Coronavírus: Psicólogos cuidam da saúde mental de moradores de favelas abalados pelo medo da pandemia

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Coronavírus: Psicólogos cuidam da saúde mental de moradores de favelas abalados pelo medo da pandemia

Tatiana Bueno, uma das idealizadoras do projeto
Tatiana Bueno, uma das idealizadoras do projeto Foto: Arquivo pessoal
Geraldo Ribeiro
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Ao perceber que a pandemia de coronavírus estava mexendo com o emocional dos moradores, duas lideranças dos morros da Babilônia e Chapéu Mangueira, no Leme, na Zona Sul do Rio, lançaram um chamado pela internet a psicólogos que pudessem atender a população gratuitamente. Em poucos dias, mais de 70 profissionais responderam, alguns de outros estados, como Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná e até de outros países, como Portugal.

As consultas tiveram início na semana passada e são à distância. O paciente escolhe o modo como vai ser atendido, se por telefone, chamada de vídeo ou WhatsApp. O atendimento começou pelos 30 primeiros moradores cadastrados, que servirão de multiplicadores. A iniciativa, que já chegou a outras comunidades, como o Vidigal e Rocinha, deve prosseguir depois que a pandemia passar.

Um dos primeiros pacientes do projeto foi o pintor Miguel Vida, de 35 anos, um espanhol que há cinco anos se mudou para o Morro da Babilônia e que pela primeira vez fez uma consulta com um psicólogo. Ele contou que o medo gerado pela pandemia e a ansiedade com relação ao futuro estavam fazendo mal à sua mente.

— Comecei com alergia e sinusite psicossomáticas devido à muita ansiedade, acho que por conta de minha preocupação com o futuro. Logo depois da primeira consulta, realizada na semana passada, já dei uma animada — avalia o morador que será submetido a uma segunda consulta, nesta quinta-feira, por meio de chamada de vídeo.

Miguel Vida, morador do Morro da Babilônia, um dos primeiros pacientes do projeto
Miguel Vida, morador do Morro da Babilônia, um dos primeiros pacientes do projeto Foto: Arquivo pessoal

Para o psicológico Jean Ghissoni, que atende no seu consultório pacientes dos bairros de Botafogo e Flamengo, está sendo uma experiência inédita trabalhar com moradores de comunidade. Como são pessoas que nunca tiveram acesso a esse tipo de atendimento, ele considera natural que haja uma certa resistência inicial a ser vencida. O profissional explica ainda o efeito de uma pandemia, como a atual, na mente do paciente.

— A quarentena atingiu a saúde mental de muita gente que está em casa, sem poder trabalhar. Eu diria que o que mais afeta nesse momento é o ócio, que atinge até quem está em home office. Mas não é só. Associado a isso ainda existe a questão de que a pessoa possa vir a adoecer e, nesse caso, pode morrer. Obviamente provoca um pânico muito grande, inclusive a ideia de que isso possa acontecer com alguém da família — argumenta o profissional.

Regina Tchelly, fundadora do Favela Orgânica, projeto que defende uma alimentação mais saudável e natural na comunidade, foi uma das idealizadoras da iniciativa de convocar a ajuda dos psicólogos para atender a população da Babilônia e Chapéu Mangueira. Ela explicou que o posto de saúde da favela tem apenas um profissional dessa especialidade que não dá conta da demanda, que aumentou durante o período de pandemia.

— A ideia (do projeto) começou quando várias pessoas entraram em contato comigo perguntando por psicólogos que pudessem atender gratuitamente. E, como eu trabalho com a comida afetuosa, juntei as duas coisas, que são a gente se alimentar bem e cuidar da nossa mente. Então, fiz um chamado no Instagram e foram surgindo várias pessoas — diz Regina Tchelly.

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Tatiana Bueno, a outra idealizadora e criadora do movimento Faça um bem a alguém (Fubá), espera com o projeto desmistificar o trabalho do psicólogo junto ao morador de comunidade. Ela acredita que, após os primeiros atendimentos, outras pessoas vão se animar para buscar a ajuda desses profissionais.

— A gente quer aproveitar para fazer esse movimento de as pessoas saberem que seu vizinho está dentro do programa para que outras possam agregar. Ainda tem essa barreira das pessoas acharem que a saúde mental não é acessível. Tem muita gente aqui que acha que (atendimento psicológico) é coisa para maluco, que é muito caro, não vão ter dinheiro para continuar o tratamento. Queremos quebrar com esses preconceitos. Os psicólogos com quem conversei desejam dar continuidade com o projeto no pós-pandemia. Acho importante essa continuidade, sem depender do SUS, porque o posto de saúde tem uma psicóloga, mas que não dá vazão para a quantidade de moradores — aponta.

A campanha Ação Impacto, que atua em diversas comunidades no Rio e Baixada Fluminense, entre elas o Vidigal, Rocinha, Muzema, Rio das Pedras e os complexos da Maré e do Alemão, leva junto com as cestas básicas a possibilidade de os moradores também, além de matarem a fome, cuidarem de sua saúde mental, em tempos de pandemia. Para isso, foi criada uma rede com a participação de mais de 60 terapeutas que atendem gratuitamente e à distância, pela internet. São psicólogos, psiquiatras e terapeutas holísticos.

— Sabíamos que inicialmente a emergência era alimentar as pessoas. Mas, num determinado momento, a necessidade (de ajuda) psicológica ia aumentando gradualmente. Sabíamos que teria um pico em algum momento e nos preparamos para isso. Tínhamos um frente forte de psicólogos, com diversos profissionais voluntários, para criar esse costume de as pessoas serem ouvidas — afirma Camila Soares, gestora da campanha.

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