• LUANDA VIEIRA (@luandavieira)
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Ingrid Silva (Foto: Vogue Brasil)

Ingrid Silva (Foto: Henrique Gendre; Direção de moda: Pedro Sales; Beleza: Mariana Bull; Coordenação: Renata Garcia e Lais Franklin; Direção de arte: Julia Filgueiras; Produção Executiva: Monica Borges; Assistente de fotografia: Harry Kong; Agradecimento: One 2 One)

O ano era 2007 e eu nunca me esqueci do alivio que senti ao ver outra bailarina brasileira entrar na sala de aula do Dance Theatre of Harlem, em Nova York. Enquanto eu fazia um curso de verão, Ingrid Silva tinha chegado para construir uma nova vida na cidade, após conquistar uma vaga de trabalho pelo projeto “Dançando para não dançar”, iniciativa que combate a exclusão social e promove a disseminação de cultura às crianças das comunidades do Rio de Janeiro.

Durante uma sessão de cinema no Brooklyn, pouco tempo depois, quando resolvi voltar para o Brasil, lembro dela tentando me convencer a ficar. E olha só: 12 anos se passaram, ela virou essa potência mundial e, agora, está prestes a ser mãe.

Ingrid Silva (Foto: Vogue Brasil)

Ingrid Silva (Foto: Henrique Gendre; Direção de moda: Pedro Sales; Beleza: Mariana Bull; Coordenação: Renata Garcia e Lais Franklin; Direção de arte: Julia Filgueiras; Produção Executiva: Monica Borges; Assistente de fotografia: Harry Kong; Agradecimento: One 2 One)

“Você que já trabalhou com dança sabe que engravidar nunca é a nossa prioridade, mas sempre soube que seria mãe. Tive medo no começo, mas o meu maior incentivo é saber que essa criança vai nascer numa realidade completamente diferente do que foi a minha. Ela vai poder ser o que quiser”, disse Ingrid durante nosso bate-papo via Facetime. A questão da prioridade é simplesmente porque a vida útil de uma bailarina varia de acordo com a resposta do seu corpo, “apesar que hoje em dia, controlando a alimentação e fazendo exercícios paralelos, como ioga, conseguimos trabalhar até uns 50 anos”, explica. A verdade é que a vida acontece aqui e agora, exatamente como a carioca gosta de ressaltar. Ela está esperando uma menina, a Laura, que mesmo dentro da barriga já coleciona motivos de orgulho da mãe.  

Aos 31 anos, a bailarina foi listada pelo Mipad 2020 entre as 100 pessoas negras abaixo de 40 anos mais influentes do mundo; tem suas sapatilhas no acervo do Smithsonian Museu Nacional de História e Cultura Afroamericana, nos Estados Unidos; ganhou perfil na Forbes americana; fez campanhas para o Facebook; e comanda dois projetos sociais, o EmpowHer NY e o Blacks in Ballet.

Não existe nada mais poderoso do que contar essas conquistas à minha filha, inclusive que ela esteve comigo em todos os protestos de Black Lives Matter em prol de um futuro melhor para ela e toda essa geração que está vindo”, diz.

A seguir, confira todos os destaques da conversa sobre maternidade, carreira, representatividade e futuro.

Ingrid Silva (Foto: Vogue Brasil)

Ingrid Silva (Foto: Henrique Gendre; Direção de moda: Pedro Sales; Beleza: Mariana Bull; Coordenação: Renata Garcia e Lais Franklin; Direção de arte: Julia Filgueiras; Produção Executiva: Monica Borges; Assistente de fotografia: Harry Kong; Agradecimento: One 2 One)

A DESCOBERTA

Ingrid teve a gravidez confirmada em abril, mas escolheu falar abertamente só em setembro, da forma mais especial possível: no primeiro vídeo dirigido por Taís Araújo. A ideia foi da própria atriz. “Me identifico com o comportamento de Taís nas redes sociais. Por ela não expor nada de sua vida pessoal, principalmente os filhos, liguei para contar a novidade e pedir conselhos sobre privacidade. Para a minha surpresa terminei a ligação com uma proposta de vídeo-revelação. Fizemos e foi muito especial.”

Para a produção, a bailarina passou três dias escrevendo o texto que ouvimos na narração. “A Taís me disse que ter um filho significa renovar a energia e, por isso, foi complicado saber o que colocar para fora, porque o mundo que foi para mim talvez não seja o mesmo para essa criança. Quero que no futuro ela tenha essa lembrança como algo leve”, diz.

Enquanto preparava a revelação, Ingrid passou por muitas fases: a insegurança com o futuro da profissão; a vontade de preservar a novidade entre familiares e amigos mais próximos; e querer construir sua própria jornada sem se comparar com outras mães. “Priorizei viver ao invés de compartilhar. Não foi nem pelo resguardo de três meses, mas porque era muito íntimo. Nem eu entendia o que estava acontecendo comigo, como seria minha vida dali para frente, estávamos no começo de uma pandemia. Demorou para eu estar preparada”, diz.

HORA DO ANÚNCIO

“Quando postei o vídeo, eu estava em Upstate (região serrana de Nova York) para o nosso final de semana em família. Fiquei tão apreensiva em anunciar, que publiquei, larguei o celular e fui fazer hiking. Foi uma surpresa receber tanto amor e carinho de pessoas que nunca vi ou imaginei.” Até agora, a publicação conta com 242 mil likes, quase sua quantidade total de seguidores (são 273 mil).

“Ainda não estou totalmente segura, mas aprendendo todos os dias. Estou mais confiante para compartilhar a minha trajetória como gestante, mas criei estratégias para proteger as energias que chegam”, conta. Ingrid optou por dividir nas redes sociais em uma ordem que não narra a gestação em tempo real. “Tem muita coisa para atualizar, mas achei importante abrir um pouco da minha privacidade porque as pessoas não veem bailarinas grávidas, é muito raro. Na minha companhia de dança, por exemplo, até nisso eu sou a primeira.” 

CORPO X BALÉ

Tendo a carreira como sua primeira e principal preocupação, as transformações de seu corpo foram assustadoras no início. “Quando a barriguinha começou a aparecer, não foi um momento legal. Quando ela começou a dificultar a minha movimentação no balé, então, tive que me conscientizar dos limites do meu novo corpo”, conta. “Para as pessoas que não dançam, gosto de explicar que a sensação que tive é praticamente a de estar me reabilitando de uma lesão”, explica.    

O apoio do marido, que Ingrid também faz questão de manter em sua vida privada, foi fundamental na construção de autoestima da bailarina nessa nova configuração. “No início eu olhava no espelho e me achava gordinha. Era o meu marido quem me colocava no eixo dizendo que, na verdade, eu estava grávida. Está cada vez mais difícil, mas quero continuar me movimentando enquanto conseguir”, diz.

Ingrid Silva (Foto: Vogue Brasil)

Ingrid Silva (Foto: Henrique Gendre; Direção de moda: Pedro Sales; Beleza: Mariana Bull; Coordenação: Renata Garcia e Lais Franklin; Direção de arte: Julia Filgueiras; Produção Executiva: Monica Borges; Assistente de fotografia: Harry Kong; Agradecimento: One 2 One)

HERANÇA

“Estou muito mais preocupada com o nascimento e em como lidar com tudo isso, do que em como educar a Laura nesse mundo. Tenho certeza que ela vai ser uma pessoa consciente de quem ela é com os valores que minha mãe me ensinou e pretendo passar adiante. Ser empática, saber se expressar e ouvir, trabalhar e sonhar fazem parte deles”, conta.

Pensando na educação que Ingrid Silva teve em casa, agora ela consegue entender o sentido de alguns cuidados que, na época, poderiam soar como exagero. “A responsabilidade de criar uma pessoa só aparece quando você precisa criar uma pessoa. Mas tem sido bonito descobrir alguém em mim que nunca imaginei ser.”

MATERNIDADE E MACHISMO

O lifestyle reservado de Ingrid nas redes sociais também tem rendido comentários que ressaltam o machismo. Ela tem sido constantemente questionada se existe pai, se ele é presente e até mesmo se é branco ou negro. “E se for uma produção independente? E se eu estiver em um relacionamento com outra mulher? Que diferença faz a etnia do pai? E se não tiver pai?”, questiona.

Ingrid Silva (Foto: Vogue Brasil)

Ingrid Silva (Foto: Henrique Gendre; Direção de moda: Pedro Sales; Beleza: Mariana Bull; Coordenação: Renata Garcia e Lais Franklin; Direção de arte: Julia Filgueiras; Produção Executiva: Monica Borges; Assistente de fotografia: Harry Kong; Agradecimento: One 2 One)

VIDAS NEGRAS IMPORTAM

A carioca, que participou de todas as passeatas em prol do movimento Black Lives Matter, vê poucos avanços sobre o assunto e mostra o balé como exemplo. “Para mim foi um momento histórico, mas muitas empresas usaram para autopromoção. Fiz uma pesquisa entre as marcas que vendem sapatilhas cor da pele e, das oito que existem, todas dificultam o acesso, por não vender online, além de serem mais caras do que as tidas como tradicionais. Então, não adianta falar que tem”, conta.

Para contrabalancear o mercado, Ingrid está fazendo sua parte. Após dois anos pesquisando quem são os bailarinos negros no Brasil e no mundo, a carioca criou ao lado dos colegas de profissão Ruan Galdino e Fábio Mariano a plataforma Blacks in Ballet, para exaltar e promover negros que desejam seguir carreira na dança. “Começou como uma biblioteca digital para normalizar pessoas negras na dança, mas temos o plano de expandir para um festival no Brasil, com workshops e bolsas de estudos”, conta. “Espero continuar levando o poder da realização de sonhos. Por mais que o cansaço bata às vezes, precisamos continuar ocupando espaços. Espero que, cada vez mais, tenhamos oportunidades por sermos impecáveis, não para preenchermos cotas”, finaliza.

 

Foto: Henrique Gendre
Direção de moda: Pedro Sales
Beleza: Mariana Bull
Coordenação: Renata Garcia e Lais Franklin
Direção de arte: Julia Filgueiras  
Reportagem: Luanda Vieira
Produção Executiva: Monica Borges  
Assistente de fotografia: Harry Kong
Joias: Bulgari
Agradecimento: One 2 One