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Por Stela Campos — De São Paulo


Nos primeiros meses da pandemia, o distanciamento social teve um efeito positivo para reduzir práticas abusivas nas relações de trabalho. Esse arrefecimento no assédio moral e sexual, no entanto, durou pouco e um levantamento obtido pelo Valor, baseado em 106 mil denúncias registradas em 347 empresas ao longo de 2020, mostra um aumento de 6,2% no número de casos registrados em relação a 2019. Foram 12.529 denúncias de assédio em 2020.

Os dados foram compilados pela ICTS Protiviti, consultoria de gestão de riscos, que administra canais de denúncias em companhias de diversos portes e segmentos no Brasil. “Existia uma falsa impressão que no home office essa situação diminuiria”, diz Fernando Scanavini, diretor de operações da ICTS. Segundo ele, no segundo trimestre de 2020, em período de maior impacto da pandemia, houve até uma redução de 22,7% das denúncias, mas no fim do ano os relatos retornaram a patamares similares aos do início do ano.

Os desvios de conduta no ambiente corporativo não foram superados no trabalho remoto. “Os ofensores se adaptaram ao chamado novo normal”, diz Scanavini. Metade das denúncias registradas em 2020 nas companhias pesquisadas foram relacionadas a relacionamentos interpessoais, sendo que 21,4% do total são identificadas como assédio moral e sexual. O assédio sexual, por exemplo, continuou acontecendo só que de maneira virtual, entre câmeras. “O fato de as pessoas estarem em casa e a possibilidade de os encontros acontecerem apenas entre duas pessoas, sem as restrições que o ambiente corporativo impõe, de alguma forma, facilitou o assédio”, diz o diretor. “A internet dá uma sensação de impunidade”. Por outro lado, ele diz que os profissionais também estão mais sensíveis por estarem sós e conseguem perceber mais o que está acontecendo quando estão sendo assediados pelo chefe ou colegas. “Houve um filtro nas denúncias e as pessoas se manifestaram apenas em situações mais contundentes”.

A apuração das denúncias, no entanto, ficou mais difícil com o trabalho em casa e o distanciamento social. “Você não tem testemunhas porque tudo está acontecendo na tela do computador”. Por conta disso, o tempo médio para a conclusão de uma investigação sobre uma denúncia de assédio em 2020 subiu para 51,5 dias nas empresas pesquisadas, uma alta de 10,5% em relação a 2019. A maior parte das denúncias (58,8%) desde o início da pandemia foram feitas pela web e 30,8% pelo telefone. “O 0800 faz falta porque têm um papel importante nessa apuração. Quando alguém liga, um analista faz uma entrevista e extrai mais dados, inclusive sobre o estado de espírito de quem está denunciando”, diz o diretor. O levantamento mostra que 62,9% dos denunciantes o fazem de forma anônima.

Entre os denunciantes pesquisados, 57,5% são homens e 42,5% são mulheres. “Não é comum os homens estarem na frente. Acredito que eles se sentiram mais à vontade pelo fato de boa parte estar no home office, mas essa é uma suposição. Existem comportamentos que surgiram na pandemia que não são claros ainda e para entendê-los será preciso mais tempo de observação.”

A falta de testemunhas e de elementos suficientes para embasar uma denúncia, em razão de os procedimentos serem virtuais, com restrições operacionais e orçamentárias por parte das companhias, prejudicou a aplicação de punições. As demissões com ou sem justa causa caíram 18,6% no ano passado, comparado a 2019. Elas foram aplicadas em apenas 20% das denúncias consideradas procedentes. As medidas disciplinares mais utilizadas ainda são o feedback e a orientação, praticados em 65,3% dos casos. Os assediadores mais denunciados foram os gestores (62,4%), clientes (17,8%) e colegas de outras áreas (8,6%).

As denúncias também ganharam outras motivações ao longo da pandemia. Scanavini conta que no início 5% estavam relacionadas à falta de equipamentos de segurança, como máscaras e álcool gel. Conforme mais pessoas foram aderindo ao home office, surgiram denúncias relacionadas a abusos de jornada e falta de pausas no expediente. “O trabalho invadiu a casa dos funcionários e muitas pessoas passaram a não ter horários predefinidos para almoçar ou para terminar o trabalho. Essa disponibilidade constante pode ser configurada como assédio moral”.

Outro efeito identificado no levantamento da ICTS foi o aumento nas denúncias sobre roubos, furtos ou desvios de materiais. “A desocupação do ambiente de trabalho propiciou que acontecesse mais esse tipo de ocorrência”, diz. O número de fraudes identificadas em 2020 cresceu 62,7% em relação a 2019. “Podemos conectar essas denúncias à mudança na dinâmica do trabalho e fragmentação das operações”, afirma o diretor. Comparando o resultado de 2020 com levantamentos realizados pela ICTS Protiviti nos últimos cinco anos, as denúncias de assédio moral e sexual tiveram um crescimento de 187%. Um aspecto positivo, segundo Scanavini, é que percebe-se uma evolução no embasamento e nos detalhes oferecidos pelos denunciantes.

O Valor perguntou a três multinacionais (bens de consumo, telefonia e alimentação e bebidas) e a duas grandes empresas de tecnologia e de logística se as denúncias envolvendo casos de assédio ou falta de ética aumentaram na pandemia e como têm aprimorado os canais internos de denúncia. Quatro delas não quiseram responder.

A VLI, de soluções logísticas, disse que, em termos numéricos, a média de comunicações em seu “canal confidencial” permaneceu a mesma quando comparada ao cenário pré-pandemia. No entanto, a companhia notou o recebimento de mais situações relacionadas a estresse e ansiedade e de questões envolvendo o cumprimento de protocolos da covid-19. A empresa tem um comitê de ética e conformidade que trata de deliberações sobre eventuais desvios comportamentais. Também diz que promove treinamentos a funcionários, e específicos para a alta liderança, para cultivar um “ambiente íntegro”. No fim de abril, assinou o Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção, promovido pelo Instituto Ethos. O processo de carreira também leva em conta comportamentos e atitudes éticas.

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