Rio

Após reduzir óbitos por Covid-19 com mudança de metodologia, prefeitura volta atrás

Secretaria de Saúde agora divulga mortes contabilizadas pelo Ministério da Saúde ao lado de registros de cemitérios
Painel da Prefeitura do Rio volta a mostrar mortes por bairro Foto: Reprodução
Painel da Prefeitura do Rio volta a mostrar mortes por bairro Foto: Reprodução

RIO — A Prefeitura do Rio voltou atrás nesta quarta-feira na decisão de só divulgar os óbitos por Covid-19 no município usando dados de cemitérios. A mudança de metodologia criou, anteontem, um abismo no total de mortes: enquanto o Painel Rio Covid-19 exibia 1.801, o estado divulgava 2.978 vítimas fatais — ou 1.177 casos a mais recebeu críticas de especialistas.

Uma decisão liminar do Tribunal de Justiça obtida na última segunda, pela Defensoria Pública do Rio e pelo Ministério Público Estadual, em ação que pedia transparência na divulgação de ações e dados sobre a Covid-19, também obrigou a prefeitura a voltar a informar, com destaque, as mortes segundo contagem dos hospitais. Na noite desta quarta-feira, o painel já exibia os 3.135 óbitos computados pelo Ministério da Saúde, ao lado dos 1.855 contabilizados a partir de sepultamentos de pessoas com confirmação do novo coronavírus — total com menos 1.280 mortes.

Campo Grande supera Copacabana em mortes

A plataforma também passou a exibir de novo a listagem de mortos por bairros. Nos últimos dias, Campo Grande superou Copacabana em mortes: já são 189 no bairro, seguido por Bangu, com 143, e Copacabana, com 138. Além destes, Realengo e Santa Cruz já somam mais de cem óbitos.

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Profissionais de saúde acusaram a prefeitura de Marcelo Crivella de falsear a realidade. No último dia 18, o total de óbitos simplesmente deixou de ser divulgado, retornando na última terça-feira com a nova metodologia.

— Está errada essa mudança. Se querem diminuir o número de óbitos, que passem a oferecer teste em tempo hábil para todos. Eles retiraram da lista de óbitos os casos em que não tem no atestado a causa por Covid-19, embora o quadro clínico e outros exames fossem compatíveis — critica a médica Tania Vergara, presidente da Sociedade de Infectologia do Rio de Janeiro, citando o risco de flexibilizar o isolamento usando também esse critério. — Pode haver um desfecho grave na saúde pública. Não sou contra relaxar, mas tem que fazer direito.

A discrepância ocorreu porque foram considerados somente óbitos cujas certidões atestavam a infecção pela Covid-19. As mortes excluídas não continham esse dado na certidão de óbito, mas testaram positivo para a doença em diagnósticos laboratoriais contabilizados por unidades de saúde. Como há uma fila de exames e um atraso na divulgação dos resultados, os documentos dos cemitérios permaneceram sem a informação gerada pelos hospitais.

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Na sexta-feira, um dia após se encontrar com o presidente Jair Bolsonaro, Crivella afirmou que sua gestão estava “estabelecendo critérios para verificar a causa dos óbitos, para que seja criteriosa”. O resultado final desse processo foi que, em vez de dados da Saúde, a prefeitura passou a utilizar dados da Secretaria Municipal de Infraestrutura, Habitação e Conservação, mais especificamente da Coordenadoria Geral de Controle de Cemitérios e Serviços Funerários.

A secretária municipal de Saúde, Beatriz Busch, gravou ontem um vídeo afirmando que mudança era apenas relativa ao layout do Painel Rio Covid-19 e que os dados colhidos em hospitais continuaram a ser atualizados, disponibilizados a partir de um endereço relacionado ao painel. De fato, as informações estavam em planilhas publicadas na plataforma Data.rio, gerenciada pelo IPP, pouco acessíveis aos cidadãos que acessam o painel.

— Esses números mais baixos criam insegurança e podem ser usados como critério para movimentos de flexibilização do isolamento — diz a subcoordenadora de Tutela Coletiva e Saúde da Defensoria Pública, Alessandra Nascimento. — Por que não usar a metodologia dos outros entes?

Aumento no número de casos

Nos dez dias que precederam a decisão da prefeitura, a capital teve uma escalada na taxa de letalidade pela doença. Entre 8 e 18 de maio, data em que as informações sumiram, a relação entre o número de pessoas infectadas e o de mortos variou de 10,35% para 14,58%. O número é alto em relação à taxa de letalidade do país, calculada em 6,3% pela Universidade John Hopkins, instituição americana que é referência para as estatísticas da pandemia.

Se o novo método continuasse valendo, a percepção da letalidade para a Covid-19 no Rio seria diferente. Ontem, por exemplo, os dados de hospitais apontavam para 24.750 casos confirmados na capital e 3.130 óbitos. A taxa de letalidade foi de 12,64%. Com o novo método e sem a divulgação dos dados hospitalares, a letalidade seria de apenas de 7,49%, uma vez que ontem o acumulado de sepultamentos era de 1.855.

Na avaliação do médico sanitarista e ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, a mudança na metodologia deveria ser precedida da divulgação de um documento técnico validado pelo conselho científico:

— Para tomar uma decisão desse porte o município deveria divulgar documento técnico justificando a mudança, preferencialmente validado pelo seu conselho científico. Isso gera insegurança sobre a real fidedignidade dos dados divulgados e pode mascarar a real situação da doença no município.