Por Larissa Caetano*, G1 Rio


Ambulantes de praias do Rio sofrem dificuldades financeiras durante isolamento social — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Os ambulantes estão entre os mais afetados pelas medidas de restrição de circulação de pessoas na Cidade do Rio. Sem clientes nas ruas e tendo como única fonte de renda a venda direta, alguns deles passaram a viver de doações durante a pandemia do novo coronavírus.

O G1 conversou com três ambulantes que trabalham na Praia de Ipanema, na Zona Sul. Eles contaram como é a rotina de um trabalhador que, de uma hora para a outra, não tem mais como exercer a função. Os três receberam ajuda de clientes em dinheiro.

Como forma de apoio aos ambulantes, a Ame Digital passou a arrecadar doações para mais de 10 mil vendedores da cidade (confira como ajudar no fim da matéria).

Filha sem tratamento

Há cinco anos vendendo Matte Leão nas areias da Praia de Ipanema, Wesley do Nascimento Conceição, de 27 anos, nunca pensou em fazer algo diferente. Para ele, deixar de ir para a praia é igual a não ter dinheiro para pagar as contas e, principalmente, o tratamento da filha.

Ambulante do Rio diz não ter dinheiro para pagar tratamento de doença crônica da filha — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

A menina, de 4 anos, tem uma doença crônica na pele e, sem os remédios, as feridas abrem. O tratamento é feito com pomadas manipuladas, antialérgicos e hidratantes, como o Cetaphil, mas, sem emprego, Wesley não consegue bancar.

“Eu como pai fico muito triste de não poder dar um tratamento a altura da minha filha e dar uma amenizada nessa situação. É um momento desesperador. Infelizmente não estou com condições no momento de comprar todos os produtos e, por isso, se agravou”, lamentou o vendedor.

O ambulante, que saía para trabalhar praticamente todos os dias da semana e que recebia, mensalmente, cerca de R$ 3 mil, diz que toda ajuda é bem-vinda. Ele vive de aluguel com a esposa e a filha em Honório Gurgel, na Zona Norte.

Ambulante de Praia de Ipanema vive de ajuda dos clientes durante medidas restritivas para conter o coronavírus — Foto: Manoela Marini

“Eu estou me mantendo por colaboração dos meus clientes em doações e campanhas. Essa campanha tem alcançado pessoas que eu nem conheço. Aceito cestas básicas, itens de higiene, tudo”, disse Wesley.

Para ele, se as medidas restritivas não fossem aplicadas, ele ia continuar com o trabalho.

“Se não fosse a quarentena, o coronavírus não ia fazer com que eu deixasse de trabalhar por causa das necessidades. Não é questão do medo, porque eu tenho, mas é questão de necessidade. Ficara em casa é essencial, mas ficar em casa sem renda? Como vamos suprir nossas necessidades?”, questionou o ambulante.

Para doações, é necessário entrar em contato pela conta do Instagram do vendedor.

“A praia sem o Matte não é praia e sem os mateiros a praia é preto e branco. Eu estou torcendo para acabar logo a quarentena e esse vírus sumir do mapa para a gente voltar a nossa normalidade”, torceu Wesley.

De R$ 2 mil a R$ 400

Conhecido como Paulista entre os frequentadores do posto 9 e 10 de Ipanema, Luiz Claudio Nunes Padilha, de 37 anos, teve que fechar as contas do mês de março com menos R$ 1.600 no orçamento. Isso porque ele foi obrigado a parar de trabalhar assim que as medidas de isolamento passaram a vigorar.

Vendedor de Matte na Praia de Ipanema, na Zona Sul do Rio, relatou dificuldade financeira durante a pandemia do novo coronavírus — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Normalmente, o ambulante conseguia vender cerca de R$ 2 mil em Matte, mas, devido às restrições na praia, ele ficou longe do valor. Nesse mês, ele viu chegar na conta apenas R$ 400 de doações de clientes.

“Ninguém foi mais na praia. Acabou, não teve mais jeito. Um cliente fez uma campanha para mim, depositou R$ 50 e postou. Consegui arrecadar R$ 400. Como eu moro em casa própria, consegui pagar minha luz, água, telefone e o transporte escolar da minha filha”, contou o vendedor.

Com o dinheiro a menos, ele contou que precisou escolher o que ia pagar e comprar.

“Não sobrou nem um pouquinho para dar para minha filha, que tem 2 aninhos. Tenho sempre que comprar as coisinhas dela, dar uma ajudinha. Como sou sozinho, não gasto muito. Mas para você ver, eu fui ao mercado e comprei 5 linguiças, 2 kg de arroz, 1 kg de feijão, uma cebola, um alho, coisa pouca, e deu R$ 99. Mês que vem de novo vamos ver como vai ficar”, disse Paulista.

Questionado sobre o transporte escolar durante o período de suspensão de aulas, ele disse que não vai deixar de pagar, já que o motorista vive disso.

“Vou pagar o transporte mesmo ele não trabalhando e não tendo aula, porque o rapaz precisa. Ele conta com esse dinheiro também, assim como eu conto com o do Matte”, disse o ambulante.

Para ajudar o Paulista, é necessário entrar em contato pelo Instagram.

Antecipação do Matte

Para tentar contornar o prejuízo que o isolamento vai causar, Patrick Pinheiro, de 27 anos, fez uma antecipação do Matte para os clientes conhecidos. A ideia é vender a bebida pela internet e, após o fim das medidas restritivas, distribuir entre aqueles que compraram.

Ambulante de praia do Rio procura outra atividade para ganhar dinheiro durante pandemia — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Patrick, que já trabalhou de carteira assinada, viu na venda do produto uma chance de receber mais. Mensalmente, ele ganhava entre R$ 1.500 e R$ 1.700. A rotina de trabalho era intensa, sem nenhum dia de descanso, durante os dias quentes.

No cenário atual, em que ele recebeu apenas R$ 480 de doação, ele pensa em partir para uma outra forma de trabalho.

“Minha fonte de renda era a praia e eu dependia só dela. Agora, eu vou ter que procurar alguma entrega para fazer. Eu tenho uma filha de 1 ano e 5 meses e eu não posso ficar parado”, contou Patrick.

Para o ambulante, a proibição de circular em praias é algo que ele nunca pensou que poderia existir.

“Nunca pensei que ia proibir, eu dependo dela. Não sei como vai ficar daqui para frente”, disse o vendedor.

Para ajudar o Patrick, entre no link.

Campanha de doação

A Ame Digital criou duas opções para arrecadar doações para ambulantes cariocas cadastrados no aplicativo. O objetivo é oferecer algum tipo de renda para eles durante o período de pandemia. Quem fizer alguma doação pelo aplicativo terá 50% de reembolso, com um limite de R$ 15 por usuário.

Uma das opções de doação é para 10 mil profissionais de venda credenciados para o carnaval de rua do Rio de 2020. A outra é para 500 vendedores de Matte, biscoito O Globo e dos quiosques das praias.

Semanalmente, o valor doado no período será dividido igualmente entre os ambulantes e vendedores e será depositada em suas contas Ame. Confira mais informações no site.

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