Bitcoin no Imposto de Renda 2021: veja como declarar criptoativos

Bitcoin, altcoins e tokens ganharam códigos próprios na declaração deste ano. Saiba como informar saldos, rendimentos e até mineração. E atenção: o Fisco tem mais dados em 2021 para cruzar informações

Por Rafael Gregorio, Valor Investe — São Paulo


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Começou nesta segunda-feira (1º) o prazo de entrega da declaração do imposto de renda (DIRPF), que vai até 30 de abril.

Para a crescente comunidade de investidores em criptomoedas no Brasil, respondemos algumas perguntas sobre como declarar saldos e rendimentos envolvendo bitcoin e outros criptoativos.

Qual o primeiro passo?

Baixar o programa da declaração em 2021 e, assim como se faz com rendimentos comuns, como salários, e com saldos de contas bancárias e aplicações, solicitar junto às empresas (exchanges, custodiantes, carteiras digitais etc.) os documentos que embasaram as transações, para facilitar o preenchimento e também para poder apresentar em caso de questionamento pela Receita.

“O investidor deverá obter extrato com os valores que detinha em cada criptoativo em 31/12/2019 e em 31/12/2020”, explica Thiago Barbosa Wanderley, advogado sócio do escritório Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados.

Ainda não há obrigação de as empresas prepararem informes de rendimentos de criptoativos, mas algumas estão se adiantando e enviando documentos similares àqueles que o investidor recebe de corretoras quando investe em ações, explicam Daniel Zugman e Frederico Bastos, sócios do escritório BVZ Advogados.

Códigos específicos para criptos são principais novidades em 2021

Em 2021, a principal novidade em criptomoedas na declaração é a criação de códigos específicos para os ativos digitais, uma medida que a Receita tomou para fins de estatística de mercado. Antes, os saldos eram informados na ficha “Bens e Direitos”, no campo “Outros bens e direitos”, de código 99. Agora, devem ser utilizados os campos dos seguintes códigos:

  • 81: Criptoativo bitcoin (BTC);
  • 82: Outras moedas digitais, conhecidas como “altcoins”, entre elas: criptomoedas, como ether (ETH), XRP (ripple), litecoin (LTC) e bitcoin cash (BCH); stable coins, como tether (USDT); e o chainlink (LINK);
  • 89: Demais criptoativos, para ativos digitais que não são criptomoedas, mas tokens utilitários ou de segurança.

— Foto: Divulgação

Qual valor informo?

A declaração de imposto de renda é feita em reais, e sua base são sempre os preços de aquisição (e não os valores de mercado).

Portanto, quem comprou, por exemplo, 0,5 bitcoin em 2020 ao custo de, digamos, R$ 50 mil, deve informar esse valor, ainda que o preço atual seja diferente para mais ou para menos.

“O valor a ser declarado é o montante em reais que a pessoa usou para comprar o criptoativo, e não a cotação dele no último dia de dezembro”, detalha Wanderley, e isso vale também para criptoativos guardados fora de exchanges.

No espaço para a descrição do bem, o contribuinte detalhista pode informar a data da compra e o vendedor ou a exchange (com CPF ou CNPJ). Algo como: “metade de um bitcoin (0,5 BTC) adquirido em dd/mm/aa junto à exchange XYZ (CNPJ tal)”.

Para facilitar a declaração, a pessoa pode declarar separadamente os criptoativos que possui em cada exchange, mas lembrando de segregar bitcoins (código 81), altcoins (82) e tokens (89).

A obrigação de declarar é para quem tem criptoativos em valores acima de R$ 1.000, e “Esse piso é verificado para cada código; por exemplo, se houver R$ 50 mil de BTC e R$ 900 de outro criptoativo, apenas o BTC deve ser obrigatoriamente declarado”, lembram Zugman e Bastos, do BVZ.

Como informar rendimentos obtidos com criptoativos?

Se em algum mês de 2020 o contribuinte tiver obtido lucro em operações com bitcoins ou outros criptoativos que, somadas, ultrapassem o piso de R$ 35 mil, esse ganho deve obrigatoriamente ser informado e tributado. É o ganho de capital, que segue as alíquotas da chamada tabela progressiva. O vencimento é até o último dia útil do mês seguinte ao do evento tributável. Depois, o imposto pago será importado na declaração do IR.

Tabela progressiva do ganho de capital

Ganho de capital Alíquota
Até R$ 5 milhões 15%
De R$ 5 milhões a R$ 10 milhões 17,5%
De R$ 10 milhões a R$ 30 milhões 20%
Acima de R$ 30 milhões 22,5%

O imposto já deveria ter sido pago, mas também pode ser ajustado agora, na declaração. “Se a operação foi de R$ 50 mil, ainda que o ganho tenha sido só de R$ 5 mil, tem de pagar imposto”, explica a tributarista Ana Cláudia Utumi, sócia fundadora da Utumi Advogados.

Eventuais perdas no ano (quando o valor de venda é menor que o de compra) não são dedutíveis ou compensáveis com ganhos.

O ganho de capital tem um programa específico que deve ser baixados no site da Receita. Por meio dele, o contribuinte gera uma guia, chamada DARF (documento de arrecadação federal), para cada mês em que houver imposto.

Observe os seguintes exemplos (baseados em uma única operação, para simplificar, mas o raciocínio vale para o conjunto das operações em um mês):

  • Exemplo 1: a pessoa comprou um bitcoin a R$ 50 mil – tanto faz se em 2020 ou antes – e o vendeu, em 2019, por R$ 45 mil. Não houve ganho de capital, e não é preciso recolher imposto;
  • Exemplo 2: a pessoa comprou um bitcoin a R$ 50 mil e vendeu, em 2020, a R$ 66 mil, ganhando R$ 16 mil. Como o valor das vendas (R$ 66 mil) foi superior ao piso de operações com ganhos tributados (R$ 35 mil), deve pagar imposto de renda sobre a diferença (R$ 16 mil);
  • Exemplo 3: a pessoa comprou 0,5 bitcoin a R$ 20 mil e vendeu a R$ 30 mil, ganhando R$ 10 mil. Como o valor das vendas (R$ 30 mil) foi inferior ao piso (R$ 35 mil), não é preciso recolher imposto; informe a transação (dando baixa no saldo que havia em “Bens e direitos”) e o ganho (na ficha de rendimentos com ganho de capital).

E se não recolhi o imposto sobre ganho de capital em 2020?

Quem teve ganho de capital em vendas de criptomoedas em negociações acima de R$ 35 mil em um mês e recolheu os DARFs só precisa importar essas informações na declaração do IR.

Quem não recolheu o imposto sobre o ganho de capital até o final do mês seguinte tem duas opções. A primeira é recolher agora – o programa GCAP atualiza o valor do imposto nos DARFs com a multa diária de 0,33%, limitada a 20%, mais os juros – e, após pagar os impostos atrasados, importar os dados na DIRPF.

Outra opção é informar os ganhos agora, na própria DIRPF. “O sistema gera um imposto de renda a pagar sobre aquilo”, detalha a advogada Ana Cláudia Utumi.

E se meu ganho foi no mesmo mês, ou em “day trade”?

Do ponto de vista conservador, para operações no mesmo mês valem as disposições acima: informar cada compra e venda, sem compensar lucros com perdas.

Mas, para quem tem estômago para processos, há pontos discutíveis na legislação, explica Renato Aparecido Gomes, do escritório Gomes, Almeida e Cadas Advocacia:

“Existem duas linhas de entendimento. Uma, que é a que o Fisco vai seguir, diz que tenho de considerar as operações de maneira singular e não compensar prejuízos de algumas operações com lucros de outras. Pode-se discutir no Judiciário no sentido de permitir compensação dentro do mesmo mês, como se faz no mercado de ações. Já nas operações de ‘day trade’, no mesmo dia, considera-se o preço médio do dia tanto para a aquisição quanto para a venda”.

Seja como for, é possível abater os custos de corretagem, explicam os advogados Zugman e Bastos. “Os criptoativos são considerados bens/direitos tradicionais, não sendo aplicáveis as regras para investimentos no mercado financeiro. Assim, não há, por exemplo, alíquota aumentada para operações de ‘day trade’ nem compensação de perdas. Mas é aplicável a regra de abatimento de custos de corretagem (desde que arcados pelo vendedor)”.

E como declarar mineração? Tem imposto?

Mineração é a validação de transações com criptos nas redes que as registram, chamadas de blockchains. Costuma ser feita com supercomputadores capazes de resolver equações complexas que permitem validar os dados inseridos em cada bloco na cadeia.

Como recompensa, o primeiro minerador a solucionar o problema e validar o bloco, deixando a rede pronta para um novo conjunto de checagens, recebe como prêmio uma certa quantia de criptos.

Com o passar dos anos, a mineração ganhou perfil industrial, e tornou-se menos comuns que pessoas físicas sejam mineradoras. Mas pode acontecer. Nesse caso, as criptomoedas obtidas são “renda tributável”. Seus saldos devem ser declarados na DIRPF ao valor de mercado do momento da obtenção (que passa a ser o “preço de custo”, até que um dia sejam vendidas, se forem) e tributados conforme a tabela progressiva.

Atenção: o Fisco tem cada vez mais dados

Em 2019, a Receita obrigou investidores e exchanges a declararem as transações. Para empresas brasileiras, a regra é informar todas as compras e vendas que intermediaram. Já em operações entre pessoas físicas ou usando exchanges no exterior, só é preciso declarar movimentações acima de R$ 30 mil.

Por isso, atenção: se o contribuinte deixar de declarar saldos ou rendimentos, é grande a chance de que outra parte (o comprador ou o vendedor, ou a exchange) cite o CPF e gere inconsistência.

O resultado possível é cair na chamada “malha fina”: convocação para prestar justificativas, autuação fiscal com multa de até 150% e, no limite, inquéritos e processos por sonegação.

Também pode ser necessário retificar declarações anteriores (e quitar, com multa e juros, eventuais impostos), caso saldos e transações de criptos não tenham sido declarados. Nesse caso, a preocupação se limita às últimas cinco declarações.

— Foto: Getty Images
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