Por Gabriel Barreira, G1 Rio


VÍDEO: Paulinho simula atirar flecha em homenagem ao orixá Oxóssi em comemoração de gol

VÍDEO: Paulinho simula atirar flecha em homenagem ao orixá Oxóssi em comemoração de gol

O gol de Paulinho, o quarto da seleção brasileira olímpica contra a Alemanha nesta quinta-feira (22), sacramentou a vitória por 4 a 2 na estreia do Brasil nos Jogos de Tóquio. Na comemoração, o atacante simulou atirar uma flecha em homenagem ao orixá Oxóssi, do candomblé. Depois, em uma rede social, Paulinho escreveu: "Okê Arô! Saravá meu Pai".

Um dia antes, em um texto publicado no site "The Players Tribune", Paulinho falou de sua ligação com o culto brasileiro de matriz africana — que ele considera ser uma "filosofia de vida".

"Minha família tem ligação forte com o candomblé e a umbanda. Minha avó, minha mãe, minha tia… É algo que passa de geração para geração. Tenho muito orgulho da minha religião."

Oxóssi, segundo o candomblé, é um caçador. Por isso, o "ofá", símbolo que o representa, é o arco e a flecha. É o que explica o professor e historiador Luiz Antonio Simas.

"O mito principal de Oxóssi diz que ele era um caçador que, com uma só flecha, conseguiu acertar o peito de um pássaro que tinha sido enviado por algumas feiticeiras pra trazer a fome e a miséria para o reino. "

"Esse pássaro pousou no telhado do palácio principal do reino e nenhum caçador conseguia matá-lo. Enquanto esse pássaro estivesse pousado ali, haveria seca e miséria, os legumes não iriam brotar. A gente costuma fazer uma leitura desse mito dizendo que Oxóssi é aquele que, com sua flecha, consegue afastar a dor e a miséria, e trazer a alegria", explica.

Oxóssi retratado em HQ de Hugo Canuto — Foto: Hugo Canuto/Reprodução

Em 2019, o quadrinista baiano Hugo Canuto conversou com o G1 BA sobre a HQ “Contos dos Orixás”, como a da imagem acima, que faz parte do projeto. Leia reportagem aqui.

O babalorixá Ivanir dos Santos lembra que, no Candomblé ketu, o mais popular, quinta-feira é o dia de oxóssi e que a comemoração pode ter também a interpretação de "matar a caça".

Na Olimpíada passada, recorda, Neymar amarrou na cabeça uma faixa com a frase "100% Jesus". Desta vez, o babalorixá comemora a diversidade na celebração.

"É muito bonito o gesto do Paulinho, numa sociedade de tanto preconceito. Muitos jogadores normalmente reverenciam Jesus, como o Neymar, e ninguém criticou. E não é pra criticar. O jogador pode acreditar no que ele quiser. Mas é muito bonito quando um jogador assume uma religião que é tão discriminada. Antes de tudo, é um grito de dignidade e respeito", afirma.

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O que é o orixá?

Dentro da crença, Paulinho é filho dos orixás Oxóssi e Iemanjá. Tal relação paternal e maternal pode ser descoberta, como explica Simas, por um babalorixá.

"O Paulinho já vem de uma família muito ligada aos orixás e quem revela o orixá ao qual você pertence, em geral, é o oráculo dos búzios, que mostra quem é seu pai e sua mãe. Os orixás são energias. A gente pode entender que são fragmentos encantados da natureza e cada um de nós tem uma conexão maior com essas energias. Oxóssi é o orixá das florestas, da mata, da caçada. O filho é aquele que traz a energia, o axé, das características de um determinado orixá", diz.

O texto publicado por Paulinho na internet foi intitulado "Que Exu ilumine o Brasil".

Equivocadamente, esse orixá foi associado ao demônio por alguns setores da Igreja Católica — explica o professor. Para Simas, a comparação serve para "desqualificar os saberes não brancos" e deve ser considerada racismo religioso.

"Como Exu é um orixá muito próximo das energias que estão emanadas pelas ruas, das encruzilhadas, e como tem essa função de mensageiro, foi muito demonizado. Foi muito vinculado, sobretudo pelos primeiros mensageiros cristãos, à figura do demônio, do Mal. Isso, no Brasil, se perpetuou. No imaginário cristão, ele foi associado ao mal e ao demônio, mas isso não procede. Entre os iorubás, essa dicotomia bem e mal; corpo e espirito; céu e inferno não faz sentido".

Paulinho comemora gol pela seleção na estreia das Olimpíadas de Tóquio — Foto: Daniel Leal-Olivas/AFP

Paulinho no samba

Em 2022, a escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel vai desfilar o enredo "Batuque ao Caçador", sobre Oxóssi. O jogador da seleção brasileira olímpica já foi convidado a participar.

Fábio Fabato, jornalista, escritor e um dos autores do enredo, lembra que Oxóssi é um dos orixás mais reverenciados no país.

“No Brasil, Oxóssi rege inúmeras casas de umbanda e candomblé e também manifestações populares. As festas de caboclo têm muito a ver com ele. Não à toa, inspirou, por exemplo, o Cacique de Ramos. Sincretiza no Rio com São Sebastião, padroreiro da cidade e, na Bahia, com São Jorge.”

Para Fabato, o gol de Paulinho celebra também a beleza do sincretismo e da tolerância religiosa.

"O Brasil é um país de maioria preta que precisa decodificar para todas as pessoas a beleza simbólica dos cultos de matrizes africanas. Oxóssi representa conexão com a natureza, paz, a caçada do axé. Axé é energia positiva, o abraço, o afeto, os sentimentos necessários num contexto tão árido e também num momento como a pandemia. Nada mais brasileiro do que a semiótica do caboclo apresentada para o mundo todo."

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