Por Gabriel Barreira e Henrique Coelho, g1 Rio


Jacarezinho já foi polo de oportunidades no Rio, mas hoje sofre com violência

Jacarezinho já foi polo de oportunidades no Rio, mas hoje sofre com violência

A comunidade do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, foi ocupada nesta quarta-feira (19) por 1,2 mil policiais que combaterão o tráfico. É o início do projeto Cidade Integrada, um novo projeto de ocupação de comunidades, que é prometida como uma versão reformulada Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) — criadas em 2008.

Poucas horas depois, a operação se expandiu para uma área com presença da milícia: a Muzema, Zona Oeste. A região de Rio das Pedras, também ocupada por paramilitares, deve ser outro alvo do programa.

O Governo do RJ ainda não deu detalhes do projeto – uma entrevista coletiva no sábado foi convocada para a divulgação das ações. Não há informação sobre quanto será investido e de onde vem a verba.

Na semana passada, o governador Cláudio Castro disse que vai levar segurança e serviços sociais a regiões dominadas por bandidos.

"Chegou a hora de repensar a segurança pública, de repensar até essa ocupação do estado mesmo. Então, é um programa que vem discutir segurança pública de uma maneira mais ampla e não apenas fazer o que foi feito outras vezes, de ocupar e tirar todo mundo e daqui a pouco volta".

Perguntas ainda sem resposta:

  • quanto vai custar o programa?
  • de onde sairá o dinheiro?
  • há condições de se manter o projeto por tempo indeterminado?
  • quais os projetos serão implementados nas comunidades?
  • quais as diferenças para o projeto das UPPs?

Tenente-coronel Ivan Blaz fala sobre os ações sociais no Cidade Integrada; muitas perguntas ainda sem resposta

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O g1 obteve documentos que dão pistas do que vai ser o Cidade Integrada. Especialistas ouvidos pela reportagem criticaram a falta de transparência e apontaram os desafios para tirar o projeto do papel.

Quais são os objetivos do Cidade Integrada?

  • ações de segurança pública;
  • ações sociais;
  • integração de bairros formais e informais;
  • investimentos de infraestrutura;
  • melhorias de espaços públicos;
  • acessibilidade;
  • construção e reforma de equipamentos públicos;
  • reforma de unidades habitacionais;
  • investimento em geração de emprego e renda;
  • comunicação comunitária;
  • delegacias designadas para fazer investigações que possam ajudar, posteriormente, na desestruturação das organizações criminosas;
  • Polícia Militar atua patrulhando ruas e avenidas das regiões.

Onde o Cidade Integrada vai ser implementado?

Em dezembro, um documento enviado à Secretaria de Desenvolvimentos Humanos informava que o Programa Cidade Integrada seria instituído nas seguintes comunidades:

  • Jacarezinho
  • Muzema/Tijuquinha/Morro do Banco (Itanhangá)
  • Complexo da Maré
  • Rio das Pedras (Jacarepaguá)
  • Pavão-Pavãozinho/Cantagalo
  • Complexo da Maré

Quando o projeto foi anunciado?

A intenção de reformar o projeto adotado pelas UPPS foi anunciada em maio do ano passado pelo governador Cládio Castro (PL), que na ocasião não deu detalhes.

Em maio, ao Blog do Edimilson Ávila, Castro disse que retomaria no segundo semestre de 2021 a ocupação de comunidades, “com o estado presente”, diferentemente do programa das UPPs.

“O estado não estava presente, não tinha serviço lá dentro”, afirmou na ocasião.

Ele disse que cumpriria a promessa ainda no ano de 2021, o que não aconteceu.

Cláudio Castro na troca de comando da PMERJ, em setembro — Foto: Philippe Lima/Governo do Estado/Divulgação

O que diz o governo?

Em um documento obtido pelo g1, o Cidade Integrada é classificado da seguinte maneira:

"O Programa Cidade Integrada é um programa orientado para promover uma verdadeira transformação em Bairros e comunidades de baixa renda e em seu entorno imediato, através de ações e implementações de obras de mobilidade, habitação, construção e reforma de equipamentos públicos, melhoria de gestão de resíduos sólidos, buscando realizar a conexão e integração destas comunidades com os bairros formais", diz o documento.

Desafios e o que dizem especialistas

Muitas perguntas também têm sido feitas por especialistas em segurança pública. Eles dizem que o governo deu poucos detalhes do projeto e se questionam sobre os efeitos práticos de uma medida como essa, reforçando o fato de ocorrer em ano eleitoral. Principais desafios:

  • falta de informações sobre plano de segurança pública estruturado;
  • falta de critérios para início no Jacarezinho e na Muzema;
  • ocupação não impede o modo de operação da milícia;
  • alto custo de manutenção do programa em meio à crise econômica (dependência do Regime de Recuperação Fiscal, que está em discussão);
  • pouco diálogo entre prefeitura e estado podem atrapalhar ações sociais – a exemplo do ocorrido com as UPPs.

Daniel Hirata, doutor em sociologia pela USP e pesquisador do Geni/UFF (Grupo de Estudo de Novos Ilegalismos da UFF), diz que a gestão de Cláudio Castro parece não ter até hoje um plano de segurança pública.

Ele também questiona a razão para que a ocupação inicial tenha sido feita no Jacarezinho, onde ocorreu a "maior chacina da história da polícia do Rio" e quais os critérios para isso.

"Por que nessas comunidades específicas, qual a dotação orçamentária? Não tem um diagnóstico que explique como vai funcionar. O que aparece são anúncios do governo de maneira mais ou menos improvisada. Ficamos na dúvida se os erros cometidos pela UPP serão mantidos nesse projeto", diz ele.

Hirata destaca ainda que quase todas as UPPs ocorreram em áreas de tráfico, não de milícia.

"Agora, o governador apresenta -- pelo menos oralmente -- um certo equilíbrio entre essas ocupações. No que diz respeito ao enfrentamento das milícias, esse tipo de ocupação territorial que já não era muito eficiente vai ser ainda menos. Não é esse tipo de ação que vai obter resultados. A gente tem um monte de evidências que mostram que a maneira de operacionalização das milícias, para além do controle territorial armado, não vai ser enfrentado somente com uma ocupação. O pagamento para proteção, a extorsão, tudo isso pode continuar", diz ele.

O doutor em sociologia também afirma que um projeto de ocupação, por envolver muitos policiais, é caro.

"Sobram dúvidas sobre a sustentabilidade desse projeto. Sabemos que há alguma sobra no caixa do estado em virtude da venda da Cedae, talvez a verba venha daí. Mas e depois que acabar esse dinheiro? O que fica parecendo é que é uma ação desses últimos 11 ou 12 meses de governo. Temos eleição esse ano. Parece uma medida puramente de visibilidade política com vista a ter um retorno eleitoral".

Também nesta quarta, Cláudio Castro vai a Brasília tentar convencer o ministro da Economia, Paulo Guedes, a manter o estado no Regime de Recuperação Fiscal. A saída definitiva do RRF, segundo Hirata, poderia inviabilizar de vez o Cidade Integrada.

"Com a eventual saída do Regime, esse projeto me parece absolutamente inviável".

Maria Isabel MacDowell Couto, doutora em sociologia pela IESP/Uerj e diretora de programas do Fogo Cruzado, concorda que faltam informações sobre o projeto.

"A falta de um plano torna muito difícil a gente entender do que se trata, quais são os objetivos do projeto", diz.

Em relação à ocupação em áreas dominadas por paramilitares, um dos problemas pode ser o vazamento de informações.

"A gente sabe que as milícias têm relações com grupos corrompidos da Polícia Militar. Como vai ser atuar nessas áreas sem que as informações de inteligência vazem? Principalmente quando a gente fala de um projeto que envolve diversos órgãos públicos".

Segundo a diretora do Fogo Cruzado, o projeto tem semelhanças com a UPP e prevê uma interface com a Prefeitura do Rio, que seria responsável por ações sociais — como era o papel da UPP Social.

Pela manhã, no entanto, o prefeito Eduardo Paes publicou em uma rede social que não houve "reuniões prévias" sobre o Cidade Integrada com a prefeitura. Uma má notícia na avaliação da especialista.

"Como o governo pode dizer que isso foi planejado se a Prefeitura do Rio, por outro lado, diz que não teve conversa sobre isso? Certamente é um problema".

Projetos sociais

Desde setembro, o projeto é discutido no Palácio Guanabara. Em um dos ofícios a que o g1 teve acesso, a Subsecretaria-Geral da Casa Civil pede ao gabinete do vice-governador que sejam adquiridos elevadores novos e recuperados os já existentes, nos acessos à comunidade do Cantagalo, em Ipanema, na Zona Sul do Rio — o Complexo Rubem Braga.

“Na comunidade do Pavão-Pavãozinho e Cantagalo está prevista, entre outras intervenções, a recuperação dos elevadores de acesso ao prédio onde atualmente funcionam o Viva Rio, um Ciep, uma unidade da Faetec e outros projetos sociais”.

O governo do Rio também apresentou plantas para a construção de projetos sociais.

Entre as atividades citadas está o Programa Desenvolve Mulher, para promover a mobilidade social e interromper o ciclo de perpetuação de pobreza que perpassa as gerações de uma mesma família. O público-alvo é formado principalmente por mães solteiras, de 15 a 30 anos.

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