Esportes Tóquio 2020

Olimpíadas: Isaquias Queiroz brilha, domina prova e conquista a medalha de ouro na canoagem

Canoista se torna o 3º maior medalhista do Brasil na história dos Jogos Olímpicos e fica atrás apenas de Torbel Grael e Robert Scheidt, da vela
Isaquias Queiroz recebe a medalha de ouro no pódio da canoagem, em Tóquio Foto: MAXIM SHEMETOV / REUTERS
Isaquias Queiroz recebe a medalha de ouro no pódio da canoagem, em Tóquio Foto: MAXIM SHEMETOV / REUTERS

Quando saiu da Baía de Tóquio sem um lugar no pódio olímpico pela primeira vez na carreira ( ficou em quarto no C2 1.000m, em duplas ), Isaquias Queiroz foi às lágrimas e avisou: “Não quero sair daqui sem o ouro”. O canoísta é conhecido tanto por seu talento quanto pelas frases de impacto. Mas não é de jogar palavras ao vento. Ontem, elas se materializaram em medalha. A quarta em apenas duas Olimpíadas. E não uma qualquer. Foi a prometida e tão sonhada de ouro.

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Ela foi conquistada numa final impecável. O canoísta já saiu no pelotão da frente, disputou a ponta com o chinês Hao Liu até a marca dos 750 metros e, no trecho final, disparou sem dar chances aos rivais. Concluiu o trajeto em 4m04s408. O asiático ficou com a prata (4m05s724). O bronze foi para Serghei Tarnovschi, da Moldávia, que remou em 4m06s069.

— Gente, estou meio aéreo ainda. É diferente ganhar a medalha de ouro. Estou tão feliz. Mais ainda por estar deixando vocês do Brasil felizes com essa medalha que eu prometi e fui atrás — disse o canoísta, que ainda dedicou medalha a sua família e a todas as dos brasileiros vítimas da Covid-19 ao longo de mais de um ano.

— (Quero) Dedicar a vitoria às famílias brasileiras. Que perderam tanta gente para a Covid. Vários familiares morrendo. Dedico a cada uma dessas famílias que perderam entes queridos.

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Isaquias nunca negou a ambição de subir mais alguns degraus na galeria dos maiores medalhistas olímpicos do Brasil. E conseguiu. Agora, pertence a um grupo ainda mais seleto. Além dele, somente Gustavo Borges, na natação, e Serginho, do vôlei, também possuem uma prateleira com quatro medalhas.

Com 27 anos, o baiano ainda pode almejar mais em Paris-2024. Colecionador de medalhas por natureza, pode chegar às mesmas cinco de Robert Scheidt e Torben Grael.

Mas a medalha conquistada em Tóquio não atende apenas a ambições de projeção na carreira. Nos últimos três anos, Isaquias sempre reforçou que buscava a medalha para dedicar a Jesús Morlán, seu ex-treinador morto no fim de 2018 em decorrência de um câncer.

O sonho do brasileiro era conquistar dois pódios para que, de forma simbólica, o ex-técnico espanhol chegasse às dez medalhas (seu currículo já continha três com Isaquias e cinco com o atleta espanhol David Cal).

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— A gente veio com o objetivo de ganhar a medalha para o Jesus. Não alcançamos a décima, mas realizamos o sonho que ele queria de me fazer campeão olímpico — afirmou o baiano, acompanhado de seu atual técnico Lauro de Souza Junior, o Pinda, que usava uma camisa com os dizeres “Suso Morlán, o ouro é seu” e também foi homenageado pelo canoísta.

— Ele fez o que muita gente não acreditava, seguir trabalho do Jesus. Hoje ele demonstrou que não só era capaz disso como também de me botar no pódio.

Desde o início da disputa, na quinta-feira, Isaquias já tinha mostrado o quão pronto ele estava para alcançar este feito. Nas eliminatórias, fez o melhor tempo dentre todos os participantes: 3m59s894, pouco menos que dois segundos à frente do tcheco Martin Fuksa, filho de Petr Fuksa, ex-atleta da modalidade e dono de 11 medalhas em Mundiais no currículo.

Vento a favor

Ontem, já nas semifinais, viu que não estava sozinho. Além do talento, tinha a sorte de seu lado. Com um vento que favorecia justamente os atletas que remam pelo lado direito, como ele, e numa bateria que se mostrou mais fraca, precisou de bem menos para avançar às finais: 4m05s579. Para se ter uma ideia da diferença no nível de competitividade, com este tempo ele teria sido apenas o quinto da outra série. Melhor para o brasileiro, que pôde se poupar mais que os demais.

A mesma sorte não teve o alemão Sebastian Brendel. O maior rival de Isaquias nos últimos anos rema pela esquerda. Prejudicado pelo vento, terminou fora da final. Fatores climáticos à parte, o bicampeão olímpico da prova (Londres-2012 e Rio-2016) já não havia performado bem no primeiro dia. Mal nas eliminatórias, precisou disputar as quartas de final para confirmar presença na semi.

Maior rival, mas também amigo. Brendel fez questão de parabenizar o brasileiro pelo ouro. A canoagem aproximou os dois. Tanto que o filho do brasileiro foi batizado com o mesmo nome do alemão. Uma forma de homenageá-lo e de nunca esquecer qual era seu principal objetivo: superá-lo e ser campeão.

Com a tradicional pedra no sapato de fora, novos fatores surgiram no caminho entre Isaquias e o pódio. Faltando cerca de 1h20m para o início da final, o vento que o ajudara se transformou em chuva forte.

Quando as nuvens passaram, o vento favorável já não estava mais lá. A final seria disputada em condições iguais para todos. Mas nada que parasse um baiano que, quando criança, superou uma queimadura, a perda de um rim e até um sequestro. Nada poderia pará-lo.

— Foi um trabalho longo e dedicado. Este pedacinho de metal para um atleta significa muito. Principalmente dedicação. Larguei amigos e minha cidade (Ubaitaba-BA) para me dedicar à canoagem — concluiu Isaquias após o pódio. — São 12 anos de seleção me dedicando ao esporte. Hoje poder chegar neste local e representar o Brasil... Eu vi a Rebeca (Andrade, da ginástica) e o Italo (Ferreira, do sufe) e pensava “Tava faltando a minha (medalha de ouro)”. Eu queria isso e corri atrás.