05/07/2015 15h55 - Atualizado em 08/07/2015 08h45

Flip: Wisnik junta Mário de Andrade e política em apresentação emocionada

Conferência de encerramento neste domingo (5) teve canto comovido.
'Brasil joga juventude pobre, negra e mestiça no esgoto das prisões', disse.

Cauê MuraroDo G1, em Paraty

O crítico literário, ensaísta e músico José Miguel Wisnik em conferência na Flip (Foto: Divulgação/Flip)O crítico literário, ensaísta e músico José Miguel Wisnik em conferência na Flip (Foto: Divulgação/Flip)

José Miguel Wisnik juntou Mário de Andrade e política para terminar de modo arrebatador a conferência de encerramento da 13ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), neste domingo (5). O professor, ensaísta e músico foi aplaudido de pé ao dizer que o Brasil não trata a cultura e educação como se fosse "um luxo [acessível] para todos" e "faz de tudo para jogar a juventude pobre, negra e mestiça no esgoto das prisões".

 

Depois, esperou a plateia se sentar para cantar, comovido, o poema “Garoa do meu São Paulo”, do próprio Mário de Andrade, homenageado da Flip 2015. A primeira estrofe: “Garoa do meu São Paulo / Timbre triste de martírios / Um negro vem vindo, é branco / Só bem perto fica negro / Passa e torna a ficar branco”. Terminou com voz embargada o último verso: “Garoa sai dos meus olhos”.

Wisnik chegou a este assunto no fim da conferência, chamada “Mário de corpo inteiro”. Já tinha falado sobre a polêmica em torno da sexualidade do escritor, as origens familiares e de “Macunaíma”. Faltava falar do trabalho como organizador do departamento de cultura de São Paulo. Ou sobre “o projeto de Mário para a educação”

“Seria aquilo que nenhum partido político tem assumido com vontade política, que seria tratar a educação e cultura como [se fosse] para todos. Este é o projeto subjacente que faria o Brasil renascer de si mesmo”, afirmou Wisnik, em meio a críticas e observações sobre país de modo geral e ao povo local.

“Esta é a crença de alguém que acreditava que somos um povo criador, um povo que gosta de jogar, brincar, mas que que seria capaz de proezas civilizacionais incríveis.” Na sequência, veio a referência à redução da maioridade pena recentemente aprovada pela Câmera. Por isso citou “juventude” e “prisões”.

Mário 'amalucado'
Antes de Wisnik sair de cena, a organização ainda colocou um áudio de uma música popular cantada por Mário de Andrade, um dos raros registros de sua voz. Sobre isso, o convidado falou: "Nos finais de frase, a gente vê terminações efeminadas, que mostra uma delicadeza feminina na voz de barítono".

Ao lembrar que homenageado era filho de um casal de mulatos, comentou: "Um grande tabu brasileiro é a mestiçagem, que está no centro de uma sociedade escravista. A família do Mário estampa, antes de ele nascer, esse segredo brasileiro. Um secreto tácito. Todos sabem mas ninguém fala".

"Ele é a figura que traz à tona tudo isso que não está expresso: é o mulato, feio, que se torna grande, o rosto comprido, ao mesmo tempo estranho, amalucado para os padrões familiares."

Homossexual ou pansexual?
Ao longo da Flip, Mário de Andrade passou de homossexual a pansexual. Se na conferência de abertura Eliane Robert Moraes falou abertamente que a homossexualidade do autor deve ser considerada, durante outros debates do evento a pansexualidade foi ganhando terreno ("fazia sexo com árvores", disseram). Na conferência de abertura, esta última hipótese foi reforçada por Wisnik.

Ele chamou Mário de "introvertido agônico, conflituado, de certo modo dilacerado pelas contradições, um pequeno burguês aristrocrata e proletário".

Sobre a carta recentemente divulgada, na qual Mário de Andrade escreve a Manuel Bandeira sobre a "tão falada (pelos outros) homossexualidade", Wisnik disse que "não traz nenhuma revelação". "Na verdade, a vida sexual é um enigma aqui. Intraduzível e intrasferivel. O que ele quer dizer é que o físico é burro e não se esconde: 'O meu corpo diz, na verdade, que a minha pansexualidade é irredutível." Citou que Mário mencionava "a minha sensualidade monstruosa".

E meio que absolveu Oswald de Andrade, o escritor e amigo homofóbico com quem Mário rompeu (por uma série de razões). Wisnik lembrou que Oswald chegou a dizer coisas como: "Mário de Andrade parece Oscar Wilde... Se visto de costas".  Apontou a incorreção da frase, mas aliviou a de Oswald, recorrendo a Manuel Bandeira, para quem o autor do bullying era infantil.

Em carta a Mário, Bandeira escreveu sobre Oswald: "Que sujeito cínico, que filho da puta mais gostoso".

 
 
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