Agro: A indústria-riqueza do Brasil

Por Paula Salati, G1


A tendência é de que ocorra um aumento da qualidade das maçãs e uma recuperação do volume colhido nessa temporada. — Foto: Aires Mariga/Epagri

No Brasil, a maçã é colhida de janeiro a maio e fica disponível o ano todo para o consumidor, graças à tecnologia de armazenamento em câmaras frias que ficam em complexos agroindustriais, fora das fazendas.

No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, onde se concentra praticamente toda a produção nacional, a colheita já começou com boas expectativas.

A tendência é de que ocorra um aumento da qualidade dos frutos e uma recuperação do volume colhido nessa temporada, depois de uma produtividade menor em 2019/2020 por causa da seca nesses estados, afirma Marcela Barbieri, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP.

E as boas notícias se estendem para o mercado externo. As exportações brasileiras de maçã, que giram em torno de US$ 40 milhões por ano, podem crescer cerca de 60% em 2021, em volume e em valor, estima o presidente da Associação Brasileira de Produtores de Maçã (ABPM), Pierre Nicolas Pérès.

Isso deve ocorrer em função da valorização do dólar em relação ao real e da melhor qualidade das frutas. Nossos principais compradores são a Rússia, Bangladesh e Índia.

Já no Brasil, o setor fatura em média R$ 7 bilhões ao ano, desde o campo até as vendas nos mercados, e produz cerca de 1,1 milhão de toneladas da fruta.

Além disso, emprega diretamente 50 mil trabalhadores e, para fazer a colheita, são necessários 45 mil agricultores. Isso porque ainda não há no Brasil, e nem em outros países, máquinas capazes de colher maçãs, conta o pesquisador Cristiano João Arioli, da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).

Colheita da maçã se concentra no Sul do país — Foto: Arte/G1

Maçãs Gala e Fuji

O Brasil produz duas variedades de maçã: a Gala e a Fuji. A primeira abre a temporada de colheita em meados de janeiro e segue até março.

Maçã Gala é um pouco mais estriada do que a Fuji. — Foto: Embrapa/Divulgação

Marcela do Cepea reforça que, além da expectativa de recuperação do volume, as Galas devem ter um tamanho maior nesta safra, de média a graúda, já que na temporada passada a seca impediu um crescimento mais intenso das frutas.

Maçãs maiores são mais valorizadas pelas empresas compradoras do que as miúdas, tanto no mercado interno, como externo.

Para o consumidor, esse cenário pode significar frutas mais em conta e com maior qualidade em 2021.

Maçã Fuji é um pouco mais doce do que a Gala. — Foto: Embrapa/Divulgação

Já as maçãs Fuji são colhidas entre o final de março e o mês de maio. E, segundo Marcela, apesar de ainda ser cedo para estimar o comportamento da produção, as perspectivas para a variedade são boas, já que 2021 é um ano de bienalidade positiva da fruta.

Durante uma safra a macieira tem uma produtividade alta e, na próxima, apresenta queda.

Além disso, outros fatores que devem favorecer a produção são o bom acúmulo de horas de frio que a macieira teve no ano passado - o que favorece a brotação - e a retomada recente das chuvas no Sul do país.

Exportação

As vendas externas também devem ser beneficiadas neste ano depois de uma leve queda de 1% no ano passado. Mesmo com o dólar valorizado em 2020, os países compradores não se animaram com as maçãs mais miúdas que foram produzidas.

Além disso, em meio à pandemia, diversos contêineres tiveram dificuldade de chegar ao Brasil em 2020, o que prejudicou os embarques.

Por outro lado, as vendas devem crescer 60% em 2021, em volume e valor, com as frutas saindo mais graúdas dos pomares e com o dólar em alta.

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Diferenças

O Brasil produz cerca de 60% de Gala e 40% de Fuji, segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Maçã (ABPM).

Algumas das diferenças entre elas estão no sabor e no tamanho. "A Gala é uma cultivar um pouco mais equilibrada na sua relação açúcar-acidez. Já a Fuji é um pouco mais doce. Apesar disso, ambas são bem crocantes", diz a pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Andrea De Rossi.

"Outra diferença é que a Gala tem um formato um pouquinho menor do que a Fuji. As duas são vermelhas, mas a Gala é mais estriada do que a Fuji, que possui um vermelho mais compacto", acrescenta.

Polinização cruzada

Macieira só consegue dar frutos por meio da polinização cruzada. — Foto: Epagri/Divulgação

Apesar das suas diferenças, a Gala e a Fuji precisam conviver no mesmo pomar, pois elas só conseguem dar frutos por meio da polinização cruzada, ou seja: o pólen da Gala precisa polinizar a flor de Fuji e vice-versa.

"Sem essa troca de pólen, a grande maioria das flores abortam, elas caem. Por isso, a gente precisa ter cultivares diferentes no mesmo pomar para que a produção seja satisfatória", diz Andrea, da Embrapa.

Em um pomar, portanto, as filas das duas variedades vão se intercalando. É possível, por exemplo, colocar 4 fileiras de Gala, seguidas de 2 de Fuji e, depois, mais 2 de Gala, seguidas de 4 de Fuji.

"Fazemos isso por quê? Porque aí nós colocamos as abelhas no pomar durante o período de floração e elas começam a passar por ali, de flor em flor. Elas passam numa flor de Fuji, pega o pólen, carrega nas patinhas e vai até uma flor de Gala", ilustra Andrea.

Falta de mecanização

Apesar das boas perspectivas para a safra nacional de maçã, a pesquisadora da Embrapa comenta que a mecanização da colheita poderia agilizar essa etapa do processo de produção, além de facilitar o trabalho dos agricultores.

"Atualmente, se faz o uso da escada para alcançar as maçãs durante a colheita. É um trabalho difícil porque precisa ficar carregando as escadas pelos pomares. Esses trabalhadores ganham até um pouco mais do que os trabalham no chão", conta Andrea.

Trabalhador usa escada para poder colher a maçã. — Foto: Embrapa/Divulgação

O pesquisador da Epagri, Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina, conta que a falta de mecanização na colheita é uma questão a ser solucionada tanto no Brasil, como em outros países. "Existem algumas iniciativas de pesquisa pelo mundo, mas desconheço um projeto que já esteja sendo utilizado pelo setor produtivo", diz Cristiano João Arioli.

Segundo ele, reduzir o tamanho das árvores já é uma ação que pode contribuir para melhorar o trabalho dos agricultores.

"Outra coisa que está sendo utilizada em pomares planos são as plataformas de colheita, que elevam os trabalhadores, aproximando eles da copa das arvores", conta.

Uso de agrotóxicos

Aplicação de agrotóxico feita por avião. — Foto: GloboNews

Para os dois pesquisadores, um outro desafio da cultura atualmente é diminuir o uso de agrotóxicos nas lavouras.

Segundo Cristiano, isso ocorre atualmente porque as variedades Gala e Fuji são suscetíveis às principais pragas que existem hoje no Brasil, que atacam as folhas e frutos.

"Consequentemente, existe a necessidade de um grande número de pulverizações para conter a ação dos agentes causais. O número de aplicações é muito dependente das condições climáticas (...). Nos anos chuvosos temos mais intervenções que anos com pouca ocorrência de chuvas", explica.

Apesar disso, o pesquisador afirma que a maçã é uma das frutas mais seguras para ser consumida.

"Nos diversos boletins publicados pela Anvisa em relação ao aparecimento de resíduos de agrotóxicos em alimentos, a cultura da maçã sempre aparece como uma entre as diversas com pouquíssimos casos de desconformidade", conta o pesquisador da Epagri.

A produção brasileira de maçãs orgânicas está hoje em torno de 0,3%.

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Inovação

Apesar dos desafios, o setor tem inovado em diversas frentes para melhorar a produção. Uma delas é desenvolvimento de reguladores de crescimento.

"Como no Brasil há muita variação de temperatura - como invernos mais quentes e outros mais frios - se o inverno for mais quente, a planta não vai brotar direito porque ela não teve a necessidade de frio que precisava. Por isso, já se usa produtos reguladores de crescimento para ela brotar e produzir melhor", diz Andrea.

O Brasil também já usa há muitos anos telas para proteção contra o granizo - muito comum no Sul no país - e também contra pragas que migram para o pomar nos períodos de desenvolvimento dos frutos. Neste último caso, as telas acabam atuando como uma barreira física.

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