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STF mantém obrigação de renda básica em 2022 e afasta restrições fiscais e eleitorais. Decisão favorece Auxíio Brasil

Em abril, Corte determinou que benefício seja pago a partir de 2022; União alegou problemas de ordem fiscal e eleitoral
Auxílio Brasil começa a ser pago em dez dias, mas incertezas ainda preocuam, principalmente, aqueles que mais precisam do benefício. Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Auxílio Brasil começa a ser pago em dez dias, mas incertezas ainda preocuam, principalmente, aqueles que mais precisam do benefício. Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

BRASÍLIA — Por dez votos a zero, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a manutenção da decisão que obrigou o governo federal a implementar, a partir de 2022, o pagamento do programa de renda básica de cidadania independentemente de restrições fiscais ou da legislação eleitoral.

O benefício deve ser pago a brasileiros em situação de extrema pobreza e pobreza, com renda per capita inferior a R$ 89 e R$ 178, respectivamente.

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A decisão prevê que os valores devem estar previstos no Orçamento do próximo ano, o que poderia viabilizar a ampliação do Auxílio Brasil no ano eleitoral.

A Advocacia-Geral da União (AGU) entende que o Auxílio Brasil atende em parte a decisão do STF, referendada ontem, de criar a renda mínima. Segundo um técnico do órgão, a questão do valor é secundária.

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O que importa são as famílias que precisarão entrar no programa. O Auxílio Brasil de R$ 400 prevê o atendimento de apenas 17 milhões de famílias.

– O benefício já está instituído. O valor do benefício é fixado pelo orçamento disponível – disse o integrante da AGU.

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Membros do governo acreditam que o STF terá que esclarecer como fica a restrição da lei eleitoral, ou seja, se esta decisão do STF permite total liberdade para a ampliação do valor ou da abrangência do programa no ano das eleições presidenciais.

Por outro lado, o governo precisa cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Teto de gastos, priorizando este programa no Orçamento.

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– O STF precisa esclarecer se sua decisão afasta a lei eleitoral. Ou o cumprimento da decisão está postergado para 2023 – disse um técnico.

Caso começou com a Defensoria Pública da União

A discussão sobre a renda mínima chegou ao Supremo por meio de uma ação apresentada pela Defensoria Pública da União (DPU) ainda em abril de 2020.

Em abril deste ano, ao julgar a matéria pela primeira vez, o Supremo decidiu que o governo federal terá que implementar a partir de 2022 um programa de renda básica nacional.

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O governo, no entanto, recorreu da decisão sob o argumento de que não seria possível cumprir a determinação por problemas de ordem fiscal e eleitoral, que proíbe a criação e ampliação de benefícios sociais pela administração pública em ano de eleições.

Na decisão desta segunda-feira, o STF volta a dizer que o governo deve implementar um programa de renda mínima, independentemente de ano eleitoral ou do teto de gastos, sendo necessário viabailizar um espaço no orçamento para tanto. O caso foi apreciado no plenário virtual da Corte, onde não há discussão entre os ministros.

Governo recorreu com argumento das eleições, mas situação mudou

Nos recursos feitos no primeiro semestre, a Advocacia-Geral da União (AGU) alegava que não seria possível cumprir a determinação por problemas de ordem fiscal e eleitoral, que proíbe a criação e ampliação de benefícios sociais pela administração pública em ano de eleições.

Todos os dez ministros da Corte seguiram o voto do ministro Gilmar Mendes, relator do caso, que rejeitou os argumentos do governo.

O que os ministros analisaram em abril, e analisam neste julgamento dos recursos da União, é a lei específica que mandou criar a renda básica. Diante da omissão do Congresso, o Supremo determinou a implementação desse benefício.

Pela decisão de abril, o Executivo deverá adotar todas as medidas legais cabíveis para a implementação do benefício, inclusive mediante alteração do PPA — Plano Plurianual — e da previsão da LDO — Lei de Diretrizes Orçamentárias; e da LOA — Lei Orçamentária Anual de 2022.

Gilmar afasta vedação eleitoral

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes afirmou que, diante de uma ordem judicial que determinou o pagamento da renda básica, não existe violação à legislação eleitoral.

Segundo o decano, a Constituição "considera como crime de responsabilidade o descumprimento de decisões judiciais, apresentando-se como verdadeiro contrassenso a interpretação que levaria à impossibilidade de o Poder Judiciário proferir decisões com consequências econômicas, em ano eleitoral, com a finalidade de cumprir os mandamentos da própria Constituição Federal".

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De acordo com o ministro, a "omissão inconstitucional determinada pelo Poder Judiciário, longe de se enquadrar em oportunismo eleitoreiro ou em promoção de uma eventual candidatura", "apenas concretiza um dos objetivos da República Federativa do Brasil", que é "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais".

"Portanto, tratando-se de estrito cumprimento de decisão judicial que impõe o alargamento de valores, de continuidade e/ou fusão de programas sociais já estabelecidos em leis, além de restar, evidentemente, ausente o abuso de poder político e/ou econômico, não há falar na incidência da norma constante do § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97", apontou.

Agravamento da pobreza

Em seu voto, o ministro lembrou do agravamento da pobreza no país e disse que o teto de gastos não pode ser usado como argumento para que a decisão do STF não seja implementada.

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"Até porque, ao fim e ao cabo, a questão do teto de gastos, instituído no art. 107 do ADCT, reflete a escolha de prioridades governamentais, situação bastante agravada, neste delicado momento de aumento da fome e da miséria que assolam nosso país, o que assume prioridade máxima diante de investimentos ou outros gastos não obrigatórios", disse.

Gilmar também fez um apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que adotem medidas administrativas e legislativas necessárias para atualização dos valores dos benefícios básicos e variáveis do Programa Bolsa Família (lei 10.836/04) e aprimorem os programas sociais de transferência de renda atualmente em vigor, conciliando-os com a lei 10.835/04 e unificando-os, se possível.