Terra da Gente

Por Nicolle Januzzi


À esquerda a rã se torna verde para se reproduzir melhor durante à noite e à direita a espécie reflete a luz verde para se camuflar através da interação de um complexo protéico azul, com células pigmentares amarelas. — Foto: Andrés Brunetti/Acervo Pessoal

Quão complexa e impressionante pode ser uma rã de apenas três centímetros? Pesquisadores do Brasil e do mundo vêm se surpreendendo com novas descobertas sobre a perereca pontilhada (Boana Punctata), que não só foi reconhecida como a primeira espécie de anfíbio fluorescente, mas também como uma espécie capaz de se camuflar através de um complexo proteico azul que as tornam verdes.

A publicação internacional mais recente, em julho deste ano, na revista PNAS, da Sociedade Americana de Ciências, revelou para a comunidade científica como a rã consegue aproveitar um metabólico tóxico para criar uma função biológica. O trabalho teve a participação de cientistas de diferentes áreas como biologia evolutiva, bioquímica, farmácia com biofísicos da Argentina, Brasil, Equador e Estados Unidos.

“Os anfíbios estudados conseguem armazenar uma grande quantidade de uma substância tóxica chamada biliverdina. Só que ao invés dela simplesmente ser descartada, ela interage com uma proteína, que foi chamada de Serpina, e forma um complexo que reflete uma cor azul no anfíbio”, explica Norberto Peporine Lopes, que participou das pesquisas e é farmacêutico e integrante do Departamento de Ciências Biomoleculares da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP.

Os machos da espécie medem geralmente cerca de 3,5 centímetros de comprimento, enquanto as fêmeas medem 3,7 centímetros. — Foto: Andrés Brunetti/Acervo Pessoal

Mas como esse azul se transforma em verde e permite que essas rãs praticamente desapareçam nos aguapés em que vivem nas áreas inundáveis e nas beiradas de grandes rios da América do Sul?

Andrés Brunetti, biólogo argentino, participante da pesquisa e pós-doutorando em ecologia química pela USP, esclarece que apesar dessas rãs terem a pele transparente, algumas células pigmentares amarelas estão espalhadas pelo corpo do animal.

“A interação do azul do complexo biliverdina-serpina com o amarelo das células pigmentares cria o verde na pele das rãs e permite a camuflagem”, afirma o biólogo.

Todo esse processo contribui para a proteção contra predadores durante o dia, mas não é útil durante a noite, período em que as rãs são mais ativas. Por isso mesmo, os pesquisadores notaram que o componente azul vai sendo redistribuído pelo corpo do anfíbio enquanto o dia vai chegando ao fim e um novo processo incrível acontece.

Curiosidades sobre a rã 'Boana Punctata'. — Foto: Arte TG

Descobrimos que a noite a rã é fluorescente. Ou seja, através de um composto na própria pele, ela é capaz de absorver a pouca luminosidade disponível e devolver luz no ambiente, o que gera um tom verde meio amarelado brilhante. Assim como o processo da camuflagem, a rã também acaba refletindo uma luz verde, mas é outro componente químico com outra finalidade
— Norberto Peporine, farmacêutico.

Esse fato quebrou um paradigma entre os pesquisadores: “Se achava que a fluorescência não era importante em ambientes terrestres, mas só em marinhos, já que a luz que chega ao fundo do mar é bem mais escassa. Hoje, depois de toda pesquisa, percebo que faz completamente sentido as rãs terem desenvolvido a fluorescência para se enxergarem e conseguirem se reproduzir mais facilmente à noite”, comenta Brunetti.

A forma mais comum de reprodução entre esses anfíbios é a atração química e a vocalização do macho. Com a fluorescência o que acontece é que a fêmea se capacita a enxergar a certa distância onde o macho que canta está, facilitando todo o processo de reprodução.

“É um sistema evolutivo maravilhoso. Esta perereca consegue fazer uso de processos bioquímicos e biofísicos super complexos em diferentes aspectos de sua biologia e isso garante que ela seja mais eficiente para se reproduzir a noite e mais eficiente para não ser predada durante o dia", finaliza o farmacêutico.

É possível enxergar o azul do complexo biliverdina-serpina em partes da pele de outras espécies de rãs, como na 'Aplastodiscus leucopygius'. — Foto: Andrés Brunetti/Acervo Pessoal

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