13/09/2013 12h39 - Atualizado em 13/09/2013 12h39

Escritor lança 'O Evangelho segundo Hitler' e nega intenção de polemizar

Livro é o primeiro romance publicado pelo maringaense Marcos Peres.
Evento de lançamento é nesta sexta-feira (13) no Shopping Maringá Park.

Erick GimenesDo G1 PR, em Maringá

Marcos Peres se inspirou em um conto do escritor argentino Jorge Luis Borges para criar o livro (Foto: Marcos Peres/Divulgação)Marcos Peres se inspirou em um conto do escritor
Jorge Luis Borges (Foto: Divulgação)

Marcos Peres, 28 anos, tem de bater o cartão ponto todos os dias no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), em Maringá, no norte do Paraná. Leva rotina como qualquer outro trabalhador brasileiro: tem chefia, obrigações, esposa, casa para cuidar. Briga com o corre-corre para não se atrasar no trabalho.

Agora, porém, tem o nome associado a outra profissão - desde que venceu o Prêmio Sesc de Literatura, em 2012, passou a ser considerado, oficialmente, escritor. Ele lança o livro de estreia, "O Evangelho segundo Hitler" (Editora Record, 352 páginas), vencedor desse concurso.

É preciso ler o livro com atenção para compreender que o título e a capa de cor vermelho-sangue, em que uma cruz e uma suástica dividem espaço, não é uma obra herege. "É polêmico, mas não era para ser", diz o escritor maringaense, que conta que a história mistura ficção a fatos históricos.

O ""Evangelho" de Peres é inspirado em um conto do escritor argentino Jorge Luis Borges, cujo nome e parte da história foram emprestados pelo maringaense para compor o enredo do livro. Na obra, um homônimo do autor sul-americano se envolve com uma seita alemã e, por consequência, com o nazismo de Adolf Hitler.

Peres cria uma teoria conspiratória no livro, a qual usa para criticar, disfarçada e levemente, as outras teorias desse tipo. "Nada contra quem acredita e escreve livros que vendem essas histórias", retrata-se.

No escritório em que concedeu entrevista ao G1, o escritor revela que ainda pretende manter a vida de funcionário público, necessária, segundo ele, apesar de considerar a possibilidade de viver exclusivamente de e para a literatura daqui alguns anos. Com a entrevista encerrada, Marcos Peres pede licença, educadamente, entre centenas de livros e uma estante cheia de latinhas de refrigerantes e cervejas. Tem de tomar banho para bater o cartão, outra vez, às 11h30, no Tribunal de Justiça.

Confira a entrevista completa.

De que forma surgiu O Evangelho Segundo Hitler? O que diz o livro, de forma resumida?
A pedra fundamental do Evangelho foi um conto muito pequeno do Jorge Luis Borges que se chama “Três versões de Judas”.  Lá, o escritor dá versões diferentes para o destino que a humanidade deu a Judas. Na hora, eu pensei: “Isso é blasfemo demais. É muito mais vil, muito mais ultrajante do que um O Código da Vinci [Dan Brown, 2003], por exemplo. Pensei que aquele conto daria algo maior. Então, quis escrever sobre Judas. Queria, também, colocar o Borges como personagem e criar uma teoria conspitatória onde ele se encaixasse. Borges era contemporâneo a Hitler, que foi infâme - igual a Judas. Tem conexão, você vê? Juntei tudo e coloquei em um termo bíblico em que tudo isso caberia: o evangelho. Foi assim que nasceu tudo.

Você já citou que usou o livro para mostrar o quão fácil é criar uma teoria conspiratória. Como isso se constrói na história do Evangelho?
É muito fácil criar uma teoria conspiratória. Se você olhar para trás, você consegue pegar fatos existentes e criar conexões fantásticas para fatos que não têm correlação, como o que eu fiz. Eu consegui criar uma conexão entre o Borges e o nazismo, que são duas coisas completamente diferentes. Você cria pontes. No momento em que cria a ponte, você tem a teoria conspiratória. Basta olhar de uma maneira crítica para trás e refletir. É algo inato do ser humano. Vem lá de trás. O homem tem a mania de achar que a realidade é mais complexa do que realmente é.

Borges é considerado um ícone da literatura chamada “fantástica”. O que há disto no seu livro? Como o real e o irreal se misturam na história?
Eu procurei beber da fonte borgiana mesmo. O Borges é perito em construir um pequeno ensaio, um pequeno conto que você não sabe delimitar bem onde terminar o real e onde começo o fantástico. O grande barato é você não conseguir precisar onde começa um e termina outro. Você chega a um ponto da leitura e e pergunta: “Cara, isso aconteceu ou não?”. Eu quis criar uma linha tênue, para justamente criar essa dúvida. Assim, você traz a realidade para a ficção e consegue, no fim, unir as duas coisas. Elas ficam ali, lado a lado, divididas por uma parede invisível. Acho que esse é o grande trunfo do livro.

Hitler também tinha um viés artístico. E se Borges e Hitler se encontrassem? Como você imagina que eles reagiriam?
O encontro não duraria mais que cinco minutos. Hitler foi um artista frustrado e, depois, alguns fatos o levaram para a Alemanha e, consequentemente, para o nazismo. O Borges também sempre foi culto mas, ao contrário do Hitler, sempre tomou posições muitas claras de não se intrometer na política. Eu vejo como duas personalidades completamentes distintas. Enquanto o Borges era muito centrado e introvertido, o Hitler se destacou como um grande orador - o contrário do escritor. Acho que, se acontecesse esse encontro, um ia olhar para o outro e ia dizer, ao mesmo tempo: “Esse cara aí é um babaca”. Acredito que pensariam: “Esse não é um cara que eu chamaria para tomar uma cerveja. Não é alguém que eu adicionaria no Facebook”.

O título é, por si só, polêmico. Como surgiu e como você lida com algo tão forte?
O título foi construído aos poucos. Primeiro ponto: queria escrever sobre Judas, baseado no conto do Borges. Segundo ponto: queria que o próprio Borges fosse meu personagem. Terceiro: queria escrever sobre a época do Borges, que viveu no tempo do nazismo. O nazismo, que fique claro, foi algo monstruoso, horrível, e está intrinsincamente ligado aos judeus. Judas, por sua vez, traiu o judeu mais famoso da história - Jesus. Para mim, dava para juntar tudo. Judas é bíblico, então poderia fazer referência ao evangelho, que é uma palavra que remete à literatura, à escrita, à história contada de Jesus. Pensei que seria um contra-senso legal e cheguei ao título.

Você não acha que essas ligações podem prejudicar a imagem do livro e a sua própria imagem?
As pessoas começaram a me perguntar se eu era nazista, se eu era ateu. Eu não sou. Depois, a editora me mandou a capa. Eu a achei linda, mas pensei: “Nossa, uma capa vermelha, com a a palavra “Hitler” ocupando quase todo o espaço e uma suástica lá embaixo. Eu nunca imaginei que meu primeiro livro teria meu nome associado com uma suástica. É pesado. Fiquei um pouco preocupado com as pessoas que estavam em minha volta. Não queria que elas passassem por um constrangimento desnecessário. Minha família é católica, meus pais são católicos, meus sogros são bem ligados à Igreja - e, de repente, do nada, “pá” [Peres espalma uma mão na outra]: O Evangelho Segundo Hitler, com meu nome. Não queria que as pessoas falassem para eles: “Credo, mas foi seu filho que fez isso?”. Então, quando eu vi a capa e comecei a pensar nas pessoas que estavam ligadas a mim, pedi para a editora para que eu fizesse um prefácio. Não quis justificar o livro - a obra é ficcional e entende quem quer. Eu quis, sim, me justificar. Deixar claro que não sou tudo o que pensam, por respeito a quem está em minha volta.

Você já escreveu outros romances que ficaram na gaveta. Em todos eles, incluindo o Evangelho, você parte de um ponto que te incomoda, parece que há um estalo dentro  de você para a criação da história. Como funciona esse processo?
Essa sua definição foi muito boa - é exatamente isso. Eu já disse em algumas oportunidades, embora nunca para essa pergunta, de maneira direta, que quando chegar o dia em que eu não tiver mais inquieto, que eu não sentir a necessidade de colocar o que vivo no papel, eu vou parar de escrever. A literatura é uma diversão para mim. Eu não seria capaz de fazer um livro contratado. Não é uma crítica a isso, mas não me sinto capaz. A literatura, para mim, é muito ligada a algo que está me cutucando, me incomodando. Tudo o que escrevo é nesse sentido. Às vezes é um pontinho que vejo e acho legal. Aí você vai criando, criando, criando e, quando vê, já está com um universo em torno daquilo.

Você leva uma rotina de um trabalhador comum. É servidor público, casado, tem uma rotina definida. Acredita que, um dia, isso possa mudar e você passe a viver apenas de literatura?
Se essa pergunta fosse feita há alguns meses, eu responderia de outra maneira: diria que é totalmente compatível com minha profissão. Falaria que não influencia nada e que são duas esferas distintas. Minha rotina era suficiente para mim: eu trabalhava à tarde e tinha as manhãs livres para escrever. Duas horas ou que seja um ou três horas, dependendo do dia. Com isso eu já conseguia escrever minha vida inteira. Depois do livro, porém, eu percebi que o escritor precisa de envolver em outros trabalhos um pouco alheios ou ato de escrever. Trabalhos burocráticos, mas necessários ao escritor. Tem que se envolver com o leitor, com outros autores, com o universo literário. Hoje, eu não tenho saúde financeira para pedir minha exoneração, por exemplo, mas já tenho que considerar a possibilidade.

O que você quer entregar para o leitor por meio desse livro?
Espero que, acima de tudo, que exista prazer na leitura. Não quero que meu livro soe como uma obra burocrática, fria. Quis criar algo crítico e, ao mesmo tempo, prazeroso. Construí uma história para dar prender o leitor e deixá-lo instigado. A ideia é fazer com que surja um ponto de interrogação sobre o tema, sobre o nazismo, sobre o Borges. Que as pessoas se interessem em procurar, em ler, em procurar os clássicos. Não quero ser pretensioso e dizer o que quero que o leitor sinta, exatamente, com meu livro - a percepção de toda essa história fica dentro de cada um.

Serviço:
Marcos Peres lança "O Evangelho segundo Hitler" nesta sexta-feira (13), às 19h30, no Shopping Maringá Park, em Maringá, cujo endereço é Avenida São Paulo, 120, Centro. O livro custa, em média, R$ 34 e pode ser encontrado nas Livrarias Curitiba e Nobel, em Maringá.

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