Blog da Sandra Cohen

Por Sandra Cohen

Especializada em temas internacionais, foi repórter, correspondente e editora de Mundo em 'O Globo'


Enterro de vítima da Covid-19 na Cidade do México, em 3 de junho de 2020 — Foto: Carlos Jasso/Reuters

Ao mesmo tempo em que começou a flexibilizar a quarentena adotada tardiamente, no fim de março, o México registrou, nesta quarta-feira, mais de mil mortes por dia, atrás apenas do Brasil em vítimas fatais por Covid-19 na América Latina. Como o presidente Jair Bolsonaro, André Manuel López Obrador optou pelo negacionismo, minimizando a ação do novo coronavírus quando a pandemia deu seus primeiros sinais no país.

O presidente estimulava os mexicanos a levarem vida normal, fora de casa, por pertencerem a “uma etnia forte que consegue vencer vários tipos de peste”. Abraços e reuniões familiares eram incentivados. “Não vai acontecer nada”, assegurava.

Aconteceu o pior. No fim de março, López Obrador, conhecido também por suas iniciais AMLO, capitulou e confinou a população em casa durante dois meses. O México registra 101.238 casos de Covid-19 e 11.729 mortos. As estatísticas, contudo, não são confiáveis e não refletem a realidade.

O vírus circula ativamente no país, infectando uma média de 3.900 novos doentes por dia. No ranking da Universidade Johns Hopkins, o país de 130 milhões de habitantes ocupa o oitavo lugar entre países com mais mortos e o 14º em número de infectados.

O governo rechaçou o programa de testagem em massa, sob o pretexto de ser caro e inútil, de acordo com o subsecretário de Saúde, Hugo López- Gattel, que lidera a força-tarefa do coronavírus. Dele vem também a previsão de que o número de mortos poderá chegar a 30 mil.

Mas o prognóstico é pior: sem dados, não há controle sobre a doença. Um levantamento de certidões de óbito realizado pela ONG Mexicanos Contra a Corrupção e a Impunidade entre 18 de março e 12 de maio constatou que o número de mortes por suspeitas de Covid-19 na Cidade do México é o triplo do que divulgado pelo governo.

As mortes pela doença só são contabilizadas se ocorrerem em hospitais. No Estado do México, laboratórios têm capacidade de analisar apenas mil exames diários, e a fila de espera é gigantesca.

Outra investigação, do jornal espanhol “El País”, mostrou que oito entre dez mortos não ingressaram na UTI, sequer foram intubados. Dados conflitantes e defasados não permitirão ao México construir um histórico do novo coronavírus no país.

Mais grave ainda é o fato de que as atividades foram retomadas quando doença está no seu pico, conforme admite o subsecretário López-Gattel.O apelo da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) para que o país que não reabrisse a economia, sob o risco de que o contágio poderia se agravar, não comoveu as autoridades.

Pelo menos 500 mil pessoas perderam o emprego em abril. O governo associou o fim do bloqueio a um sinal de trânsito, que determina o grau de risco em cada cidade. Permanecerá vermelho até dia 15 de junho, embora atividades como mineração e construção já tenham sido autorizadas.

López Obrador rejeita as críticas ao manejo da doença, que oscilou entre o negacionismo e a pressa para pôr fim ao bloqueio. “Que não haja psicose, não haja medo e que não prestemos atenção ao sensacionalismo”, assim reagiu o presidente mexicano à cifra de 1.090 mortos num só dia.

Como aqui, o presidente está em guerra com sete governadores de oposição, que traçaram suas próprias estratégias para sair da quarentena. A transição para a nova normalidade se revela tão caótica quanto a pandemia em si.

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