Rio

Projeto piloto prevê praia de Copacabana com 1,3 mil 'cercadinhos'

Primeira fase de testes pode ser implementada na próxima semana, mas depende de aval do Comitê Científico. Plataforma será operada por aplicativo de entrega
Banhistas na praia de Copacabana nesta quarta-feira Foto: BRENNO CARVALHO / Agência O Globo
Banhistas na praia de Copacabana nesta quarta-feira Foto: BRENNO CARVALHO / Agência O Globo

RIO — O projeto de "cercadinhos" nas praias do Rio será operado pelas empresas Mude e Rappi, se o decreto de liberação da praia tiver o parecer positivo pela Procuradoria Geral do Município (PGM). Ambas foram procuradas pela prefeitura porque já executam atividade semelhante na cidade: a realização de aulas de yoga e ginástica ao ar live em espaços delimitados. No projeto piloto, a Praia de Copacabana seria dividida em 260 quadras, cada uma com cinco retângulos de seis metros quadrados, onde de fato ficarão os banhistas, num limite de cinco pessoas.

Oficialmente, nem a prefeitura, tampouco as empresas confirmam a operação. Mas fontes internas deram detalhes ao GLOBO. Aguarda-se, nesse momento, a análise da PGM. Inicialmente, havia expectativa de já no sábado o modelo entrar em funcionamento, mas, nesta quarta, houve questionamentos técnicos e as partes aguardam o parecer para fazer o anúncio. Em coletiva de imprensa, o prefeito Marcelo Crivella afirmou que foi "utopia" pensar em liberar as praias apenas com vacina e disse que quer consultar a população sobre os "cercadinhos".

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Atualmente, a Rappi - aplicativo de serviço de entrega - e a Mude - aplicativo de aulas esportivas online - já trabalham em conjunto na oferta de aulas de yoga e ginástica em espaços delimitados. A pedido da prefeitura, elas desenvolveram uma tecnologia específica para o projeto de "cercadinho" nas praias. Além do aplicativo em si, a Rappi e a Mude vão "apadrinhar" as quadras, ou seja, montarão e desmontarão as faixas nas areias, que serão semelhantes à divisória de quadras de vôlei de praia, numa operação diária. Os funcionários responsáveis por isso serão das próprias empresas.

Projeto piloto prevê praia de Copacabana com 1,3 mil 'cercadinhos' Foto: Editoria Arte
Projeto piloto prevê praia de Copacabana com 1,3 mil 'cercadinhos' Foto: Editoria Arte

Os banhistas terão duas opções: reservar seu "cercadinho" pelos aplicativos da Rappi ou Mude com antecedência, ou ocupar algum retângulo na hora, se houver disponibilidade. A intenção é que 30% dos retângulos sejam ofertados no aplicativo, e os demais ocupados por ordem de chegada. Nos espaços reservados pelo aplicativo, o banhista poderá ficar por tempo determinado, provavelmente de duas horas. Já quem pegar seu retângulo na hora poderá permanecer tempo que quiser, até o momento da desmontagem. Não há confirmação, mas é provável que a Guarda Municipal faça a fiscalização.

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O grupo de cinco retângulos formará uma quadra. O projeto foi pensado para até 1500 quadras ao longo de toda a orla, mas o decreto deverá liberar, inicialmente, apenas a Praia de Copacabana, com 260 quadras. As praias seguintes, se o modelo tiver bom resultado, serão Ipanema e Leblon, mas não se sabe por quanto tempo funcionará esse esquema. Atualmente, a prefeitura permite o banho de mar e atividades físicas na areia, mas pessoas não podem ficar na praia por outro motivo.

— Será semelhante ao cinema drive-in, com um espaço sinalizado na areia para a pessoa se acomodar — afirmou uma pessoa que está acompanhando o desenvolvimento do projeto.

Desrespeito: com o calor, muitos cariocas têm desobedecido às regras impostas pelo município. Sem máscaras e repousando na areia, pessoas mais uma vez compareceram a Copacabana, nesta quarta-feira Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo
Desrespeito: com o calor, muitos cariocas têm desobedecido às regras impostas pelo município. Sem máscaras e repousando na areia, pessoas mais uma vez compareceram a Copacabana, nesta quarta-feira Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

O município não pagará às empresas pela operação, e elas serão compensadas por anúncios nas suas próprias plataformas, além de aumentar, naturalmente os acessos e downloads. As logomarcas não estamparão os "cercadinhos", mas é possível que as faixas sejam das cores das empresas. Outra aposta da Rappi, conforme apurou O GLOBO, é investir na combinação de venda de seus serviços dentro dos "cercadinhos", ou seja, os banhistas serão incentivados a fazer encomendas pelo aplicativo.

O secretário de Ordem Pública, Gutemberg Fonseca explicou como poderia ser a fiscalização.

— Quem for visto fora do espaço reservado, em tese, não está cumprindo a legislação. O monitoramento seria mais fácil, faltam alguns detalhes técnicos. Como a Guarda poderá fiscalizar, por exemplo, se houver disputa do espaço entre duas pessoas que dizem ter reservado o mesmo quadrante? A gente torce para que dê certo. Se der errado, a gente recua e procura outras alternativas — comentou Gutemberg.

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Procurada,  a prefeitura informou que "está consultando a população sobre a ideia, ainda em estudo" e que conclusões agora seriam "meras especulações". A Rappi afirma que "o projeto está em elaboração pela prefeitura e não tem nenhuma informação sobre o seu atual estágio de desenvolvimento". Já a Mude disse que seu projeto de aulas "serviu de inspiração para a prefeitura", e que a partir disso a prefeitura desenvolveu um modelo compatível para a praia. A empresa diz que deu sugestões, como tamanho e desenho das quadras, além do mapeamento da "largura das praias que eventualmente poderiam receber as quadras".

Comitê científico ainda não aprovou

Na sexta-feira passada, a liberação da areia das praias foi deliberada na reunião do Comitê Científico da prefeitura. O projeto dos "cercadinhos" pela Rappi e Mude não foi apresentada na ocasião, então só foi comentado, de forma abstrata, de como funcionaria a nova fase. Membros do comitê destacaram que é necessário garantir o distanciamento entre os banhistas para o decreto ser aprovado. Ainda nessa semana deverá haver nova reunião.

Membro do comitê, o médico e ex-presidente do Cremerj, Sylvio Provenzano disse que vê com ressalvas o projeto.

— Na última reunião, houve sugestão de usar faixas e fitas, mas nenhum modelo foi fechado. Eu pessoalmente tenho receio dessa liberação ser entendida como um convite à festa, porque, culturalmente, nós não temos muita disciplina para obedecer regras assim.

Procurado, o Ministério Público do Rio  disse que "aguardará as regras e as medidas do executivo municipal para analisar a legalidade".

Na praia, cercadinhos são visto com incertezas

Nas areais, o clima sobre a viabilidade do projeto ainda é de incerteza. Barraqueiros, banhistas e donos de quiosques ouvidos pelo GLOBO acreditam que a ideia só irá funcionar caso a fiscalização seja rigorosa.

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Para Paulo Joarez, presidente da Associação dos Barraqueiros da Zona Sul do Rio, caso os cercadinhos sejam implementados, a prefeitura poderia liberar o aluguel de cadeiras e barracas, um dos principais produtos comercializados na areia. Atualmente as barracas só podem comercializar produtos industrializados, sendo proibido também a venda de bebidas alcóolicas. Com a restrição do comércio e o baixo público, apenas 10% das barracas da praia de Copacabana voltaram a funcionar.

— Acredito ser uma boa ideia, mas me preocupa a reserva pelo aplicativo. Se um grupo estiver ocupando uma vaga reservada, quem irá resolver a situação? Até agora a prefeitura não nos procurou para explicar como funcionaria — afirmou Paulinho.

Desde março o quiosque Costello está fechado. Nesta quarta-feira, Agostino Pereira, dono do estabelecimento, voltou ao local para realizar alguns pequenos reparos. Na sua avaliação, com o fraco movimento, permanecer fechado, mesmo com autorização de funcionar, é menos prejízo no momento:

— Esse projeto tem tudo para dar certo, mas depende também da posutura das pessoas e de quem irá fiscalizar — disse.

Já a estudante Marcely de Sena, moradora do Centro do Rio, vê o projeto como uma forma de afastar pessoas que moram longe das praias. Ela foi à praia de Copacabana nesta quarta-feira pela primeira vez após o início da pandemia no Rio. Acompanhada de sua mãe e irmão, o grupo gastou R$ 30 no percurso:

— Imagina você chegar aqui e não ter mais vaga porque está lotada com os moradores da região. Todos vão voltar para casa? Além disso, não duvido que na hora da escolha do quadrado alguém tenha má-fé e cobre pelos melhores lugares — diz.