Jair Bolsonaro posta artigo sobre a Lei de Abuso de Autoridade em rede social

Jair Bolsonaro posta artigo sobre a Lei de Abuso de Autoridade em rede social

Dois dias depois de o ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello levantar o sigilo da gravação da reunião da ministerial do dia 22 de abril, o presidente Jair Bolsonaro publicou numa rede social um trecho de uma lei que prevê prisão para quem divulgar de forma indevida gravações. Juristas ouvidos pelo Fantástico e associação de juízes foram unânimes em afirmar que legislação brasileira apoia a decisão pela divulgação.

A publicação menciona a lei de abuso de autoridade. O presidente Jair Bolsonaro reproduziu o artigo que diz que: "divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado. Pena - detenção de um a quatro anos".

Mas Bolsonaro não fez referência a decisão do ministro Celso de Mello que permitiu a divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril. A gravação foi uma das provas indicadas por Sergio Moro na investigação da suposta tentativa do presidente Jair Bolsonaro de interferir na Polícia Federal.

O ministro, que é o relator do inquérito no Supremo, manteve o sigilo apenas em trechos da reunião em que há referências a dois países com relações diplomáticas com o Brasil. Fora isso, justificou a decisão de tornar pública a gravação.

O ministro Celso de Mello escreveu que manter o sigilo da reunião poderia comprometer o direito à ampla defesa e que a divulgação fortalece a transparência de atos públicos.

"Estender-se o manto do sigilo aos eventos que só a liberação total do vídeo seria capaz de revelar implicaria transgredir o direito de defesa de referido investigado, que deve ser amplo, além de sonegar aos eminentes senhores ministros do Supremo Tribunal Federal, aos ilustres senhores deputados federais e aos protagonistas deste procedimento penal o conhecimento pleno de dados relevantes, constantes da gravação em referência, vulnerando-se, frontalmente, desse modo, o dogma constitucional da transparência, instituído para conferir visibilidade plena aos atos e práticas estatais."

O ministro disse ainda que não verificou discussão de temas que tivessem relação com a segurança nacional, nem houve ofensa ao direito de intimidade dos participantes da reunião.

“Não vislumbro, na gravação em causa, matéria que se possa validamente qualificar como sendo de segurança nacional nem constato ofensa ao direito à intimidade dos agentes públicos que participaram da reunião ministerial em questão, mesmo porque inexistente, quanto a tais agentes estatais, qualquer expectativa de intimidade.”

Para o professor de direito constitucional Guilherme Peña, a decisão do ministro Celso de Mello não pode ser considerada abuso de autoridade:

“Na verdade, no que se referiu ao inquérito que tramita perante o STF, não parece haver invasão, muito menos cogitar-se da possibilidade de abuso de autoridade. Até porque é importante lembrar que democracia pressupõe diálogo, diálogos institucionais, diálogos de instituições democráticas. Na medida em que o STF, chamado para se manifestar, decide com o processo legal devido, satisfez garantias constitucionais, deu publicidade do ato processual e repito, à Constituição, retirando aquilo que, evidentemente, ligado à segurança não parece haver invasão.”

O jurista Walter Maierovitch também considera que não houve nenhuma ilegalidade na divulgação do vídeo. Ele explica que Celso de Mello argumentou exaustivamente os motivos para derrubar o sigilo.

“No caso concreto, o ministro Celso de Mello colocou exaustivamente os motivos constitucionais e ainda ressaltou que não havia ali questão de segurança nacional. Portanto, a decisão sob o ponto de vista jurídico, não é abusiva, não existe nenhum abuso, ilegalidade ou ilegitimidade constitucional. É uma garantia do magistrado. E o texto que ele mandou excluir, manter sob sigilo, ele explicou que era para evitar um eventual ou possível atrito a nível de relações internacionais. Mas nada de segurança nacional.”

A Associação dos Juízes Federais do Brasil, a Ajufe divulgou uma nota: “Quando o presidente da república divulga, em suas redes sociais, um trecho da lei de abuso de autoridade para, ao que tudo indica, ameaçar um ministro do Supremo Tribunal Federal, demonstra, de forma clara, a tentativa de criminalizar a atividade jurisdicional.”

Disse ainda que: “os demais poderes da república devem, como se espera, respeitar a isenção e a independência do Judiciário. Para qualquer questionamento às decisões judiciais, cabem os recursos previstos em lei. Não se pode admitir qualquer tentativa, ainda mais perante a população, que busque enfraquecer ou criminalizar a atividade jurisdicional”.

A Associação dos Magistrados Brasileiros também emitiu nota. Informou que “neste momento de crise, é fundamental respeitar e cumprir as leis, os princípios democráticos, e a separação harmônica entre os poderes, compreendendo que, no estado de direito, nenhum agente público está acima da legislação".

O professor de direito Marcelo Bonizzi explica que há exceções, casos que devem ser mantidos em sigilo, mas a própria Constituição Federal prevê que os processos serão públicos:

“A Constituição, no artigo 93 inciso nono, diz que todo processo é público, todos têm que ter acesso a tudo o que acontece dentro do processo por uma questão de transparência, por uma questão inclusive de proteção das pessoas que estão sendo objeto de algum tipo de acusação, seja civil ou criminal. Então, esse é o pressuposto, a publicidade dos processos em todos os seus atos e esse compromisso, o Poder Judiciário brasileiro tem se desincumbido de uma forma bastante intensa.”

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