Prêmio Faz Diferença Boas ações na pandemia

'Ninguém entra e ninguém sai': ONG distribui alimentos para manter indígenas nas aldeias

Kanindé oferece aos povoados itens de alimentação e higiene que não são produzidos localmente
As cestas de alimentos e kits de higiene são entregues nos limites das terras indígenas Foto: Kanindé/Gabriel Uchida
As cestas de alimentos e kits de higiene são entregues nos limites das terras indígenas Foto: Kanindé/Gabriel Uchida

RIO - Desde o início da pandemia de coronavírus que a estudante Walelasoetxeige Paiter Bandeira Suruí, de 23 anos, não volta para casa. Por conta da faculdade de Direito, ela vive na capital de Rondônia, Porto Velho, mas seus parentes e amigos estão distantes, a cerca de sete horas de viagem, isolados na aldeia Iapetanã, na Terra Indígena 7 de Setembro.

— Eu não tenho ido lá por causa da pandemia. Ninguém entra e ninguém sai, para não corrermos o risco de contaminação — conta Walelasoetxeige. — O contato com a família é por WhatsApp. Algumas aldeias já têm internet. A conexão não é boa, mas dá para conversar.

A medida drástica é justificável, pois a Região Norte registra a maior incidência da doença, proporcionalmente à população, principalmente nas capitais, como Manaus e Porto Velho. Mas sem o contato com os centros urbanos, muitos indígenas perderam sua principal fonte de renda, que é o comércio de produtos agrícolas, e acesso a itens que não são produzidos nas aldeias.

Para suprir essa demanda e manter os povos indígenas realmente em isolamento, a ONG  Kanindé lançou campanha para distribuição de cestas básicas e kits de higiene e limpeza nos povoados. Também há distribuição de máscaras e de materiais informativos sobre prevenção da doença.

— Nós estamos doando cestas com alimentos que hoje eles consomem, mas não produzem localmente, como óleo, sal e arroz — explica Ivaneide Bandeira, fundadora da Kanindé. — Também enviamos materiais de limpeza, como sabão e água sanitária, que obviamente eles não produzem, mas são necessários para combater o coronavírus.

A ONG Kanindé, presente em Roraima, realiza doações de alimentos e máscaras para comunidades indígenas e quilombolas. Acesse o link para saber mais sobre a ação: www.povosdaamazonia.com/
A ONG Kanindé, presente em Roraima, realiza doações de alimentos e máscaras para comunidades indígenas e quilombolas. Acesse o link para saber mais sobre a ação: www.povosdaamazonia.com/

Ajuda para 40 aldeias de 23 etnias

Até meados de junho, a ONG havia distribuído mais de 1,4 mil cestas para cerca de 40 aldeias de 23 etnias, nos estados de Rondônia — onde a ONG é sediada —, Mato Grosso, Amazonas e Pará. Ivaneide conta que levantar as doações é apenas parte do desafio, pois a distribuição em locais distantes e de difícil acesso requer logística custosa.

— Existem aldeias que só são acessíveis com barcos, outras que estão a dois, três dias de viagem. Não é fácil — afirma, acrescentando que, por causa das restrições, as doações são levadas apenas até os limites das terras indígenas e que tudo é cuidadosamente esterilizado.

Isoladas, algumas aldeias só são acessíveis de barco Foto: Kanindé/Gabriel Uchida
Isoladas, algumas aldeias só são acessíveis de barco Foto: Kanindé/Gabriel Uchida

Um dos principais temores é com o modo de vida dos indígenas, baseado no coletivo. Diferentemente da cidade, onde os núcleos familiares vivem isolados em suas casas, nas aldeias a vida é em comunidade. Se um indivíduo for contaminado, é provável que todos peguem a doença.

Por isso, a Kanindé reforçou as campanhas informativas, produzindo material com explicações sobre a doença em diferentes línguas. E por causa do isolamento, a internet tem sido uma poderosa aliada. Segundo Ivaneide, a comunicação com as aldeias é diária, via WhatsApp. “Lives” informativas também são organizadas.

— Eu peguei o coronavírus e eles me ligavam todos os dias para saber como eu estava. Eu cheguei a receber um canto ritual de cura dos Assurini, tudo pelo WhatsApp — relembra a ativista. — Essa ferramenta está sendo fantástica.

Outra preocupação é com as invasões aos territórios indígenas. Com o afrouxamento da fiscalização pelo governo federal, o temor é que o número de casos dispare e o contato com grileiros, garimpeiros e madeireiros espalhe a doença pelas aldeias.

Drones para conter invasões

Por isso, a Kanindé também tem atuado com o monitoramento, com a doação de drones e outros equipamentos para os Uru-eu-wau-wau, que sofre com o aumento das invasões. Em abril, Ari Uru-eu-wau-wau, que fazia parte do grupo de vigilância da Terra Indígena, foi assassinado.

Mas mesmo com todos os alertas e campanhas informativas, nem todos seguem o isolamento. Segundo Ivaneide, alguns indígenas do povo Karitiana acreditam que sua medicina tradicional é capaz de curar a doença e, por isso, não estão seguindo o isolamento. A etnia é a que registra mais casos no estado de Rondônia, e já sofreu com duas mortes.

— Existem povos sem contato com o homem branco ou de contato recente. Essas populações são muito frágeis — alertou Ivaneide. — O nosso passado nos mostra como as doenças levadas pelos brancos podem dizimar povos inteiros.

Quem quiser apoiar o trabalho da Kanindé deve acessar o site www.povosdaamazonia.com, que contém informações sobre as campanhas e os canais de doações.