Fernando Campana, um dos mais proeminentes designers brasileiros, morreu nesta quarta-feira (16), em São Paulo. A informação foi divulgada em nota pelo perfil oficial do Estúdio Campana nas redes sociais. A causa da morte não foi anunciada.
O gosto pelo teatro levou Fernando Campana, paulista de Brotas, nascido em 1961, ao curso de Arquitetura e Urbanismo na Faculdade de Belas Artes de São Paulo, com o objetivo de trabalhar com cenografia. Formou-se em 1984, mas, por volta da mesma época, iniciou a longeva parceria com o irmão Humberto. Juntos, conceberam uma série de cadeiras de metal, que deu origem à sua primeira coleção, chamada Desconfortáveis.
A mostra chamou a atenção da revista italiana Domus, que publicou uma matéria elogiando a originalidade e a irreverência dos dois. Foram convidados, então, para desenvolver peças para a grife Edra, também italiana. Mais tarde, no final da década de 1990, uma exposição no MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York, ajudaria a despertar ainda mais interesse por seu trabalho. E o sucesso da dupla não parou por aí: também ganhou mostras individuais na Europa e, com o passar dos anos, peças dos irmãos Campana passaram a figurar em acervos permanentes importantes, como o do centro Georges Pompidou, na capital francesa, o do Design Museum, em Londres, e o do Museu de Arte Contemporânea de Tóquio.
A quatro mãos, e movidos pelo inconformismo, construíram uma carreira sólida, destacando-se em movelaria, mas desenvolvendo projetos também em escultura, joalheria, cenografia, design de interiores e paisagismo. Em todas as áreas, deixaram sua marca com propostas arrojadas, uso criativo de materiais ordinários – como plástico, borracha e papelão – e valorização de técnicas manuais tradicionais. Nem mesmo quando a dupla assinou trabalhos para o universo do luxo o apelo dos elementos populares e acessíveis – cujo potencial para o design até então passava despercebido – saiu de cena. Se fazia sentido conceber uma poltrona com restos de madeira colados, brincos de ouro e brilhantes também poderiam ostentar porções de fibra natural.
Esse repertório peculiar foi um dos fatores responsáveis por tornar o Estúdio Campana, ou Campana Brothers, a marca de design brasileira mais famosa do globo – ao ponto de a poltrona Banquete ser arrematada por mais de 50 mil euros na exclusiva casa de leilões Sotheby’s. Reconhecidos em todo o mundo e também no Brasil por sua “estética da gambiarra”, como descreveu o artista visual Vik Muniz, os irmãos disseminaram sua interpretação particular da identidade nacional, e assim tornaram-se figuras midiáticas e populares, capazes de alcançar um público mais amplo que o restrito a especialistas e profissionais do segmento.
Em 2009, fundaram o Instituto Campana, que, além de preservar seu legado, busca promover a inclusão social por meio de programas educativos em arte. Entre 2020 e 2021, a exposição Irmãos Campana – 35 Revoluções, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, celebrou sua trajetória com peças inéditas e, pela primeira vez, obras assinadas individualmente por Fernando e Humberto.
Mais recentemente, nostálgicos e sensibilizados pela importância da origem em uma pequena cidade do interior paulista – quando foram apresentados a diferentes técnicas de artesanato, bordado, carpintaria e serralheria, entre outras –, Fernando e Humberto passaram a planejar uma nova maneira de retribuir à comunidade de sua terra natal. A ideia é destinar um sítio recebido por eles de herança para a construção de um novo centro cultural em Brotas, SP, dedicado a celebrar suas tradições vernaculares. Além da vasta área reservada à preservação ambiental, imaginam erguer mais de 10 pavilhões na propriedade, onde funcionará o museu a céu aberto, um jardim e uma escola.
Principais obras
Cadeira Hate (1989)
Item da exposição Desconfortáveis, cujas peças refletiam o impacto sentido pela dupla com o fim da ditadura militar no Brasil e a vontade de explorar a imperfeição no design.
Poltrona Favela (1991)
Inspirada na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, celebra a assimetria, a imperfeição. É toda construída com pedaços de madeira reaproveitada, colados em arranjo casual, o que torna cada peça ligeiramente diferente das demais.
Cadeira Vermelha (1993)
A síntese da sinergia entre eles: Humberto sugeriu o uso de cordas (são 500 metros) como matéria-prima, Fernando bolou a estrutura. A peça marcou também o início da parceria com a Edra: os irmãos, inclusive, tiveram de gravar um vídeo para ensinar os italianos como construí-la.
Poltrona Banquete (2002)
Elementos populares são reinterpretados em uma das peças mais conhecidas dos irmãos. Aqui, os animais de pelúcia saem do contexto infantil e passam a fazer referência à cadeia alimentar — daí o banquete.
Campanas at the Garden (2007)
A mostra realizada no Victoria and Albert Museum, em Londres, reuniu instalações de bambu e bancos Victoria Regia.
Café Campana (2011)
Localizada no Museu D'Orsay, em Paris, a cafeteria teve seu interior redecorado por Fernando e Humberto, que buscaram inspiração no art nouveau e no romance Vinte Mil Léguas Submarinas, de Júlio Verne.
Bulbo (2012)
Faz parte da coleção Louis Vuitton Objets Nomades, em que a marca fashion convidou designers para desenvolver objetos em parceria com seus artesãos, num exercício criativo sobre a ideia de viajar.
Banco Dois Irmãos (2019)
Como o nome sugere, o móvel, que reúne duas cadeiras envoltas por uma estrutura de arame e vime, comemora os 35 anos do Estúdio Campana. Vencedor do Prêmio Casa Vogue Design 2020 na categoria Design de Coleção.
Candy Sculpture Ring Chandelier (2015)
Resultado da parceria da Campana Brothers com a tradicional marca de vidro soprado tcheca Lasvit, o pendente da coleção Candy é inspirado numa memória de infância: os doces vendidos nas feiras livres de Brotas, SP.
Fernando Campana no Casa Vogue Experience
A base criativa dos Irmãos Campana | Casa Vogue Experience
Em palestra durante o Casa Vogue Experience 2017, Fernando contou o que inspira as peças assinadas por ele e pelo irmão, confira trecho no vídeo acima e a matéria completa aqui.