Blog do Mauro Ferreira

Por Mauro Ferreira

Jornalista carioca que escreve sobre música desde 1987, com passagens em 'O Globo' e 'Bizz'. Faz um guia para todas as tribos

OBITUÁRIO – Tivesse somente a técnica extraordinária para manusear as teclas brancas e pretas do instrumento que lhe deu fama mundial, o pianista mineiro Nelson José Pinto Freire (18 de outubro de 1944 – 1º de novembro de 2021) já teria lugar assegurado entre os maiores instrumentistas do mundo pelo virtuosismo singular.

Só que, além da técnica, Nelson Freire tinha sensibilidade igualmente extraordinária para tocar os temas dos maiores compositores do mundo na área da música clássica. Sem nunca jogar nota fora, Freire aliava ao virtuosismo uma emoção concentrada, precisa, que seduziu ouvintes mundo afora, capturando até ouvidos habitualmente refratários à música dita erudita.

Por isso mesmo, a morte de Nelson Freire nesta segunda-feira, 1º de novembro, aos 77 anos, é nota digna de pesar em âmbito mundial.

É justo dimensionar Nelson Freire como um dos maiores músicos de todos os tempos, capaz de extrair notas sublimes do piano com destreza e naturalidade. Um músico brasileiro, mineiro de Boa Esperança (MG), que tocou nas mais renomadas salas de concerto do mundo, evidenciando o talento manifestado precocemente, ainda na infância.

Tanto que, menino prodígio, o pianista impressionou professora da cidade natal aos três anos de idade e fez o primeiro concerto aos meros cinco anos, quando ainda era apropriadamente conhecido como Nelsinho.

Pois Nelsinho cresceu, se agigantou e virou Nelson Freire, o pianista brasileiro mais reverenciado do mundo, dono de prestígio planetário comparável ao obtido pelo compositor carioca Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959) na mesma área da música clássica.

Quem ouviu e viu Nelson Freire tocando peças de compositores como Bach, Beethoven, Brahms, Chopin, Liszt, Mozart e Schumann provavelmente ficou convencido de que o talento soberano de Nelson Freire era coisa de Deus pelas notas celestiais que extraía do piano como se habitasse outra esfera além do mundo terreno.

Com Nelson Freire fora de cena, restam os discos. Álbuns considerados antológicos, como The Nocturnes (2010), título do grandioso catálogo do pianista na gravadora alemã Decca, pela qual expandiu a discografia no século XXI.

Seis discos anteriores, retratos do pianista na juventude, foram agrupados em 2014 na caixa The Complete Columbia Album Collection, editada pela Sony Music. Mas há muitos outros discos, atestados perenes da relevância de Freire.

Pianista de mãos ágeis, mas de toque delicado, Nelson Freire se eterniza na memória de quem o viu no palco pela combinação exata de técnica e emoção.

O pianista sabia que o virtuosismo, por maior que seja, somente tem sentido quando posto a serviço da sensibilidade. Foi pela maestria dessa união que o menino Nelsinho virou o gigante Nelson Freire.

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