• Paulo Gratão
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Marina Faustino, dona da Turbantes Marina Faustino (Foto: Divulgação)

Marina Faustino, dona da Turbantes Marina Faustino (Foto: Divulgação)

Marina Faustino, 37, trabalhou por muito tempo em uma empresa varejista como vendedora e tem facilidade com o atendimento ao público. Quando saiu do emprego, há cerca de cinco anos, começou a representar produtos afro em feiras do setor. No mesmo período, ela passava por um processo de transição capilar e fazia os próprios turbantes para ir trabalhar. “As pessoas começaram a elogiar e eu vi como uma oportunidade para vender. Comecei a representar marcas e ainda ter a minha própria”, conta. Assim nasceu a Turbantes Marina Faustino.

A agenda de eventos de 2020 parecia promissora. Marina vende os produtos em convenções, eventos e feiras, como a Feira Preta, a maior do segmento de empreendedorismo afro no Brasil. No início do ano, Marina chegou a se mudar para uma casa maior para acomodar o ateliê, na região do Jardim Olinda, na zona sul de São Paulo, e poder receber mais clientes, mas foi surpreendida pela pandemia. “Essa é a única renda da minha casa, aí entramos em um período de maior dificuldade.”

A situação é parecida para a empreendedora Raquel Pérola Negra, 34, fundadora da marca de vestuário Pérola Negra, no Capão Redondo, também na zona sul da capital paulista. Ela já empreende há dez anos, mas tem a marca de roupas com a temática afro, que ela própria produz, há cerca de três. “Trabalhávamos muito em eventos e congressos voltados à temática afro. Com a pandemia, tudo parou e eu me vi em situação bem difícil”, diz.

A marca Pérola Negra trabalha em feiras e eventos voltados à temática afro (Foto: Divulgação)

A marca Pérola Negra vende em feiras e eventos voltados à temática afro (Foto: Divulgação)

O melhor período do ano para Raquel é justamente o segundo semestre do ano, mais precisamente novembro, quando é celebrado o Dia da Consciência Negra. “Em novembro ocorreria o congresso de professores negros em São Paulo e a Feira Preta, que provavelmente não teremos esse ano. E fazíamos bastante viagens também.”

Marina e Raquel estão no grupo de empreendedores mais afetados pela pandemia, de acordo com pesquisa recente divulgada pelo Sebrae, em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV). Segundo o levantamento, 36% das empreendedoras negras estão com a atividade interrompida. Entre as empresárias brancas, essa proporção cai para 29%, e 24% entre os homens brancos. Entre os homens negros, essa média é de 30%.

A maior dificuldade apontada é que, para 27% das empreendedoras negras, o negócio só consegue funcionar presencialmente. 

Para tentar diminuir os impactos da crise para empreendedores negros e periféricos, a coalizão Éditodos, que reúne vários atores do ecossistema do afroempreendedorismo no Brasil, criou o Fundo Emergências Econômicas, em março. Até o momento, cerca de 200 empreendedores já foram beneficiados com cerca de R$ 1,5 mil cada. A meta é chegar a até 500 pequenos negócios.

A iniciativa já captou, no total, cerca de R$ 1 milhão de grandes empresas, como Assaí Atacadista, Fundação Arymax, ICE, Instituto C&A, Itaú-Unibanco, Itaú Social, JP Morgan, Mercado Livre e Semente Oré, para ajudar principalmente jovens e mulheres empreendedoras em dez estados e no Distrito Federal. 

“A captação está sendo feita em parceria com o Fundo Baobá, e os valores arrecadados serão distribuídos em ondas de investimento. Cada organização será responsável pela divulgação e distribuição dos recursos em suas comunidades, os quais serão direcionados a empreendedores que já tenham participado de projetos e programas oferecidos por tal instituição”, explica Fernanda Ribeiro, diretora executiva da Afrobusiness, uma das organizações fundadoras da Éditodos.

Além do dinheiro, os beneficiados participam de um programa de mentoria para que possam utilizar os recursos de forma mais sustentável para o negócio.

A própria Raquel faz as peças da Pérola Negra (Foto: Divulgação)

A própria Raquel faz as peças da Pérola Negra (Foto: Divulgação)

Foi com essas mentorias, de finanças e marketing digital, principalmente, que Marina e Raquel conseguiram desenvolver a venda por redes sociais. Marina passou a utilizar a página pessoal no Instagram para apresentar os produtos e enviar via Sedex. “O marketing digital é meio novo para mim. Sempre trabalhei no olho a olho, colocando turbante na cabeça. Não sabia exatamente como fazer isso à distância”, comenta.

Ela ainda está adequando o processo, pois o custo do frete pode sair mais alto do que o produto em si. "O faturamento chegou a apenas 3% do que tinha antes, até agora." Mas o novo canal já permite que ela consiga enxergar um novo horizonte para o negócio.

Raquel já vendia online, mas esse não era o principal canal. “Eu fazia mais os serviços na rua, não tinha paciência para a internet.” No começo da pandemia, o faturamento da Pérola Negra chegou a cair 80%, mas ela conta que já conseguiu recuperar cerca de 30% com as vendas por redes sociais.

Quando recebeu a ajuda financeira, ela optou por comprar mais matéria-prima para fazer seus produtos, mesmo com as contas se avolumando. “Se eu só usasse o dinheiro para pagar as contas, acabaria. Agora, consigo ganhar mais dinheiro, pelo menos.”

Fernanda, do Afrobusiness, explica que negócios como os de Marina e Raquel têm conseguido se manter com um apoio em rede e que o objetivo da iniciativa é ajudar os empreendedores a passar por esse período e prepará-los para o pós-pandemia, que ainda deverá trazer desafios. “A sustentabilidade financeira desses negócios é um problema que precede a crise. Esses empreendedores, normalmente, não possuem acesso a crédito e, quando possuem, muitas vezes são direcionados às opções mais caras. Sendo assim, os impactos serão mais severos.”