Rio

Tráfico e milícia 'sequestram' antenas de telefonia em 105 comunidades no Estado do Rio

Quadrilhas também transferem a infraestrutura para empresas clandestinas de TV e internet
Torre de telefonia no Boassu, em São Gonçalo Foto: FABIANO ROCHA / Agência O Globo
Torre de telefonia no Boassu, em São Gonçalo Foto: FABIANO ROCHA / Agência O Globo

RIO — Um negócio irregular, explorado por milicianos e traficantes, se alastrou e já atinge a Região Metropolitana do Rio e parte da Costa Verde e da Região dos Lagos. Dados apresentados durante o Painel Telebrasil 2021, realizado entre 14 e 28 de setembro pela Associação Brasileira de Telecomunicações e organizado pela Conexis Brasil Digital (sindicato de operadoras do setor), revelam que quadrilhas de paramilitares e de traficantes “sequestraram” a infraestrutura de empresas de telefonia , internet e TV a cabo instaladas no estado. Só a Oi detectou o problema em 105 comunidades do Rio de Janeiro.

Segundo investigações da Polícia Civil, os criminosos chegam a exigir das companhias de telecomunicações o pagamento de taxas semanais que variavam entre R$ 5 mil e R$ 50 mil, para permitir a entrada em seus domínios e a devolução do que foi retido ilegalmente.

De acordo com os dados, o problema atinge comunidades de 14 bairros das zonas Norte e Oeste do Rio e ainda de localidades de Nova Iguaçu, Belford Roxo, Duque de Caxias, Itaguaí, Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, na Região Metropolitana, além de Cabo Frio e Búzios, na Região dos Lagos, e Angra dos Reis, na Costa Verde.

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Na capital, segundo a Conexis Brasil Digital, Campo Grande, Jacarepaguá e Barra da Tijuca, na Zona Oeste, e Méier, Tijuca, Vila Isabel, Ramos e Inhaúma, na Zona Norte, são alguns dos bairros onde há favelas com limitação para a entrada das operadoras.

Nos territórios controlados pelas quadrilhas, os bandidos impediram o acesso de funcionários das operadoras, encarregados do serviço de manutenção, e se apoderaram de equipamentos como cabeamento, caixas de passagem, roteadores, estações e 26 antenas de telefonia e de transmissão de sinal de internet e de TV a cabo.

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No caso das exigências de pagamento feitas pelos bandidos, a taxa ilegal não foi paga e as operadoras registraram o caso na Polícia Civil. Os bandidos furtaram alguns equipamentos, que foram vendidos para ferros-velhos, e desligaram algumas antenas. Já outra parte da infraestrutura foi entregue pelos criminosos para empresas clandestinas. Elas concordaram em pagar a milicianos e traficantes para ter direito de explorar o monopólio da venda de internet e TV a cabo dentro das comunidades.

Sem conexão

Morador de uma localidade que fica entre Engenho da Rainha e Inhaúma, um funcionário público que pediu para não ser identificado foi um dos que sentiram o efeito do negócio digital ilícito explorado por traficantes e milicianos. Assinante de uma operadora legalizada, ele utiliza o computador para ajudar na conclusão de um curso de pós-graduação. Em maio, ao tentar ligar o micro, descobriu estar sem conexão.

Ele ligou para a empresa responsável pelo serviço e foi informado que traficantes haviam cortado alguns cabos. Pouco tempo depois, ao fazer nova ligação para cobrar o restabelecimento do serviço, o morador recebeu a notícia de que o acesso dos técnicos da operadora à localidade havia sido impedido por criminosos.

— Isso foi no início de maio. No mesmo dia, uma empresa ligada ao tráfico entregou panfletos por aqui oferecendo o novo serviço. Desde então, a internet e a TV a cabo da minha operadora nunca mais voltaram. O morador fica refém desta situação. É muito difícil para nós — reclama ele.

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De acordo com dados apresentados no Painel Telebrasil, entre 2019 (ano em que a prática foi detectada pela primeira vez) e 1º de setembro de 2021, houve um aumento de 320% na incidência da ação criminosa no Rio: de 25 comunidades com impedimento de acesso, em agosto de 2019, para 105 em setembro deste ano.

Trabalho de inteligência

A Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD) abriu um inquérito para concentrar todas as investigações sobre o “sequestro” de equipamentos das operadoras. Segundo o delegado Pedro Brasil, um trabalho de inteligência está sendo feito para identificar e indiciar todos os envolvidos no crime, incluindo os responsáveis por empresas clandestinas que usam cabos e peças furtadas das operadoras para explorar os serviços com anuência dos bandidos.

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— O tráfico vende o monopólio para empresas clandestinas. Já a milícia costuma abrir empresas para explorar o serviço usando um laranja como responsável. Todos responderão por crimes de extorsão, interferência ou pertubação de sinal telefônico ou teleférico, dano e organização criminosa. Qualquer informação para ajudar na investigação também pode ser repassada para o Disque-Denúncia (2253-1177) — diz o delegado.

Em nota, o sindicato que reúne operadoras do setor afirmou que, em março, 158 mil clientes no Rio tiveram os serviços interrompidos ou prejudicados por conta da ação de paramilitares ou traficantes. No mesmo documento, a Conexis Brasil diz defender com as autoridades de segurança pública o endurecimento na repressão deste tipo de crime.