Colunas de Caroline Prolo

Por Caroline Prolo

Advogada especialista em direito ambiental e direito das mudanças climáticas.

São Paulo


Um dos maiores problemas enfrentados pelo mercado voluntário de carbono hoje é a falta de um entendimento e de uma visão compartilhada de todos os atores sobre o papel da “compensação” de emissões para apoiar o alcance de metas “net zero”.

Isso leva também a uma grande confusão com o uso de todas essas palavrinhas: o que é ser net-zero, carbono neutro, ou o que se quer dizer com neutralizar ou compensar emissões. Vamos tentar entender isso um pouco melhor.

Tudo começou com... o Acordo de Paris da ONU sobre mudança do clima, assinado em 2015. O Acordo prevê uma meta global de controle do aumento de temperatura global, que deve ficar “bem abaixo de 2ºC em relação aos níveis pré-industriais” com “esforços para limitar esse aumento da temperatura a 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais”. Os países devem assim apresentar suas metas individuais de limitação de emissões de gases de efeito estufa (GEE) com o objetivo de contribuir para essa meta coletiva de limitação de aumento de temperatura. A meta individual de cada país é chamada NDC (de Contribuição Nacionalmente Determinada, ou a sigla em inglês para Nationally Determined Contributions).

Assim, para que seja possível se manter no limite de aumento de temperatura global, o Acordo prevê a necessidade de os países formularem suas metas de modo a atingirem seus “picos” de emissão de GEE o quanto antes, e depois passarem a imediatamente reduzir as emissões até “alcançar um equilíbrio entre as emissões antrópicas por fontes e remoções por sumidouros de gases de efeito estufa na segunda metade deste século”.

Esse é o conceito mais aceito de net-zero emissions, ou emissões líquidas zero. Na perspectiva do Acordo de Paris, portanto, é o ponto em que todas as emissões de GEE emitidas pelos humanos serão contrabalanceadas pela mesma quantidade de remoção de GEE da atmosfera.

Vejam, portanto, que antes de se neutralizar as emissões de GEE com a mesma quantidade de remoções, é preciso reduzir as emissões, de modo que somente as emissões residuais precisem ser neutralizadas. E tudo isso com o horizonte temporal até a metade do século.

A prática corporativa antes consistia em simplesmente compensar todas as emissões de GEE com a aquisição de créditos de carbono (que podiam tanto ser advindos de projetos de emissões evitadas ou de projetos capazes de remover carbono da atmosfera), para isso muitas vezes usando protocolos e standards internacionais que buscam certificar empresas e produtos como “carbono-neutros”.

Hoje, com o avanço da ciência do clima e as disposições do Acordo de Paris, há diversos movimentos – inclusive o “Ambição Net Zero”, liderado pelo Pacto Global da ONU - para que as empresas primeiramente busquem se descarbonizar, promovendo metas de redução de suas emissões de GEE, de forma consistente com a ciência. Para orientar esse processo de elaboração de metas e planos de descarbonização pelas organizações, surgiu um protocolo chamado Science-Based Targets (SBT). O SBT ajuda as empresas a estabelecerem metas de redução de emissões consistentes com o nível de descarbonização necessário para se manter o aumento de temperatura global em até 1,5ºC, considerando as emissões diretas (também conhecidas como Escopo 1) e indiretas (emissões de consumo de energia – Escopo 2 —, e emissões da cadeia de fornecimento – Escopo 3).

As empresas que aderem ao SBT podem assim dizer que possuem metas de descarbonização baseadas na ciência. Embora esse seja um passo importante, e o SBT seja uma ferramenta útil, notem que ainda assim ela não é um protocolo para orientar a adoção de metas net-zero pelas organizações. Relembrando: o que queremos dizer com net-zero mesmo? É a meta de atingir uma escala substancial de redução de emissões em toda a cadeia de valor ao longo do tempo e neutralizar o impacto de quaisquer emissões residuais.

Ocorre que para a adoção de metas net-zero hoje simplesmente não existem protocolos. O SBT está em processo de consulta para criar um protocolo net-zero, e também o ISO está desenvolvendo um standard internacional similar – o ISO 14068 – que busca superar as inconsistências do mercado e capturar o estado-da-arte da ação para neutralidade climática.

Nesse sentido, até surpreende que tantas empresas tenham assumido compromissos dessa natureza, pois não há hoje uma resposta clara sobre como uma organização pode se encaminhar para uma trajetória net-zero.

Para adicionar a essa problemática, discussões mais difíceis giram em torno de como fazer a compensação das emissões residuais, e qual é o papel dos créditos de carbono nesse processo.

Como visto, o conceito de net-zero do Acordo de Paris pressupõe que a neutralização ocorre quando as emissões de GEE são balanceadas com a mesma quantidade de remoções por sumidouros. Isso parece significar que créditos de carbono advindos de projetos de emissões de GEE “evitadas” – ou também chamadas reduções de emissões certificadas, assim consideradas com base em um cenário projetado de emissões - não teriam a capacidade de neutralizar emissões.

Os Oxford Principles for Net Zero Aligned Carbon Offsetting apresentam recomendações nesse sentido, indicando que as empresas façam a transição para a compensação por meio de atividades de remoção de carbono, pois essas é que tem a capacidade de retirar carbono diretamente da atmosfera. Os princípios recomendam que os usuários de créditos de compensação realizem uma transição, gradualmente aumentando o percentual dos créditos de atividades de remoção de carbono até que atinjam 100% no ano de 2050. A iniciativa também recomenda que sejam priorizadas atividades de remoção com armazenamento de longa duração, como as tecnologias DACCS (Direct Air Carbon Capture and Storage) e BECCS (Bio-Energy with Carbon Capture and Storage), em lugar dos sumidouros de “curta duração”, como as atividades de reflorestamento e reforço de carbono no solo, que tem um maior risco de “reversão” no curto prazo.

Mas não é só isso. Depois de se atingir a neutralidade climática, o objetivo é se atingir emissões líquidas negativas (net-negative emissions), ou seja, remover mais carbono da atmosfera do que a quantidade que emitimos, e por isso as atividades de remoção de GEE devem continuar desempenhando um papel fundamental na nova economia. Que atividades são essas? São atividades de sequestro de carbono por meios biológicos, como o plantio de árvores e manejo de solo que melhore a capacidade de armazenamento do carbono no solo, por meios de engenharia, como o uso de bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS), e meios geológicos, como a captura e armazenamento direto de ar (DACCS) ou conversão do carbono da atmosfera em rocha pelo processo de remineralização.

Todas essas metodologias e referenciais teóricos, contudo, ainda estão em estudo e constante adaptação. Com os dados científicos mais recentes – e assustadores - do Relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), esse processo gradual de transição para neutralidade climática precisa ser acelerado, e inclusive os critérios de compensação de emissões por meio de créditos de carbono de emissões evitadas estão sendo revistos.

Enquanto isso, vemos começar um movimento de litigância, com a ação judicial recém proposta pelo Australasian Centre for Corporate Responsibility (ACCR) contra a Santos Ltd, produtor de óleo e gás na região da Ásia-Pacífico, na corte federal da Austrália. A ACCR questiona a veracidade das declarações prestadas pela Santos em seus relatórios anuais de que, como produtor de gás natural, provê “energia limpa” e que possui um “plano claro e confiável” para atingir emissões “net-zero” até 2040. Esse é o primeiro caso judicial do mundo em que se questiona a veracidade da meta "net-zero” de uma companhia.

É extremamente desejável que o setor privado assuma compromissos de descarbonização e/ou metas net-zero hoje, mas certamente não é uma medida trivial e tem que ser adotada com muita seriedade e transparência, inclusive em relação aos desafios metodológicos e de padronização das métricas. Estamos todos no mesmo barco, aprendendo a desenvolver políticas corporativas de descarbonização consistentes com a ciência e a integridade ambiental, ao mesmo tempo em que criando um ambiente mais seguro e transparente para o compartilhamento desses compromissos e informações. A credibilidade e longevidade dos mercados de carbono voluntários inclusive depende da confiabilidade, robustez e embasamento técnico desses compromissos climáticos empresariais.

Caroline Prolo é sócia do Stocche Forbes Advogados especialista em Direito Ambiental

Caroline Prolo — Foto: Arte sobre foto Divulgação
Caroline Prolo — Foto: Arte sobre foto Divulgação
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