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'Estava na hora errada e no lugar errado', diz delegado sobre jovem negro preso após comprar pão

Entregador foi preso no Jacarezinho sob suspeita de associação com o tráfico; vídeo mostra a inocência de Yago, o que levou a pedido de soltura
Yago Corrêa, de 21 anos, foi preso quando saiu para comprar pão Foto: Redes sociais
Yago Corrêa, de 21 anos, foi preso quando saiu para comprar pão Foto: Redes sociais

RIO — O delegado assistente da 19ª DP (Praça da Bandeira), Marcelo José Borba Carregosa, que está cuidando do caso do entregador preso no último domingo, no Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, após sair de uma padaria , afirmou que Yago Corrêa de Souza, de 21 anos, "estava na hora errada e no lugar errado". Carregosa destacou que "houve um erro" e que a versão apresentada pela família do jovem negro detido era verdadeira. Por fim, o delegado pediu que o juiz da custódia liberasse Yago, o que acabou sendo determinado na inicio da tarde desta terça-feira.

Yago Corrêa de Souza, de 21 anos, foi detido por, supostamente, estar associado ao tráfico de drogas após correr com a aproximação de carro da polícia
Yago Corrêa de Souza, de 21 anos, foi detido por, supostamente, estar associado ao tráfico de drogas após correr com a aproximação de carro da polícia

Só após a prisão, a Polícia Civil reconheceu que Yago havia sido preso de forma equivocada. Carregosa declarou que "muitos elementos foram levados" em consideração para o pedido de soltura do entregador, o que deve ocorrer ainda nesta terça-feira, após audiência de custódia na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, também na Zona Norte.

“Ele foi julgado pela aparência e pela cor. Em nenhum momento eles querem saber quem somos. Somos negros e quando saímos pela comunidade somos suspeitos sempre”

Jorge Luís Silva de Souza
Tio de Yago

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Juntamente com Yago, foi apreendido um adolescente que, segundo policiais do Batalhão de Polícia de Choque (BPChq), estava com uma bolsa com 32 pinos de cocaína, 32 papelotes de skunk (maconha mais potente) e 58 papelotes de maconha. De acordo com agentes, Yago teria corrido juntamente com o menor, o que os levou a acreditar que estivessem juntos em fuga. A Secretaria de Estado de Polícia Militar (SEPM) afirmou que os dois  foram conduzidos à 25ª DP para o registro da ocorrência e ressaltou que a abordagem de rotina respeitou todos protocolos e normativas previstas na atuação policial, "não havendo qualquer inconformidade com a atuação da equipe em policiamento".

O jovem foi levado sob suspeita de estar associado ao tráfico de drogas no Jacarezinho, comunidade que está ocupada desde 18 de janeiro como parte do programa Cidade Integrada. Porém, de acordo com o delegado assistente, não ficou comprovado qualquer relação entre o entregador e o menor. Carregosa disse que "era preciso acender um sinal amarelo para evitar uma injustiça".

Imagens de câmeras de segurança mostram o momento em que Yago entra em uma padaria para comprar pão para um churrasco de família . Parentes do jovem negro contam que ele é inocente e que, no momento da prisão, Yago apenas tinha passado em uma farmácia para se abrigar de uma "correria de policiais militares".

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As imagens reforçam a versão da família. Em um dos vídeos, feito na padaria, às 19h34m, Yago aparece de bermuda jeans e camisa do Flamengo comprando pão. O vídeo mostra a atendente servindo ao menos sete pães a Yago, que pega o pedido e caminha em direção à porta do estabelecimento.

A outra gravação é de câmeras da farmácia para onde familiares do jovem e uma testemunha contam que Yago correu ao notar uma confusão na rua envolvendo policiais militares.

Nas imagens da drogaria, não é possível saber qual é o horário em que Yago aparece entrando às pressas na drogaria e com as mãos levantadas, como se estivesse se rendendo. Em uma das mãos ele segura o saco com pães. Em seguida, um PM com um fuzil também entra no local apontando a arma na direção de Yago. Na sequência, o jovem é levado pelo policial militar enquanto outras pessoas observam a cena.

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'Negro na favela sempre é considerado como suspeito'

O carpinteiro Jorge Luís Silva de Souza, de 39 anos, tio do rapaz, contou que "Yago é muito tranquilo, prestativo e nunca teve problemas com ninguém". Ele relata ainda que "negro na favela sempre é considerado como suspeito".

— O negro não tem oportunidade na comunidade e a gente só vê negro preso. Negro sem oportunidade é visto como bandido na comunidade. Ele foi julgado pela aparência e pela cor. Em nenhum momento eles querem saber quem somos. Somos negros e quando saímos pela comunidade somos suspeitos sempre — disse o carpinteiro, que completou:

— Essa polícia da proximidade que o governador prometeu é uma balela. Ela não existe lá no Jacarezinho — desabafou.

“É mais um negro morador de favela sendo açoitado pela polícia. Queremos reparar essa injustiça pelo estado. Essa prisão é ilegal e gera um dano moral para a família. Infelizmente, vivemos no Brasil e as piores coisas acontecem com os negros e gays”

Vivaldo Lúcio da Silva Neto
Advogado

O advogado Vivaldo Lúcio da Silva Neto criticou a postura da PM e disse que o próprio delegado reconheceu que o seu cliente é inocente:

— Havia uma dúvida e por isso o delegado pediu a soltura. Vivemos uma aberração neste estado. Um jovem negro e de favela preso injustamente. Jovens negros presos e mortos diariamente. Infelizmente, esse é o Brasil atual. Os próprios policiais civis dizem que ele estava no local errado e no momento errado. É mais um negro morador de favela sendo açoitado pela polícia. Queremos reparar essa injustiça pelo estado. Essa prisão é ilegal e gera um dano moral para a família. Infelizmente, vivemos no Brasil e as piores coisas acontecem com os negros e gays.

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A defesa de Yago falou pela primeira vez com o rapaz na manhã desta terça-feira. Vivaldo Lúcio contou que o entregador está “tranquilo e confiante”. Ele denuncia que o jovem, infectado com tuberculose há pelo menos seis meses, está em uma cela com diversos presos. O jurista teme que seu cliente transmita a doença para outras pessoas ou que seja contaminado com outras bactérias. O advogado diz que só hoje o jovem receberá os comprimidos do tratamento.

— O Yago está tranquilo e confiante que será feita a justiça. Mas tem um grande risco de ele transmitir a tuberculose para outras pessoas ou pegar outra doença. Ele ainda não tomou a medicação. É uma questão de saúde. Ele está junto com todos os presos sem doenças. Essa é uma questão que a Seap precisa responder — denuncia Vivaldo Lúcio.

O advogado diz que o jovem está “abalado psicologicamente e não consegue entender o que aconteceu”.

— Ele só quer sair daqui o mais rápido possível.