Por Thatiany Nascimento


No Ceará, em 2019, a média mensal, entre janeiro e maio, foi de 42 internações do tipo que ocorrem sem o consentimento dos dependentes químicos em hospitais psiquiátricos e clínicas de reabilitação. Os dados são da Secretaria Executiva de Saúde Mental da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).

A medida é polêmica e tem gerado discussões, sobretudo, ligadas à abordagem e à eficácia desse tipo de tratamento. Segundo a Secretaria Executiva de Saúde Mental, entre janeiro e maio, o Ceará teve 1.290 internações psiquiátricas involuntárias. Do total, 165 foram motivadas por dependência química. O equivalente a 12,7% das internações involuntárias. Questionada sobre o total de internações voluntárias na rede estadual, a pasta não respondeu.

(Correção: o G1 errou ao afirma que o Ceará tem uma média de 87 internações compulsórias por mês, conforme informações repassadas pela Secretaria da Saúde do Estado. Segundo a Secretaria Executiva de Saúde Mental, entre janeiro e maio, o Ceará teve 1.290 internações psiquiátricas involuntárias.)

A aprovação da Lei Federal, ampliou o foco nesse tipo de internação e trouxe para o rol de alternativas cotidianas o procedimento que é tido como exceção. Além disso, expandiu o espectro de pessoas que podem solicitar internações do tipo.

Antes, somente familiares e responsáveis legais poderiam demandar as internações sem o consentimento do paciente. Hoje, essa possibilidade foi estendida a profissionais da saúde, da assistência social e também aqueles que integram o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), exceto os servidores da área da segurança pública.

Outra alteração é a restrição do dependente químico, internado contra a vontade, poder escolher sair do hospital quando tiver vontade de fazê-lo. A nova lei condiciona o fim da internação involuntária ao aval de um médico e permanência do paciente deve ser de no máximo de 90 dias na unidade.

Na avaliação do psiquiatra e professor do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), David Lucena, a experiência médica tem demonstrado que, no uso abusivo de drogas, geralmente, a internação voluntária tem um desfecho melhor em longo prazo, enquanto a involuntária apresenta mais dificuldades.

"Aquela pessoa que vai voluntariamente se internar, ela tem um menor potencial de recair na droga, mas mesmo assim ainda é alto. A internação involuntária para o uso de drogas é um pouco questionável porque se o indivíduo vai sem o juízo crítico, em uma fase que a gente chama de pré-contemplação, ele não está nem contemplando a possibilidade de parar de usar. Se ele é internado involuntariamente, na maioria das vezes quando ele tem alta, ele volta a usar", destaca.

Mas, pondera o psiquiatra, em casos extremos, a pessoa que faz uso problemático de drogas está "completamente entregue a essa condição" e a internação involuntária, avalia ele, pode ser uma alternativa de tratamento. "Principalmente quando a pessoa está em risco de vida ou está colocando outra pessoas em situações vexatórias".

Para a professora da Universidade de Brasília (UnB) e membro do Conselho Consultivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, Andrea Gallassi, exemplos históricos e científicos têm demostrado que, não só no Brasil, mas no mundo, "a força não é a melhor estratégia para cuidar de pessoas que sofrem com um problema social complexo como o uso abusivo de drogas".

A professora explica que há uma tentativa de argumentação por parte de grupos que defendem a questão da abstinência total de que a perspectiva de redução de danos (aquela que concebe que os pacientes em processo terapêutico ainda podem fazer uso de drogas, visto que há uma grande dificuldade em parar completamente) é permissiva com a continuidade do uso de substância psicotrópicas. Segundo ela, "isto não é real".

"O tratamento da dependência química é bastante complexo e se baseia sobretudo no desejo. A internação involuntária provoca ainda mais uma repulsa ao tratamento. Na redução de danos você tem que trabalhar a motivação do paciente para querer se tratar. Estimular ele a pensar, ajudá-lo a refletir sobre os benefícios que o não uso pode trazer no trabalho, na relação familiar. É o trabalho motivacional que deve ser usado como ingrediente básico. Por mais prejuízos que elas tenham, usar drogas dá prazer. Mas, temos que ajudar os dependentes a perceberem que eles têm mais problemas do que prazer", explica.

Conforme avaliação da representante da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, o investimento na abordagem motivacional psicossocial que, se contrapõem a internação involuntária, é um processo mais demorado e na maioria das vezes não produz resultados imediatos, por isso, não é o foco da atual política.

Álcool lidera relação de drogas usadas de forma abusiva

O psiquiatra e professor do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), David Lucena, explica que as principais drogas consumidas de modo problemático pela população no Ceará são, em geral, álcool, crack, cocaína, maconha e algumas medicações como os benzodiazepínicos (para tratamento dos sintomas da ansiedade).

Muitas vezes, ressalta o psiquiatra, os pacientes consomem múltiplas drogas. No Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto, no bairro Messejana em Fortaleza, única emergência psiquiátrica pública do Ceará, segundo a assessoria da unidade, os transtornos decorrentes do uso de múltiplas drogas e da utilização de outras substâncias psicotrópicas são causas que estão entre as principais demandas por internação.

Comissão monitora internações involuntárias

A titular da Secretaria Executiva de Saúde Mental do Ceará, psiquiatra Lisiane Cysne, avalia que a doação da Lei Federal está vinculada às perspectivas de abstinência em detrimento da concepção de redução de danos, cuja abstinência é uma consequência. A secretária ressalta que a internação involuntária não é algo proposto nas unidades da rede estadual.

Questionada sobre os possíveis efeitos da adoção desta nova orientação para o tratamento ofertado na rede estadual, a secretária preferiu não fazer nenhuma avaliação. Mas, explicou que o estado conta com Comissão Revisora das Internações Psiquiátricas Involuntárias (Cripi) que atua monitorando esse tipo de internação.

A Comissão informou que recebe, semanalmente, notificações de internações involuntárias feitas no Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto, no Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo, no Hospital Nosso Lar e em duas clínicas de reabilitação (Instituto Volta Vida e Caminho da Luz).

A comissão tem um cronograma de visita às unidades para monitorar, semanalmente, a situação dos pacientes. Nas vistorias são verificados, dentro outros, a previsão de alta, o acompanhamento do paciente e se houve alguma violação de direito. Além disso, a Comissão também realiza entrevistas com pacientes. A avaliação é enviada ao Ministério Público Estadual.

Atualmente, a Comissão é composta por cinco membros: a secretária executiva de Saúde Mental, uma psicóloga e assessora técnica da Secretaria, um psiquiatra, uma assistente social e assessora técnica da Secretaria e uma enfermeira e assessora técnica da Secretaria.

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