Saúde Coronavírus

Flexibilização de quarentena em São Paulo preocupa médicos e especialistas

Governador João Doria anuncia afrouxamento da quarentena na capital e no interior de SP a partir de junho, com restrições na região metropolitana
Movimentação em São Paulo: Quarentena será relaxada a partir de 1º de junho. (20-5-2020). Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Movimentação em São Paulo: Quarentena será relaxada a partir de 1º de junho. (20-5-2020). Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

SÃO PAULO — O anúncio de flexibilização da quarentena na capital e no interior de São Paulo em meio à pandemia do novo coronavírus foi recebido com preocupação por médicos e especialistas, que lembram que o estado, epicentro do coronavírus no país, ainda não atingiu estabilização dos casos de Covid-19 .

— Não estamos em um cenário de redução da doença, mas de avanço. Medidas de afrouxamento nesse momento não são adequadas — diz o infectologista Eder Gatti, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp).

Em coletiva nesta quarta-feira, o governador de São Paulo, João Doria, renovou até 15 de junho a quarentena no estado, mas flexibilizou as regras para a capital e cidades do interior com baixos índices de contaminação. Restrições na região metropolitana continuam.

Para Gatti, a capital está em "plena ocorrência" de casos, e seria impensável um afrouxamento, enquanto o vírus também se espalha pelo interior:

— A doença está apenas começando no interior, justamente onde há menor disponibilidade de leitos hospitalares. O governo deve ter em mente que, ao relaxar essas medidas agora, pode ser obrigado no futuro a endurecê-las novamente e dar passos atrás para conter o avanço da doença. Sem isso, pode haver lotação de leitos e pessoas morrendo sem assistência.

Além do interior, a flexibilização preocupa na capital, onde auxílios a população de menor renda, diz Gatti, poderiam reforçar a adesão ao isolamento dos que podem ficar em casa.

— Em hospitais da rede pública, Covid-19 é a principal doença que ocupa leitos hoje. Uma abertura geraria um comportamento explosivo, e o vírus poderia atingir de 60% a 70% da população em três meses — diz Gatti, citando modelagens e estudos que preveem redução da curva apenas para depois de setembro.

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Capital preocupa

Na mesma coletiva do governo do estado, o prefeito da capital, Bruno Covas, anunciou que a cidade foi autorizada a estabelecer protocolos específicos para que determinados setores voltem a funcionar, como comércio de rua, shoppings e escritórios.

Isso deve ser discutido a partir de 1º de junho, ainda sem detalhes sobre quando entraria em vigor. As medidas de flexibilização não são automáticas e dependem de aprovação das administrações municipais e vigilância sanitária.

— Flexibilizar (a quarentena) na cidade de São Paulo e no entorno não parece ser a decisão mais acertada — opina Jamal Suleiman, infectologista do Instituto Emílio Ribas.  — O cenário de hoje refere-se a 14 dias atrás. Cada atitude que tomamos agora será medida nos próximos dias. Isso adiciona um componente mais difícil. Imaginando que a cidade inteira parasse hoje, isso teria refluxo na demanda de leitos daqui a 14 dias. E o contrário, é claro, também se aplica.

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Para Suleiman, o problema não é a flexibilização em si, "pois não se vive em quarentena a vida toda". Ele reforça, porém, a necessidade de monitoramento constante por parte do governo e autoridades de saúde, para repensar as medidas se necessário:

— É preciso muita clareza de que, flexibilizar em áreas x ou z, não significa jogar a chave do processo fora. É preciso continuar monitorando para então tomar uma decisão que proteja um grande contingente de pessoas.

Suleiman defende que autoridades tenham em mente protocolos claros de enfrentamento à doença em regiões onde haverá flexibilização. Entre as medidas, Suleiman sugere limite de pessoas em determinados espaços, técnicas de medição de temperatura e, principalmente, oferta massiva de testes para diagnosticar uma possível infecção.

— Em caso (de teste) positivo, deve-se isolar a pessoa, com monitoramento domiciliar. Já fazemos isso com relação ao sarampo, com bloqueio local. A diferença é que para Covid-19 não tem vacina. É difícil, mas não é impossível — alerta.

Pelo projeto do governo do estado, a requalificação de fase para reabertura será feita semanalmente por região. As regras incluem média da taxa de ocupação dos leitos de UTI, número de internações no mesmo período e número de óbitos. Poderão ser adotadas medidas mais restritivas caso alguma região tenha piora nos índices.

UTIs lotadas

A infectologista e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Raquel Stucchi, se diz "preocupada" com a flexibilização das medidas de isolamento. Segundo ela, além de os casos de coronavírus ainda estarem em crescimento em Campinas - 7ª cidade do estado em número de casos -, as UTIs da faculdade para atendimento a vítimas da Covid-19 estão lotadas.

— Ainda não era momento para isso. A gente entende a situação econômica, mas também achamos que depende do governo auxiliar as pessoas que estão sem trabalhar. Acho que vai ser um horror a partir de agora. Quero estar errada.

Para a especialista, a medida vai acabar prejudicando quem não pode trabalhar de casa.

—  Quem pode, vai ficar trabalhando de casa. E a gente vai penalizar a população que não pode ficar em casa, que precisa pegar ônibus lotado, metrô, ou que precisa dirigir para todos os lados — critica.

Segundo boletim desta quarta-feira da Secretaria de estado da Saúde, o estado de São Paulo tem hoje 89.483 casos confirmados de coronavírus - 51.852 na capital -, e outras 6.712 mortes em decorrência da doença. A taxa de ocupação dos leitos de UTI para Covid-19 é de 73,2% no estado, e de 87,6% na Grande São Paulo.