RIO — A cesta com feijão, arroz, leite em pó, açúcar e ovo de Páscoa não poderia chegar em melhor hora na casa da família Souza. Desde o início da pandemia, Caroline Cristine Fernandes de Souza, de 24 anos, mãe de Miquéias, de 6, Micael, de 3, e Micaela, de três meses, viu as refeições ficarem cada vez mais escassas. Desempregado, o marido Wesley, de 27, passa o dia na cama por conta de uma infecção na perna esquerda, proveniente, segundo a mulher, de uma bala perdida que o atingiu no ano passado. É na casa de dois cômodos, inacabada, no alto do Morro do Chapadão, em Anchieta, no subúrbio do Rio, que Caroline recebe a voluntária Ana Caroline dos Santos, do Projeto Educar Mais, uma das 70 organizações do Movimento União Rio, numa campanha de combate à fome.
— As coisas estão bem difíceis. Recebo R$ 170 do Bolsa Família, mas só dá para pagar o botijão de gás e as fraldas da Micaela. Às vezes, faço um agrado para cada filho comprando um iogurte. Só não passo fome por causa da doação da cesta — diz Caroline.
Pandemia avança, fome aumenta e leva pessoas a se aglomerarem no Centro do Rio em busca de comida
O avanço da pandemia acentuou a pobreza nas favelas e periferias. As pessoas perderam empregos. Falta comida no prato. Nos últimos dias, com o agravamento da crise sanitária, os movimentos de combate à fome ressurgiram com força total, formando uma corrente de solidariedade.
A falta de comida foi tema do estudo “A Favela e a Fome”, realizado pelo Data Favela, da Central Única das Favelas (Cufa). A pesquisa, realizada entre os dias 9 e 11 de fevereiro, ouviu 2.087 moradores de favelas. Desde o término do auxílio emergencial do governo federal, em dezembro do ano passado, as doações caíram.
O levantamento do Data Favela revela que, de cada 10 pessoas entrevistadas, oito delas relataram que não teriam condições de se alimentar, caso não recebessem doações. Além disso, sete em cada 10 afirmaram que a pandemia fez piorar a qualidade da alimentação.
— É natural que doações diminuam à medida que as pessoas ficam sem saber quanto tempo a pandemia vai durar. Não importa o valor, mas o sentimento de comunhão. Doem. Isso faz a sociedade praticar a bondade. É o oxigênio que precisamos — opina Celso Athayde, presidente da Cufa.
Se em abril do ano passado, no início da pandemia da Covid-19, o Movimento União Rio conseguiu distribuir 67.801 cestas, beneficiando 282 mil pessoas, em fevereiro deste ano, só foi possível montar 3.020. Agora, os organizadores da campanha lançaram um desafio: arrecadar 50 mil cestas até abril.
— Sem auxílio emergencial e sem possibilidades de trabalho, as pessoas precisam das doações para garantir a alimentação de suas famílias — diz Daniella Raimundo, cofundadora do Movimento União Rio.
Numa campanha apoiada por artistas, o “Tem Gente Com Fome, Dá de Comer” se impôs uma meta: atender mais de 222 mil famílias cadastradas no Rio e em outros estados. Na ação, estão engajados movimentos como a Coalizão Negra por Direitos e Redes da Maré.
— O tema segurança alimentar é prioritário e urgente, por isso a mobilização de todos nessa corrente. Há casos de situações limite na Maré. Famílias que perderam um ente, renda e até a saúde mental. Nas favelas, a falta de políticas públicas expõe ainda mais esses casos — afirma Eliana Sousa Silva, diretora da Redes.
O Mesa Brasil Sesc RJ tenta estimular o aproveitamento de alimentos, sem desperdícios. O programa já existe há 20 anos e distribuiu 2,1 mil toneladas de comida no estado só no ano passado.
— Com a pandemia e o desemprego, diferenças sociais e carências básicas se agravaram, ficando ainda mais visíveis — explica Regina Pinho, diretora regional do Sesc RJ.
Quem quiser doar para o Movimento União Rio pode acessar o site clicando aqui. Para contribuir com “Tem Gente com Fome”, pode acessar esse link. O Mesa Brasil Sesc RJ disponibiliza o email mesabrasil@sescrio.org.br para contatos.
As reportagens sob o selo “Reage, Rio!” têm apoio institucional de Rio de Mãos Dadas, uma iniciativa da Fecomércio RJ.