Teve rali de fim de ano e o resultado para quem topou ativos de risco mesmo sob os efeitos adversos da pandemia na saúde, nos hábitos de consumo e na economia, não poderia ser melhor. O Ibovespa conseguiu zerar as perdas do primeiro semestre e fechou com alta de 3,25% até ontem, penúltimo pregão de 2020. Só em novembro e dezembro o índice acumulou valorização de 27%. Do piso de 23 de março, os ganhos foram de mais de 85% flertando com a histórica marca dos 120 mil pontos.
A renda fixa também trouxe bons resultados, com ganhos de 7,8% para o IMA-B 5, que representa uma cesta de títulos públicos atrelados à inflação com prazo de até cinco anos. Na dianteira, entre as classes tradicionais, ficaram os ativos associados à proteção, com o ouro com ganhos de 56,4%, seguido pelo euro (41,4%) e o dólar (29,3%).
Estímulos fiscais e juros baixos tendem a estimular migração para a bolsa, crédito e fundos de private equity e venture
Para 2021, a renda variável deve manter seu apelo movida pelo fluxo do investidor local e pelo capital externo. Os ativos corrigidos pelo IPCA também são considerados uma fonte próspera de retorno, seja em dívida pública ou privada. Para o real, a expectativa é de valorização ante o dólar. Ou seja, o cenário base de especialistas em investimentos é que o kit Brasil vai atrair dinheiro novo em 2021 se o quadro fiscal for minimamente preservado.
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Ibovespa encerra 2020 com nova máxima intradiária
Com políticas fiscais e monetárias expansionistas no mundo e a retomada de crescimento, o ambiente é propício para que a farta liquidez alimente ativos de risco, à medida que a vacinação avance, avalia Paulo Pereira Miguel, sócio e diretor de investimentos do Julius Baer Family Office. “É claro que tem os riscos locais, o fiscal sobretudo, mas por ora o cenário é de jogo empatado: de não ruptura com o teto de gastos, mas sem avanços para conter mecanismos de gastos obrigatórios. É algo típico de Brasil e desse governo, de empurrar com a barriga”, diz Miguel.
Na bolsa, a expectativa de retomada dos lucros já está de certa forma expressa no preço das ações, mas se os juros futuros encolherem, como prevê o Julius Baer, há espaço para o uso de uma taxa de desconto menor nos modelos de valuation das empresas. A projeção da gestora é que o Ibovespa feche 2021 perto de 130 mil pontos.
A continuidade do capital externo para dar suporte à bolsa está mais relacionada ao tema global do que a qualquer virtude brasileira, destaca Miguel. A vacinação, combinada com retomada econômica, dólar mais fraco e uma posição técnica favorável a ativos brasileiros - ainda muito depreciados em dólar - é que tem atraído o estrangeiro. “É só não fazer muita bobagem na política pública”, diz.
Se houver alguma surpresa positiva e o governo desenrolar reformas como a tributária ou controlar gastos, tanto melhor. Em tese, a chance para isso seria após a eleição às presidências da Câmara e do Senado, antes de a sucessão presidencial de 2022 entrar de vez no calendário, a partir do segundo semestre. “A julgar pelo track record desse governo, essa janela não vai ser aproveitada”, diz Miguel.
Assim como em outros países, o Brasil se endividou para combater os efeitos da pandemia, auxiliando empresas e famílias, e após ter feito a reforma da Previdência, se não fizer nenhuma manobra populista, a relação dívida/PIB pode começar a embicar para baixo a partir de 2023, segundo Walter Maciel, CEO da AZ Quest. “O pacote de ajuda à população foi uma questão humanitária, o que não tinha que ser feito era o socorro a Estados e municípios quebrados”, diz. “O governo não fez nada, nenhuma reforma ou privatização, não foi como queria, mas o grande mérito foi não estourar as contas públicas.”
Com estímulos que chegaram a US$ 25 trilhões no mundo, oito vezes maior do que os feitos na crise de 2008, não há como esperar resultados muito diferentes nos preços dos ativos, diz Maciel. Segundo o executivo, o receituário aprendido no revés da hipotecas americanas de alto risco 12 anos atrás, que culminou com a quebra do Lehman Brothers, permitiu a adoção de pacotes mais agressivos e de maneira mais ágil agora.
Como dinheiro queima na mão, os investidores tendem a buscar maior potencial de retorno. “Com os juros mais baixos de todos os tempos, o brasileiro começou de verdade a migração para ativos de risco e para a renda variável. A pessoa física deu um show no gestor de recursos, no mercado, pegou [os preços] lá em baixo e segurou, comprou mais. Os 120 mil pontos são resultado da educação financeira.”
A diferença agora é que o Brasil entrou para o clube dos países que rodam com juros baixos. Conforme cita Maciel, enquanto nos Estados Unidos 60% da poupança da população está em ações, aqui há ainda proporção semelhante em ativos de renda fixa. Só que com a Selic a 2% ao ano, a alocação mais conservadora (Tesouro Selic ou títulos atrelados ao CDI) vai render nada ou até corroer o poder de compra por causa da inflação.
“A migração vai acontecer de maneira grandiosa, vamos ver uma quantidade gigante de dinheiro saindo de títulos públicos, deixando de financiar o governo, para IPOs ou bonds [privados]”, afirma Maciel.
O cenário base da AZ Quest, ao qual atribui 50% a 60% de probabilidade, é que não haverá uma explosão fiscal, com o PIB crescendo 4% em 2021. Isso poderia levar o Ibovespa à casa dos 135 mil pontos, com o dólar entre R$ 4,70 e R$ 4,80, e a Selic fechando em 3,5%.
O prognóstico mais otimista (30% de probabilidade) é de algum avanço em reformas ou venda de participações em estatais. Seria um quadro em que o Ibovespa poderia alcançar os 150 mil pontos e o dólar cair a R$ 4,40, R$ 4,30, com a Selic em 3%. Já o cenário mais conservador (10%) seria a via populista, com quebra do fiscal, Ibovespa a 90 mil pontos e o dólar perto de R$ 6,00.
A cena internacional não poderia ser mais favorável, avalia Maciel, com a chegada de Joe Biden à presidência dos Estados Unidos e um Senado dividido. Essa combinação sugere um “governo de centro, sem um maluco com discurso volátil”, diz, referindo-se ao governo Trump. A distensão comercial com a China, numa abertura liderada pelos EUA, deve aproximar o país da Europa e alimentar um novo super ciclo de commodities. O Brasil, como um exportador de matérias primas, vai ser beneficiado desse movimento, afirma.
É por essa razão que ações de empresas ligadas à cadeia de commodities estão entre as preferências do time de gestão AZ Quest. A casa também vê oportunidades em bancos, que ficaram muito descontados com a onda das novatas de tecnologia financeira.
Dentro da Nest Asset Management, há dúvidas sobre a sustentação dos preços das commodities no mercado internacional, diz Otávio Vieira, sócio e gestor da área de crédito. A avaliação é que a bolsa deve ser guiada mais por papéis fora do Ibovespa. “Vai ser um ano mais de economia real e menos ‘viagem’ de valuation, em empresas que viraram moda e ficaram mais caras."
A equipe de gestão da Nest vê Vale, Petrobras e as siderúrgicas “de lado”, e acredita que os fundos com mais foco em valor tendem a ter melhor desempenho em relação àqueles que seguem tendência.
A expectativa de Viera é que haja uma boa guinada do fluxo de longo prazo para títulos de crédito e fundos estruturados ligados a investimentos de infraestrutura. Há espaço ainda para o avanço de ativos mais relacionados à economia real, em portfólios de private equity, venture capital e imobiliários. “Por mais que a Selic suba, o juro real deve seguir negativo, e o investidor mais sofisticado, dos multi-family offices, tende a ter uma visão mais cotidiana desse tipo de produto.”
Apesar da redução das taxas futuras nas últimas semanas, a curva de juros ainda está premiada, cita Miguel, do Julius Baer. “Nosso principal foco tem sido [ativos ligados à] inflação, pois os juros estão elevados nos vencimentos de médio prazo”, diz. A casa também tem buscando opções em crédito, como debêntures incentivadas de infraestrutura que pagam 2% acima do IMA-B.
Se o teto de gastos for respeitado, a avaliação de Maciel, da AZ Quest, é que há gordura nas taxas futuras de juros. Ele vê bons prêmios nas NTN-B e nos contratos de DI longos, mas diz que o maior valor está em crédito privado.
Em meio a um dólar mais fraco mundialmente, Miguel também vê espaço para novos movimentos de valorização do real. Pelas modelagens do Julius Baer, ancorada na dinâmica dos termos de troca, a taxa de câmbio brasileira poderia ser próxima de R$ 4,00. “A gente não imagina que vá chegar a isso, mas há várias fontes de prêmio de risco que sugerem um real um pouco mais forte”, diz Miguel. A casa trabalha com o dólar a R$ 4,70, o que, se confirmado, tende a tirar uma das pressões sobre a inflação.
Na margem, ele diz já haver queda no preço dos alimentos no atacado, com os núcleos de inflação apontando para baixo. A gestora de fortunas projeta 3,5% para o IPCA de 2021, com a possibilidade de o índice ser ainda menor. “Vários fatores nos últimos meses têm natureza temporária. Agora, se vai haver permanência da inércia isso depende da política fiscal e do ambiente de risco para o Brasil, de como vai acomodar isso.”
Se os efeitos forem, de fato transitórios, permitiriam ao Banco Central (BC) manter uma política monetária estimulativa, com a Selic subindo só no fim do terceiro trimestre para 3,5% ao ano, ante os 2% atuais, avalia Miguel.
Para Vieira, da Nest, a inflação em algum momento vai surpreender e os juros terão que subir. Segundo o especialista, o IGP-M alto deste ano deixou uma herança para 2021 e já se nota um certo desequilíbrio nas cadeias produtivas.
“Tem faltado insumo, não houve investimento em novas plantas em anos anteriores e agora há um descompasso entre oferta e demanda”, diz. A Nest calcula que com o repique nos índices de preços, a Selic possa chegar a 5% em 2021. “As pessoas vão voltar a consumir serviços, vão reduzir a sua poupança ou até se alavancar de alguma forma. E as empresas não estão preparadas, as pequenas e médias estão com o cinto no último furo. O empresário se segurou para não aumentar preços em 2020, mas já vê pressão na margem porque tem faltado borracha, espuma, papelão, combustível, minério. Quando houver uma brecha, vai repassar.”