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Governo Trump intervém no currículo sobre o Oriente Médio de duas universidades

Departamento de Educação afirmou que Universidades Duke e da Carolina do Norte em Chapel Hill não abordam judaísmo e cristianismo de maneira suficientemente 'positiva'
Prédio da biblioteca Perkins, na Universidade Duke, na Carolina do Norte Foto: Divulgação
Prédio da biblioteca Perkins, na Universidade Duke, na Carolina do Norte Foto: Divulgação

WASHINGTON — O Departamento (ministério) da Educação dos Estados Unidos ordenou que as Universidades Duke e da Carolina do Norte em Chapel Hill (UNC) façam alterações no currículo de um programa de estudos do Oriente Médio que realizam em conjunto. Segundo o governo americano, a ementa utilizada pelas instituições é parcial e, entre outros pontos, não aborda o judaísmo e o cristianismo na região de maneira suficientemente "positiva" .

Em uma rara intervenção federal nas ementas de cursos universitários, o departamento governamental concluiu que o programa sobre o Oriente Médio viola um programa federal que fornece bolsas e financiamentos estudantis para cursos de relações internacionais e idiomas estrangeiros . A medida é resultado de uma ampla investigação sobre o curso conduzida pelo departamento, que sob o comando da secretária de Educação, Betsy DeVos, vem se tornando mais agressivo no combate ao que considera ser um movimento anti-Israel no ensino superior do país .

Este foco parece refletir as visões da liderança da agência, cujo chefe de Direitos Humanos, Kenneth L. Marcus, construiu uma carreira em defesa de Israel e impulsionou uma longa campanha para deslegitimar e limitar os fundos de cursos sobre o Oriente Médio, que alega terem um viés contrário ao país.

Neste caso, o departamento voltou-se para aquilo que seus funcionários dizem ser um programa focado na população muçulmana às custas de minorias religiosas. No braço do seu currículo voltado para alunos do ensino fundamental e médio, a Universidade da Carolina do Norte, segundo o departamento, tem uma "ênfase considerável na compreensão dos aspectos positivos do islamismo, enquanto há uma ausência absoluta de foco similar nos aspectos positivos do cristianismo, do judaísmo e de outras religiões e crenças no Oriente Médio".

Poucos dos programas das Universidades Duke e Carolina do Norte em Chapel Hill são focados "na discriminação histórica e nas circunstâncias atuais enfrentadas por minorias religiosas no Oriente Médio, incluindo cristãos, judeus, baha'is, iazidis, curdos, drusos e outros", disse o departamento.

Palestina e Israel

Com essas ações, o departamento ingressou em um debate sobre Israel e Palestina que se estende por outros campi pelo país.

A atitude do departamento "deveria servir de alerta", disse Miriam Elman, professora na Universidade de Syracuse, em Nova York, e diretora executiva da Rede para Engajamento Acadêmico, que se opõe ao movimento de boicote a Israel que tem mobilizado o ativismo universitário nos EUA.

— O que eles estão dizendo é: "Se você deseja ter um viés e mostrar uma visão do Oriente Médio que não seja equilibrada, você pode fazer isso, mas não receberá dinheiro do governo federal ou dos contribuintes" — disse Elmam.

Grupos pró-Palestina, por outro lado, acusam o Departamento de Educação de intimidação e violação da liberdade acadêmica.

— Eles realmente querem passar a mensagem de que, se você deseja criticar Israel, então o governo federal irá olhar com bastante cuidado para seu curso inteiro e controlá-lo de perto até a morte — disse Zoha Khalili, advogada do grupo Palestina Legal.

A intervenção do governo, disse Khalili, "passa um recado para os cursos sobre o Oriente Médio de que sua existência depende de sua disposição de se alinhar com o governo no que diz respeito a Israel".

Desalinhamento

Em uma carta para funcionários das universidades, o vice-secretário para ensino superior, Robert King, escreveu que os programas coordenados pelo Consórcio Duke-UNC para Estudos sobre o Oriente Médio aparentam estar desalinhados com o financiamento federal que receberam. O artigo VI do Ato para Educação Superior autoriza o financiamento para universidades que "estabelecem, reforçam e operam uma diversa rede de centros e programas de graduação sobre idiomas e regiões estrangeiras e relações internacionais".

O Departamento de Educação "acredita" que o consórcio das universidades "falhou ao não distinguir detalhadamente as atividades legalmente financiadas de acordo com o artigo VI de outras atividades" que são "claramente desqualificadas para receber o dinheiro dos contribuintes", King escreveu.

A carta, publicada nesta semana no Diário Oficial americano, disse que os registros do consórcio referentes ao número de alunos matriculados em seus cursos de idiomas estrangeiros — um alicerce dos programas de financiamento estudantil federal — não eram evidentes. Segundo King, "parece claro que cursos de idiomas e sobre regiões estrangeiras que colaboram com a segurança e a estabilidade econômica dos Estados Unidos viraram 'secundários' frente a outras prioridades".

O vice-secretário escreveu ainda que o departamento acredita que outras atividades, como uma conferência focada no "amor e desejo no Irã moderno" e um evento sobre críticas cinematográficas de produções do Oriente Médio "têm pouca ou nenhuma relevância no que diz respeito ao artigo VI". De acordo com o órgão do governo, "também parece faltar equilíbrio" nos currículos do consórcio.

O Departamento de Educação criticou também os programas de treinamento de professores das universidades por focar em questões como "preconceitos inconscientes, tratamento dado à juventude LGBTI nas escolas, cultura e na mídia, diversidade dos livros nas salas de aula e outras questões". O órgão disse que há "uma falta alarmante de atenção para geografia, assuntos geopolíticos, história e idiomas".

Prazo apertado

O governo dos EUA ordenou que o consórcio envie uma versão revisada da agenda de eventos que planeja apoiar e realizar, além da lista completa de cursos que oferece e de professores que atuam em seu programa sobre o Oriente Médio. O Departamento de Educação também instruiu o consórcio para demonstrar que tem "controles institucionais efetivos" para permanecer de acordo com a interpretação que o governo faz do Ato para Educação Superior.

O prazo para que as universidades enviem os documentos é dia 22 de setembro, apenas oito dias antes da data em que o departamento deverá decidir se aprovará, ou não, o financiamento.

Um porta-voz da Universidade Duke se recusou a comentar o assunto, direcionando as perguntas para a Universidade da Carolina do Norte. Uma representante da UNC, por sua vez, confirmou o recebimento da carta.

"O consórcio valoriza profundamente sua parceria com o Departamento de Educação e sempre esteve fortemente comprometido com o cumprimento dos propósitos e obrigações do programa estabelecido pelo artigo VI", disse a UNC em um comunicado. "O consórcio está comprometido a trabalhar com o departamento para fornecer mais informações sobre seus programas."