O período de fechamento das escolas desde o ano passado dependeu mais da capacidade de reação do sistema educacional de cada país do que da gravidade da pandemia de covid-19. O Brasil, ao lado de Colômbia, Costa Rica e México, é um dos locais com mais dias sem aulas presencias. Em comum, todos têm os desempenhos mais fracos em leitura pelo Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), avaliação conduzida a cada três anos pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“De uma forma ou de outra, a pandemia causou interrupções nas escolas no ano passado, mas não há correlação entre a quantidade de infectados e os dias em que as escolas permaneceram fechadas. Em alguns lugares, a pandemia foi terrível e as escolas ficaram abertas”, afirma Andreas Schleicher, diretor de educação da OCDE. A entidade, em conjunto com o Todos Pela Educação e o Itaú Social, lançou ontem dois relatórios com um panorama do sistema educacional brasileiro.
Em uma seleção de 20 nações apresentada por Schleicher, o Brasil aparece como o quinto país com mais dias de escolas fechadas entre o início da pandemia e fevereiro deste ano (191 dias), atrás só de Panamá, El Salvador, Bangladesh e Bolívia. “A pandemia não é a origem das desigualdade sociais que levaram a isso, ela só amplificou isso.”
Segundo o diretor da OCDE, o período de afastamento das escolas evidenciou que o acesso à tecnologia também aumenta as desigualdades Dados compilados pela OCDE apontam que cerca de 30% dos alunos brasileiros mais pobres têm acesso a computador para realizar atividades escolares, contra cerca de 90% entre os mais ricos. “Além disso, muitos alunos não têm privacidade e lugar silencioso para estudar. Isso não é exclusividade do Brasil, mas é algo que é muito básico e ainda faz falta”, disse.
O especialista alerta que não basta comprar computadores para fazer uma virada no ensino. “A tecnologia pode fazer a educação mais adaptiva, mais interativa, mas não pode ser simplesmente adicionada ao sistema educacional. Os professores, por sua vez, precisam passar de instrutores para parceiros”, disse.
Nos relatórios divulgados ontem, a OCDE mostra comparações internacionais que indicam aumento da desigualdade educacional no Brasil mesmo antes da pandemia. Na última edição do Pisa, de 2018, a diferença de desempenho na prova de leitura entre os alunos mais e menos desfavorecidos socialmente foi de 97 pontos, contra 84 pontos em 2009. Ao mesmo tempo, na média da OCDE essa lacuna cresceu em menor escala no mesmo período, de 87 para 89 pontos.
O fosso entre escolas públicas e particulares no Brasil também é um dos maiores do mundo. Alunos de escolas públicas no país pontuam abaixo do nível 2 de leitura no Pisa, patamar que define as competências mais básicas, quatro vezes mais que os de escolas particulares (57% contra 13%). Na OCDE, a proporção é de 1,5 vez.
“Episódios prolongados de fechamento de escolas podem aumentar as desigualdades se os governos não implementarem medidas para garantir que todas as crianças tenham recursos suficientes para aprender em boas condições, principalmente em países onde fatores não escolares desempenham um papel importante nos resultados de aprendizagem”, diz trecho do relatório.
Apesar do quadro atual preocupante e da estagnação do Brasil no Pisa nos anos recentes, o diretor da OCDE destacou que é preciso ver o “copo meio cheio” das políticas públicas de educação das últimas décadas e insistir em reformas estruturais para acelerar a melhora de qualidade.
Schleicher destacou que o país foi pioneiro em vincular frequência escolar ao pagamento de benefícios sociais, modelo trazido pelo Bolsa Família e adotado depois em outros países. “A duração da pandemia gera preocupações, mas é importante pensar em questões de longo prazo. Precisamos enfrentá-las desde já.”
Uma das saídas defendidas pelo especialista seria incentivar mais coordenação entre União, Estados e municípios para avançar em agendas e replicar boas práticas. “Em um país de sistema federativo isso é difícil, mas é possível de fazer. Na Alemanha, há alguns anos, os Estados não se comunicavam entre si e isso mudou rapidamente”, afirmou. No Brasil, esse debate está no Congresso, com projetos de lei que pretendem criar o Sistema Nacional da Educação (SNE), espécie de “SUS da educação”. “É preciso um entendimento melhor da sociedade sobre o que é bom desempenho escolar”, disse.
Assim como em outros locais, a carreira de professor tem remuneração menor no Brasil do que outras áreas. Mas Schleicher defende que, além da questão financeira, é possível tornar a educação intelectualmente mais atrativa. “Vietnã, Singapura e o norte da Europa fizeram um excelente trabalho em criar rotas para que os professores pudessem evoluir em suas carreiras e pudessem inclusive atuar em várias áreas”, exemplificou.