20/11/2013 13h34 - Atualizado em 20/11/2013 13h43

Dona Tiana luta há 35 anos pela igualdade racial em Bom Despacho

Idosa contou ao G1 história de vida e como luta pelos negros.
No Dia da Consciência Negra ela afirmou que ainda existe preconceito.

Jéssica LopesDo G1 Centro-Oeste de Minas

Bom Despacho Dona Tiana (Foto: Jéssica Lopes/G1)Sede da comunidade registrada por ela
(Foto: Jéssica Lopes/G1)

Desde jovem, Sebastiana Geralda Ribeiro da Silva, conhecida como Dona Tiana, de 78 anos, luta pelos direitos dos negros em Bom Despacho. Nesta quarta-feira (20), Dia da Consciência Negra, Tiana, que é natural de Bom Sucesso e negra dos olhos azuis, disse ao G1 que mesmo diante de muitas conquistas o preconceito e as adversidades ainda são obstáculos enfrentados pelo seu povo.

“A igualdade racial que tanto se fala fica só no papel, pois infelizmente ainda tem muito preconceito com o negro. Nós temos que ter muita raça. Já fui discrimidada de todas as formas”, contou Dona Tiana.

A história de vida dela é marcada pela constante vontade de ajudar ao próximo, independente da cor da pele. Em 2005, recebeu da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) o título de reconhecimento pelo trabalho em prol aos negros. Ela sempre buscou autoridades políticas para conseguir apoio e ajudar principalmente os que passam fome. Após 35 anos de uma luta ela conseguiu registrar a comunidade "Quilombola dos Carrapatos”, no Bairro Ana Rosa. Ela mora nesse local, mais conhecido como Tabatinga, que é uma região de remanescentes quilombolas.

Tiana contou ainda que quando chegou na Tabatinga, lugar conhecido como refúgio dos escravos, tinha apenas mato. A primeira batalha dela foi conseguir uma creche para as famílias deixarem as crianças. Hoje, o lugar que era a creche virou a “Associação dos Quilombos de Bom Despacho”, que oferece cursos profissionalizantes para crianças, como informatica, costura, silk, entre outros. A associação tem equipamentos para montar um telecentro, mas falta espaço.

A família da guerreira Dona Tiana é a única registrada como afrodescendentes do quilombo, povo que fundou a Festa de Nossa Senhora do Rosário. Ela foi a primeira mulher a comandar um corte de moçambique, pois na tradição dos escravos tinha que ser homem. A negra comanda o moçambique de São Benedito, há pelo menos 30 anos, e ajudou a erguer a Igreja de São Benedito, que fica na rua da casa onde mora.

No moçambique eles conversam através dos sagrados dialetos de Keto, Jeje e Nagô. “Desde os cincos anos eu participava da festa de Nossa Senhora do Rosário nos braços do meu pai. Com 15 anos peguei o bastão do meu avô e lutei para me manter comanadando o corte do moçambique, porque mulher não podia comandar”, relembrou.

Bom Despacho Dona Tiana (Foto: Jéssica Lopes/G1)Para ela, igualdade racial só existe no papel
(Foto: Jéssica Lopes/G1)

Com 14 filhos criados, sendo que sete Dona Tiana tirou das ruas, ela continua na luta para ajudar o povo. Através de uma parceria com o programa “Fome Zero”, do Governo Federal, a líder comunitária por natureza recebe três vezes ao ano alimentos para distribuir para os necessitados. “Tenho filhos brancos e negros, e todos são meus filhos e estão todos muito bem hoje. Se eu ganho um quilo de arroz eu quero dividir com todo mundo. No moçambique é assim, Não queremos nada só para nós”, afirmou Tiana.

A afrodescendente destacou durante entrevista que tem orgulho do que fez e contou sobre a escola de samba que criou, a “Estrela de Ouro”, em 1988. Em dez dias e dez noites, a também canarvalesca fez fantasias para 1.200 componentes da escola com máquinas emprestadas. Foi sentada no meio-fio e observando o bairro com olhos atentos que Dona Tiana criou o enredo e a letra, que fez sucesso e canta até hoje.

Com mais de 20 anos de luta na Tabatinga, Tiana comentou que logo realizará mais um sonho, que é o espaço Cultural e Comunitário da Tabatinga. O projeto está pronto e a luta dela é conseguir o lote para iniciar a contrução do local. "Bom Despacho precisa de mais cultura. Tenho muito para fazer ainda, mas pra conseguir tudo que tem aqui hoje tive que ter muita raça. A luta foi e é dura", afimou.

Conhecida também como a "A voz dos negros em Minas Gerais", Tiana recebe diariamente muitas pessoas em casa, além da família que é grande. "Gosto da casa cheia. É dificil reunir todo mundo. O leitão a pururuca e um bom feijão nunca faltam aqui", finalizou.

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