que o ex-presidente Lula é o Lula do Alckmin (ex-governador de São Paulo), do Macron (presidente da França), do partido Democracia Cristã alemão. O Lula que conheço e que as pessoas vão conhecer na campanha é o Lula da Gleisi (Hoffmann), do Zé Dirceu, do (João) Vaccari. Esse é o Lula que tem muito mais identificação com Maduro (presidente da Venezuela) do que com Macron. Acho que a arrogância do PT está sendo importante para que as pessoas aprendam a identificar e separar. As pessoas não querem esse grupo do PT de volta ao comando do país. Acompanho pesquisas qualitativas. Quando se coloca o Lula ao lado dessas pessoas, a rejeição é total. Isso vai fazer com que o PT acabe derrotando o Lula. O Lula hoje está, em certo ponto, um pouco arrogante. O Lula que vi outro dia parecia que estava dando entrevista para o Granma, aquele jornal lá de Cuba, sem contestação. E o Lula se tornou juiz. A que ponto que chegamos: o Lula, que teve o seu processo anulado, ser juiz, dizendo que tem Centrão do bem e Centrão do mal. Lula tem condições de ser juiz em nosso país? Acho um pouco demais.

Em 2017, o senhor chamou Bolsonaro de "fascista" e "preconceituoso". No ano seguinte, durante as eleições, o senhor disse que ficaria "até o fim" com Lula. Hoje, o senhor é ministro do governo Bolsonaro, disse que está fechado com o presidente e atacou Lula em seus artigos. O que te fez mudar de opinião?

O governo do presidente Bolsonaro, que foi capaz de fazer as transformações. Tenho milhões de vezes mais identificação com o que foi feito neste governo do que eu tinha com o Partido dos Trabalhadores. Tivemos um presidente que enfrentou a maior pandemia da nossa história sem termos no país saques, violência e dando suporte à população, que foi capaz de dar 13 anos de Bolsa Família em Auxílio Emergencial para população sem quebrar o país. Veja o que aconteceu no governo da Dilma, que foi a maior recessão da nossa história sem pandemia. As pessoas não podem se esquecer disso. O que me fez mudar foi conhecer mais o presidente Bolsonaro. Acredito piamente em seu projeto.

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O espaço que o seu partido ganhou no governo, com indicações em órgãos relevantes, também foi crucial para apoiar o presidente Jair Bolsonaro?

Começamos a apoiar o governo do presidente Bolsonaro muito antes dele escolher qualquer técnico para os nossos cargos. Só pegar as votações não só do Progressistas mas também de outros partidos. Começamos a apoiar muito antes de receber (os cargos). É lógico que houve uma aproximação, e o presidente passou a escolher técnicos do meu partido. Quando cheguei à Casa Civil, vim só com a minha chefe de gabinete. Nos governos Fernando Henrique, Dilma, Lula e até do Michel Temer, se entregavam os ministérios de porteiras fechadas, e o presidente não tinha a menor ingerência. Hoje não acontece isso. Nós mudamos a forma de fazer política. Hoje os partidos estão no governo porque têm identificação com o projeto do presidente Bolsonaro.

Se o ex-presidente Lula ganhar as eleições, o senhor se sentará para conversar com ele ou se manterá na oposição?

Ele não vai ganhar. Não me vejo mais ao lado do Partido dos Trabalhadores. Temos hoje um enfrentamento no meu estado (Piauí, governado pelo petista Wellington Dias) irreversível. As pessoas pensam no Lula de 2002. Se você for comprar um celular para a sua filha, você vai comprar um celular de 2002 ou de 2022? Aquilo já passou. O Lula que está vindo aí não é o Lula para enfrentar a miséria e a fome. É o Lula para trazer de volta a Gleisi e o José Dirceu de volta, essas pessoas que fizeram tanto mal e quebraram as estatais do nosso país. Hoje, temos outra realidade. O Brasil não vai retroceder.

O presidente Bolsonaro mudou o discurso de campanha e firmou uma aliança com o Centrão. Isso tem gerado conflitos com a base bolsonarista. Qual o impacto disso na eleição?

Temos um terço do eleitorado para Bolsonaro, um terço para Lula. Quem vai decidir é o centro. Por isso, há esse desespero do Lula de deixar esse pessoal escondido e ir para o lado do Alckmin. O presidente Bolsonaro já tem aproximação muito mais consistente, tanto que os partidos mais relevantes de centro estão com ele. É lógico que o presidente jamais vai deixar os seus valores, principalmente algumas coisas ideológicas de lado. Essa aproximação do centro de termos um Estado muito mais competitivo, voltado a prestar um bom serviço à população, incentivar quem quer gerar emprego e renda no nosso país tem muito mais identificação com o presidente Bolsonaro. Lula estava querendo revogar reforma trabalhista e regular a mídia. Então, são coisas que o afastam das pessoas de centro. O que reelege o presidente é a economia, se as pessoas estão melhorando de vida.

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Mas o senhor considera que as pessoas melhoraram de vida de 2019 para cá?

Tivemos um problema no nosso país, um problema mundial. Estaríamos perto da China se não tivéssemos tido a pandemia. É um momento único, não teve um presidente que enfrentou uma pandemia. Não tenha dúvidas que voltamos com a maioria dos índices anteriores à pandemia e agora nós temos um potencial de crescimento muito grande.

O presidente mantém uma posição contrária à vacinação. De que forma isso pode atrapalhar na campanha?

Não faltou uma vacina para nenhum brasileiro. Hoje, o Brasil é uma referência mundial nesse setor. Então, o presidente sempre defendeu a liberdade das pessoas escolherem (se vacinar).  Ele não quis vacinar sua filha, porque ela não tinha comorbidade, mas não faltou uma vacina para nenhum pai de família vacinar o seu filho. O presidente é um homem muito espontâneo. Quando ele vai defender a liberdade das pessoas, ele pode até ser mal interpretado. Mas, volto a dizer, as suas ações são muito mais importantes do que as suas palavras

O senhor é favorável à vacinação de crianças?

Total, desde que haja concordância dos pais. Acho que ela tem que ser obrigatória para as crianças com comorbidade, porque nesse caso representa realmente risco de vida. O que é mais importante é que não falta vacina para os pais que querem vacinar os seus filhos.

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Uma de suas atribuições no comitê de campanha de Bolsonaro é ajudar na montagem dos palanques estaduais. Alguns membros do seu partido, porém, têm resistência a apoiar o presidente e preferem estar ao lado de Lula. Como o senhor pretende contornar esse obstáculo?

Essas posições têm que ser respeitadas. Isso não acontece só em um partido específico. Isso exige uma determinação nossa de alinharmos estado por estado. Temos um fator um pouco mais forte no Nordeste, onde tem uma força eleitoral do Lula que é muito menor do que a força que o Lula tinha na eleição passada. Os índices do Lula hoje são menores do que o de Haddad, que é muito mais fraco que o Lula. Hoje, o maior partido do Nordeste é o Progressistas. Isso conta muito. As eleições presidenciais refletem o que acontece na eleição municipal. Acredito que o crescimento dos partidos de centro, principalmente aliados ao governo, foram muito fortes e creio que isso vai melhorar muito o desempenho do presidente, que na eleição passada não tinha praticamente o apoio de ninguém. Agora, Bolsonaro vai ter um exército de vereadores, de lideranças e de palanques que ele nunca teve. Então, isso vai melhorar o seu desempenho nas eleições.

Como estão as conversas com o União Brasil? É possível superar as diferenças entre o presidente do partido, Luciano Bivar, e Bolsonaro, que já tiveram conflitos no passado?

As conversas permanecem. Tenho esperança de marcharem conosco. Desavenças eu também tive, superei e hoje estou ministro. Vamos para uma eleição que só terá dois lados praticamente. Com todo o respeito aos outros candidatos, mas a disputa vai ser entre Bolsonaro e Lula. Então, o União Brasil não vai apoiar o PT. É muito mais fácil vir  nos apoiar ou ficarem neutros. Vou trabalhar até o último dia para que eles venham nos apoiar.

O União Brasil também conversa com Sergio Moro. Como o senhor vê a candidatura do ex-ministro da Justiça?

O Moro é um conflito ambulante. O Moro, quando era juiz, queria ser político. Virou político e quer permanecer juiz. É uma pessoa com conflitos. Tenho minhas dúvidas se ele vai permanecer até o final.

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Na sua avaliação, dentre as opções da terceira via, qual tem mais potencial de crescimento?

No início, eu achava que a pessoa que ia crescer era o Eduardo Leite, um cara jovem, com discurso bom, corajoso. Pensei que ia crescer: "Esse aí vai dar trabalho". Não tinha dúvidas de que se ele tivesse sido candidato, ele era o terceiro. Agora para tirar o Lula ou o Bolsonaro, não vi ninguém até hoje que tenha esse potencial. Tenho enorme respeito pelo Ciro Gomes e pelo Doria (governador de São Paulo). São pessoas que têm sua história, têm que ser respeitadas. Mas é um Fla-Flu da eleição. São dois candidatos que têm potencial.

A Casa Civil passou a ter um poder inédito de barrar decisões orçamentárias do Ministério da Economia. Por que houve essa mudança?

Essa situação foi criada em comum acordo com o ministro Paulo Guedes.  Achamos que era muito melhor tanto para ele quanto para a Casa Civil. Levamos esse pleito ao presidente. O que acontece é que o Paulo Guedes sempre ficava encarregado de dar o "não" para alguns pleitos dos ministérios. Além de amortecedor, agora eu sou um para-raio do Posto Ipiranga. Divido com Guedes a responsabilidade de dizer o “não” e o “sim”.

Por que o ministro Paulo Guedes não participou das conversas iniciais para a elaboração da PEC dos combustíveis?

Não é verdade. Ele tem participado. E o que aconteceu, que vai ser colocado, por iniciativa do Congresso, exigência da legislação, foi alinhado comigo e ele, que é a questão da redução dos impostos federais. Eu comecei essa discussão com ele há três meses. Ele achava que, por conta da questão dos precatórios, não era bom misturar as coisas. Pediu que a gente voltasse a discutir isso no meio de janeiro. A palavra final sobre o projeto foi do ministro Paulo Guedes.

Os vetos do presidente Jair Bolsonaro ao Orçamento da União para 2022 representaram um corte em áreas sociais como saúde e educação, enquanto o Ministério da Defesa ficou com a maior parte dos recursos. Num momento de crise, a lógica não deveria ser inversa?

Alguns recursos do Ministério da Defesa como pagar salários do Exército são obrigatórios. O que é importante no Orçamento é que temos um acompanhamento constante no Congresso. Não vão faltar recursos para Educação nem para a Saúde, assim como não faltou no último ano. A Saúde do nosso país só não entrou em colapso por conta de recursos do governo federal. Olha o que fizemos. Não estava previsto no Orçamento anterior. O Orçamento é para ser acompanhado diariamente.

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As emendas de relator, conhecidas como “orçamento secreto”, permaneceram intactas no Orçamento, sem cortes. O senhor é favorável à divulgação dos autores das destinações desses recursos?

Não existe emenda de relator que não se saiba quem é o autor. Estamos em um governo que não tem como dizer que tem corrupção. Aí, às vezes, vejo o Partido dos Trabalhadores criticando: "Ah, emenda de relator". Quer dizer então que existe também corrupção no pessoal do PT que indicou essas emendas de relator? Não existe essa história de orçamento secreto. Tudo é transparente. Tudo está sendo executado com total acompanhamento da mídia e da população. Eu sempre fui favorável a essa transparência.

Mas a população não sabe, por exemplo, quais emendas o senhor indicou...

Ah, sabe. Você acha que uma emenda lá pra minha Pedro II, a cidade onde nasci, foi quem? Foi o Ciro Nogueira que indicou. Então não vejo muita dificuldade nisso, não. Não tem isso. Eu quero aparecer levando recurso para o meu estado. Às vezes, fico chateado de não levar mais recursos. É impossível chegar um recurso no município e a população não sabe quem levou.

Como vai ficar o reajuste de servidores, que virou uma pedra no sapato do governo?

Existe uma tentativa e uma determinação do presidente. Queremos dar aumento ao funcionalismo. Achamos importante, um reconhecimento. Agora, nós temos as contas públicas a serem respeitadas. Não somos irresponsáveis. Se não, nós iríamos dar com uma mão e tirar com a outra. Principalmente da parcela da população que precisa. Não vai acontecer nenhum tipo de aumento sem respeitarmos as contas públicas. Por mim, daria aumento para todos. Acho que temos que ter um reconhecimento dessas categorias de policiais, que são muito importantes. Mas eu defendo que seja dado para todos os servidores. Acho que o prazo é na hora que for possível. Não está suspenso o aumento da segurança (policiais), estamos analisando. Quando for possível, vamos levar o benefício.

Neste ano eleitoral, teremos uma agenda mais curta no Congresso. Quais são as pautas prioritárias do governo Bolsonaro?

Recebemos dos ministérios sugestões de 400 projetos. Tive uma discussão com o presidente no início da semana. Ele pediu para dar foco na questão da redução da maioridade. Terei uma reunião com o presidente Arthur Lira e vou pedir uma agenda com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para ver quais desses 400 projetos, pela sensibilidade, podem ter eco para serem votados. Acredito que até a próxima semana a gente pode publicar quais são os projetos de interesse do governo federal. Existe uma vontade da sociedade da retomada da economia. Se formos aprovar um projeto que vai reduzir o preço do combustível no nosso país, quem é que vai votar contra? É claro que parte da oposição vai querer politizar a discussão, mas não vai ter como votar contra. As pessoas vão votar olhando para as eleições. Num ano eleitoral, acho difícil votar contra o país