Saúde Coronavírus

Pesquisa estima que volta às aulas pode causar infecção de até 46% de alunos por Covid

Simulação alerta para alta de contágio em dois meses de reabertura e diz que controle só seria possível com número de estudantes bem abaixo do previsto
Aluno da Escola Estadual Dom Pedro II, no centro da cidade de Manaus: estado do Amazonas retomou aulas presenciais nas escolas (19-8-20). Foto: Fotoarena / Agência O Globo
Aluno da Escola Estadual Dom Pedro II, no centro da cidade de Manaus: estado do Amazonas retomou aulas presenciais nas escolas (19-8-20). Foto: Fotoarena / Agência O Globo

SÃO PAULO — Mesmo com o respeito a protocolos sanitários, a volta às aulas presenciais pode aumentar a disseminação do novo coronavírus dentro e fora das escolas. Segundo simulação feita por um grupo de pesquisadores, em dois meses de retomada, entre 10% e 46% de alunos e funcionários poderiam ser infectados pela Covid-19. O alcance do contágio varia de acordo com as condições de cada unidade escolar.

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O cálculo é dos grupos de estudo Ação Covid-19 e Repu (Rede Escola Pública e Universidade), com base em parâmetros como o tamanho das escolas e o cumprimento de medidas de higiene e distanciamento social.

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A rede é formada por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia São Paulo (IFSP), Universidade de Bristol (na Inglaterra) e Escola de Aviação do Exército (na Colômbia).

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A simulação de dispersão do novo coronavírus nas escolas tomou como ponto de partida a volta de 35% do total de alunos da rede de ensino, número considerado pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo para o retorno a partir de 7 de outubro, conforme anúncio do governador João Doria (PSDB).

— Fizemos uma simulação para 60 dias, acompanhando um indivíduo infectado dentro da escola, e como essa infecção se desenvolveria. E comparamos esse cenário para duas escolas: uma adensada, mais comprimida, e outra dispersa, com mais áreas externas, espaço e menos gente — explica Fernando Cássio, professor de políticas educacionais da UFABC e integrante da Repu.

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Nos dois casos, foi considerada a volta de 35% do efetivo de alunos e professores. Os pesquisadores levaram em conta, ainda, o período de transmissão de uma pessoa infectada, e três principais momentos de interação entre as pessoas no ambiente escolar: na entrada da escola, na saída e nos recreios.

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Os resultados das simulações para 60 dias letivos (ou 180 interações) chegaram a uma média de 46,35% das pessoas infectadas pelo vírus e de 0,30% de óbitos nas escolas mais "comprimidas". E uma média de 10,76% das pessoas infectadas pelo vírus e de 0,03% de óbitos nas escolas mais "dispersas".

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— A dinâmica de infecção é muito mais pronunciada na escola comprimida — diz Cássio. — Mas o interessante é que esses dois primeiros cenários foram simulados considerando que as escolas seguiriam a maioria dos protocolos de higiene, segurança e distanciamento. E, mesmo assim, as dinâmicas de infecção não são desprezíveis. Elas existem mesmo nas escolas mais dispersas, dos bairros mais ricos.

A ferramenta de avaliação foi adaptada do simulador de dispersão do vírus criado pelo grupo Ação Covid-19 para diferentes bairros e usado para estimar as tendências de evolução da pandemia no país.

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Máximo de alunos

Os pesquisadores simularam, ainda, qual seria o máximo de alunos no espaço da escola para minimizar a dinâmica de infecção.

—  Testamos considerando escolas que seguem todos os protocolos e regras, e outras que não seguem. E o que vemos é que o máximo de alunos na escola para reduzir a dinâmica de infecção é muito baixo, está abaixo dos 35% —  diz Cássio.

Os pesquisadores avaliam que só seria possível admitir 20,27% do total de estudantes em escolas dispersas. Já nas escolas comprimidas, esse número cairia para apenas 6,86% dos estudantes.

—  Mas não dizemos que o recomendável é que se coloque um número "x". Não recomendamos abrir as escolas — afirma Cássio. — Mesmo considerando esse cenário de abertura "segura", a quantidade de alunos que se colocaria na escola é tão pequena que é inviável do ponto de vista prático, pedagógico, de desigualdades educacionais.

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O peso do transporte

Os pesquisadores alertam, ainda, para os riscos de contágio no trajeto de alunos e funcionários de casa para a escola. A reabertura das escolas, afirmam, envolveria a mobilização de mais de 30% da população de São Paulo todos os dias. E o impacto no transporte público influenciaria os números da pandemia no estado.

—  Usamos um modelo teórico, mas que ajuda a ter mais cautela em relação a expor a população. (A reabertura) expõe a comunidade escolar, as famílias dos estudantes, vai adensar o transporte público — diz Cássio. — Nossa ideia é construir um debate público que não seja baseado no achismo, nem numa reabertura de escolas que pode testar e usar a população como cobaia. Isso não é adequado.

Somadas as redes públicas e privadas de ensino, o estado de São Paulo tem um milhão de professores e funcionários administrativos, além de 13,3 milhões de estudantes de todas as etapas da educação básica.

Segundo os pesquisadores, o simulador foi disponibilizado às escolas para que façam as previsões de acordo com as condições de cada unidade.

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Secretaria: 'Cedo para conclusões'

A Secretaria de Educação do estado de São Paulo afirma que é cedo para tirar conclusões e que fará uma avaliação mais detalhada sobre a ferramenta. A pasta reforça, porém, que a análise deve considerar também "os danos de se manter as escolas fechadas, como já demonstrado por vários artigos internacionais e pela própria Unesco e OMS".

Abaixo, a íntegra da nota enviada ao GLOBO, assinada pelo epidemiologista e consultor da Secretaria de Educação Wanderson de Oliveira:

"Considerando que a ferramenta foi disponibilizada, será necessária uma avaliação mais detalhada. Segundo os autores o objetivo é contribuir para o debate público sobre os planos de reabertura das escolas no estado de São Paulo.

Sobre a utilidade, ainda é prematuro para tirar conclusões finais. No entanto, em análise preliminar considera-se necessário que os autores abordem também os danos de se manter as escolas fechadas como já demonstrado por vários artigos internacionais e pela própria Unesco e OMS.

Tivemos, ao longo da pandemia, uma série de estudos e simuladores que foram apresentados à sociedade. Na prática, esses instrumentos devem ser utilizados com cautela pois nenhum gestor deve tomar decisões apenas com base em um único instrumento. Deste modo, considero que a conclusão da nota técnica faz uma interpretação parcial da situação, levando em conta apenas os achados do modelo.

Neste sentido, consideramos que atrapalha pois é um material que não tem poder significativo para descrever a realidade. Tivemos modelos do Imperial College que tiveram grandes limitações. No entanto, são importantes para a reflexão e subsídio dentro de um conjunto mais amplo de indicadores e informações que o modelo não leva em consideração.".