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Empresários pressionam governo por metas na cúpula do clima, mas já pensam em ‘plano B’

Isolamento do país tende a ter impactos severos para as empresas; 'PIB pode ter crescimento vertiginoso com implantação de práticas de baixo carbono', dizem empresários em carta ao governo
Área na borda da floresta, em Mato Grosso, é queimada: Imazon indicou o pior mês de março em dez anos, com 810km2 de desmatamento Foto: Victor Moriyama/NYT/1-9-2019
Área na borda da floresta, em Mato Grosso, é queimada: Imazon indicou o pior mês de março em dez anos, com 810km2 de desmatamento Foto: Victor Moriyama/NYT/1-9-2019

SÃO PAULO —  Empresários pressionam o governo brasileiro a adotar medidas mais ambiciosas na Cúpula de Líderes sobre o Clima, convocada pelo presidente americano, Joe Biden, e que começa no dia 22. Porém, diante da falta de diálogo com o governo, a iniciativa privada começa a adotar medidas e acordos paralelos para “contenção de danos”, que poderiam minimizar efeitos negativos da atuação ambiental das autoridades federais. Um isolamento do país na questão climática tende a ter impactos ainda mais severos para as empresas brasileiras.

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— O setor empresarial está fazendo sua parte, não apenas se posicionando, mas apresentando propostas práticas, com metas e passo claros. Enviamos uma carta aos ministérios da Economia, Meio Ambiente, Agricultura e Relações Exteriores mostrando que, se o Brasil adotar um compromisso de emissão neutra até 2050 , terá ganhos econômicos e reputacionais — afirmou Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).

O documento, assinado por empresas como Bayer, Braskem, Bradesco, BRF, Ipiranga, Itaú, JBS, Lojas Renner, Marfrig, Natura, Shell, Siemens, Suzano e Votorantim, entre outras, afirma que, com o compromisso da neutralidade, “até US$ 17 bilhões possam ser gerados no país a partir de negócios com base na natureza até 2030” e que “o PIB também pode ter um crescimento vertiginoso com a implantação de práticas de baixo carbono, atingindo um ganho total acumulado de R$ 2,8 trilhões até 2030 em relação à trajetória atual”, afirma.

A ideia da entidade é criar uma meta adicional à da redução de 37% na emissão de gases causadores das mudanças climáticas até 2025 e de 43% até 2030, em relação aos níveis de 2005, celebrada pelo país em 2015, no Acordo de Paris, e confirmada em dezembro de 2020 pelo governo federal. Entretanto, foi apenas uma correspondência às autoridades, sem reuniões, conversas ou interações que pudessem, de fato, balizar a atuação do governo na cúpula.

A pressão vem em meio a notícias negativas na área ambiental, como a troca do superintendente da Polícia Federal no Amazonas — que tinha uma postura mais independente, por um nome mais alinhado ao governo — e a divulgação, ontem, de que o desmatamento na Amazônia registrou o pior mês de março dos últimos dez anos. Segundo levantamento do Imazon, a área devastada triplicou em relação ao registrado no mesmo mês de 2020: foram 810 km² desmatados da Amazônia Legal, área equivalente à cidade de Goiânia.

Desconfiança

O posicionamento prévio do governo — que tem dito que o Brasil responde por apenas 3% das emissões do mundo e que é preciso receber recursos externos antes de reduzir a devastação ambiental — gera desconfiança de que o país sairá pior da cúpula de Biden.

Esta postura tem feito líderes empresariais buscarem alternativas. Grossi, por exemplo, afirma que, na gestão de Jair Bolsonaro, se intensificou a interlocução direta de governos estrangeiros com governadores da Amazônia. A iniciativa privada vai na mesma linha e já traça cenários para “conter danos” caso o Brasil amplie seu isolamento na cúpula:

— Independentemente do resultado da cúpula do clima para o Brasil, é possível avançar em outras agendas. Um exemplo é o alinhamento dos critérios de concessão do crédito rural a políticas e princípios de sustentabilidade. O crédito tem potencial para induzir mudanças em escala no campo — afirmou Marcello Brito, representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e presidente do conselho diretor da Associação Brasileira do Agronegócio.

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Ele cita como outro exemplo a produção de madeira tropical sustentável por meio da silvicultura de espécies nativas, afirmando que a coalizão acabou de lançar um programa de pesquisa e desenvolvimento no Espírito Santo para transformar o estado em um polo de referência. Porém, ele admite que a iniciativa privada não pode fazer tudo:

— O combate à ilegalidade, que é o principal fator que irá reverter a imagem do Brasil no mundo, depende em sua maioria do Poder Executivo federal, especialmente do Ministério do Meio Ambiente — disse Brito, lembrando que a coalizão lançou, na semana passada, um manifesto pedindo uma “postura ambiciosa” do governo, que foi assinado por mais de 280 entidades empresariais e companhias.

Diálogo com sociedade civil

A sociedade civil está mais estruturada. Nos EUA, 300 presidentes de grandes companhias, que juntas faturam por ano mais de US$ 3 trilhões — ou quase dois anos do PIB brasileiro — pediram ao governo americano metas mais ambiciosas de redução na emissão de gases. Porém, se nos EUA os empresários foram ouvidos pelo governo, o mesmo não vem ocorrendo em Brasília:

— Para o diálogo ocorrer, é preciso que as duas partes queiram — afirmou Roberto Waack, presidente do conselho do Instituto Arapyaú. — Para não ficar apenas nas “notas de repúdio”, há uma clara política de contenção de danos, que tende a ser intensificada se o Brasil sair-se mal na cúpula. Se o governo brasileiro não assume o desmatamento ilegal zero, empresas criam a rastreabilidade da soja e do gado — exemplifica.

Sérgio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, afirma que a iniciativa independe do resultado da cúpula e até mesmo do posicionamento das empresas em relação ao governo:

— A fase das manifestações e cartas acabou. Não vai mais haver o biombo fácil de se esconder atrás do governo. A cúpula vai trazer desafios como nunca foram vistos na área ambiental para empresas brasileiras de todos os setores.

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Davi Bomtempo, gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, diz que o grande objetivo é o governo conseguir acabar com o desmatamento ilegal. Ele lembra que o setor empresarial brasileiro responde por só 6% das emissões do país. Mesmo assim, a entidade lançará, até a cúpula, um mapa com o que os setores que respondem por 90% das emissões industriais brasileiras estão fazendo ambientalmente.

Por sua vez, o vice-presidente Hamilton Mourão disse ontem que o Brasil “não tem que ser mendigo”, ao comentar o pedido de ajuda financeira do governo aos EUA para combater o desmatamento na Amazônia e cumprir as metas ambientais. Segundo Mourão, o Brasil tem responsabilidades, mas ele reafirmou a linha defendida por membros do governo de que o país representa só 3% das emissões no mundo e que, “desses 3%, 40% é o desmatamento, ou seja, 1,2% do que se emite no mundo é responsabilidade do desmatamento nosso aqui”. Segundo ele, “tem que fazer nossa parte, dentro do Acordo de Paris”.