• Agência O Globo
Atualizado em
O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

A maior parte do comércio formal no Rio de Janeiro está fechado há 75 dias por conta da pandemia da Covid-19, mas o prefeito Marcelo Crivella decidiu liberar a volta das atividades dos camelôs legalizados já nesta primeira fase de reabertura do município. Ao todo, a cidade tem cerca de 14 mil camelôs licenciados nas ruas, em camelódromos e também na orla. Entre os vendedores, estão desde comerciantes de roupas e acessórios de celulares a aqueles que vendem churrasco na rua, por exemplo.

A medida está valendo desde a terça-feira, data do início do plano, quando Crivella publicou no fim da noite uma edição extra do Diário Oficial do Município, oficializando o plano de abertura que havia sido divulgado à imprensa na segunda. A minuta original não previa os camelôs na primeira fase quando foi divulgado aos jornalistas e numa apresentação ao presidente da Fecomércio, Antonio Florencio de Queiroz Junior, em uma reunião virtual com o prefeito Marcelo Crivella na última sexta-feira. Representantes dos shoppings centers e da indústria também participaram da apresentação.

Mesmo antes do decreto de Crivella, muitos ambulantes já estavam nas ruas vendendo suas mercadorias. A alegação dos comerciantes é que, como são informais, só sobrevivem se trabalharem nas ruas.

A poucos quilômetros da sede da prefeitura do Rio, foi possível observar, nesta quarta-feira, dezenas de barracas em frente à Central do Brasil. A mesma situação acontece na Taquara e na Praça Seca, bairros da Zona Oeste, e em Madureira, na Região Norte.

Enquanto isso, no Comércio Popular da Uruguaiana, no Centro do Rio, boa parte das lojas estão funcionando causando muita aglomeração.

Desempregado e ambulante há mais de 10 anos, Wagner Pereira dos Santos, 40, disse que só conseguiu ficar em casa por alguns dias – quando conseguiu o auxílio de R$ 600 do governo federal. Entretanto, há dois meses ele voltou para as ruas.

— Tenho três filhos, um deles com três meses. Só o meu aluguel é R$ 350 e fora as outras contas. Com R$ 600 eu não iria sobreviver e muito menos iria conseguir manter a minha família — justifica Wagner para voltar a instalar sua barraca em uma das calçadas da Estrada do Tindiba, na Taquara.

Ao lado de sua barraca, dezenas de barracas causavam aglomeração. Nenhum dos ambulantes dispunham de álcool em gel para os clientes, como determina o decreto.

— Reabrindo o comércio (formal e informal) e a população respeitando, acho que não tem problema. O que adianta deixar a gente fechado se tem comerciante formal que não está respeitando as regras? — afirma Wagner.

Em Madureira, na Estrada do Portela, muitas lojas de cosméticos estavam com portas entreabertas. Pelas calçadas era possível observar várias barracas espalhadas.

Ao meio-dia, a reportagem observou uma vistoria da Secretaria municipal de Ordem Pública em um Centro Comercial do bairro. Uma loja de cosmético foi autuada por estar com um toldo irregular na calçada. Ao notarem a presença da Guarda Municipal muitos ambulantes recolheram seus produtos e saíram.

Morador de Madureira, o produtor de eventos Renato Nunes, 31, afirma que o comércio formal e informal só deixou de funcionar em março. De lá para cá, é comum encontrar as ruas do bairro lotadas.

— Só no início, em março, que Madureira ficou deserta. Tudo fechado, inclusive até estranhamos porque estava tudo fechado. Inclusive, não tinha ambulantes nas ruas. Depois disso, a rotina voltou ao normal — contou o produtor de eventos.

Renato considerada errada a decisão da prefeitura do Rio em flexibilizar a quarentena e autorizar a reabertura dos comércios:

— Estamos vivendo um momento muito complicado e com um aumento exponencial dos casos no município e no estado. Não é o momento de abertura de comércio.

O assessor da presidência da Fecomércio, Marcelo Novaes, diz que a liberação dos ambulantes não segue algumas premissas do plano, que inclui priorizar no processo de reabertura atividades econômicas que geram emprego e renda. Pelo decreto, as atividades dos shoppings só podem ser retomadas (parcialmente), na segunda-fase. E o comércio de rua, na terceira etapa. O intervalo entre as fases é de 15 dias. Esse prazo pode ser revisto e até mesmo adiado caso haja um novo crescimento no número de casos de Covid na cidade, lotando as vagas disponíveis nas redes de saúde:

– A própria decisão de deixar o comércio de rua por último é algo que questionamos. Com essa medida, o comércio de rua, que atende a todas as classes sociais, vai ficar parado por mais um mês. Ao todo, serão mais de 100 dias de atividades paralisadas. Pode ser que parte do setor não suporte ficar fechado tanto tempo. Nós já perdemos o faturamento do Dia das Mães. Agora, com essa medida, também o Dia dos Namorados. Não houve sensibilidade na avaliação do prefeito sobre nossas demandas – disse Marcelo.

O presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio do Rio (Sind-Lojas) e do Clube de Diretores Lojistas (CDL), Aldo Gonçalves, também argumentou que a medida não seguiu os critérios pensando na economia da cidade. Ele lembrou que o comércio formal do Rio tem 30 mil estabelecimentos nas ruas e shoppings. Ele também acusa a prefeitura de não fiscalizar adequadamente o comércio ambulante antes mesmo do decreto.

– Só posso definir essa medida como populista. Mais do que um absurdo, essa decisão é um escândalo. Essa é mais uma daquelas decisões que comprovam que o Rio vive em um inferno astral. Antes do decreto, havia camelôs trabalhando sem ser incomodados em bairros como Madureira, Jacarepaguá e Bonsucesso, enquanto o comércio formal permanece fechado A gente defendia que as lojas de rua voltassem primeiro até mesmo antes dos shoppings pela quantidade de pessoas que empregam. Em nenhum lugar do mundo foi assim. Sem contar outras incoerências. Qual o critério para permitir a reabertura de revendedora de automóveis e lojas de móveis e decoração e deixar outro tipo de atividade de portas fechadas – questionou Aldo.

O decreto do prefeito diz que os ambulantes deverão seguir regras de ouro estabelecidas pela Vigilância Sanitária da prefeitura. A lista de exigências inclui: higienização constante das mãos, uso obrigatório de máscara, fornecer álcool gel para os clientes e manter um distanciamento mínimo entre os clientes entre dois e quatro metros.

– É óbvio que os ambulantes dificilmente vão cumprir todas essas exigências. O setor formal é quem tem condições de atender a essas exigências – acrescentou Aldo Gonçalves.

Ao mesmo tempo em que a prefeitura flexibilizou as restrições que eram impostas aos comerciantes, reforçou medidas para evitar aglomerações em centros de bairro, como uma forma de tentar dificultar a reabertura do comércio formal, sem autorização. No mesmo decreto, o prefeito decidiu prorrogar por pelo menos mais duas semanas, os bloqueios em 13 pontos da cidade.

Além de revendedoras de veículos e lojas de móveis, podem abrir setores da economia que já estavam funcionando por serem consideradas atividades essenciais, como padarias, supermercados, lojas de conveniência dos postos de combustíveis e lojas de material de construção.

A assessoria de Crivella foi procurada pela manhã para explicar o motivo da inclusão dos ambulantes, mas ainda não respondeu.

Outra medida que não constava da Fase 1 na versão que havia sido apresentada à imprensa foi a permissão para a retomada de todas as atividades relacionadas à construção civil. Estão liberadas: construção de casas e prédios, reformas, fundações em construções, construção naval e congêneres.