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Paulo Gustavo (Foto: Instagram/ Reprodução)

Paulo Gustavo (Foto: Instagram/ Reprodução)

A Covid-19 tem sido implacável e sua segunda onda e já deixou, só nestes cinco meses, mais vítimas que 2020 inteiro. Uma das mais recentes foi o ator Paulo Gustavo, que faleceu nesta terça-feira (04.05) em decorrência de complicações de uma embolia gasosa, que provocou a morte cerebral.

Há quase dois meses internado, o artista, que vivia entre oscilações de melhora e piora, acabou desenvolvendo uma fístula bronquíola-venosa, causada por um rompimento do tecido pulmonar,  que permitiu a passagem de bolhas de ar para a corrente sanguínea e afetou seu sistema nervoso.

À Vogue Brasil, o neurocirurgião Feres Chaddad, professor titular e chefe da disciplina de neurocirurgia da Unifesp e coordenador da neurocirurgia da Beneficência Portuguesa de São Paulo, explica que a condição precisa ser rapidamente corrigida cirurgicamente. No caso do artista, a cirurgia não pode ser liberada devido à fragilidade do quadro clínico.

"Estudos indicam que cerca de 50% dos pacientes diagnosticados com a doença apresentaram problemas neurológicos. A gama de síndromes neurológicas associadas à Covid-19 inclui encefalite (inflamação no cérebro), anosmia (perda de olfato), síndrome de Guillain-Barré, aneurisma, acidente vascular encefálico (AVE) ou cerebral (AVC), como o que aconteceu com o artista", afirma Chaddad.

Prevalência de complicações neurológicas em pacientes acometidos pela Covid-19


Depois de amplamente considerada como uma doença respiratória, a Covid-19 tem sido cada vez mais relacionada a acometimentos renais, cardíacos, hepáticos e também de ordem neurológica. A revisão científica Lifting the mask on neurological manifestations of COVID-19, publicada na revista Nature, indica que o coronavírus pode entrar no Sistema Nervoso Central por duas maneiras:

1) Disseminação hematogênica: o vírus se espalha por todo o corpo através da corrente sanguínea e, em seguida, entra no cérebro atravessando a barreira hematoencefálica;

2) Disseminação viral retrógrada: ocorre quando um vírus infecta neurônios periféricos e usa a maquinaria de transporte dentro dessas células para obter acesso ao Sistema Nervoso Central.

Como uma das consequências, especialmente em casos de longas internações, o
acidente vascular cerebral (AVC), por exemplo, é uma síndrome neurológica que pode causar graves danos ao cérebro, devido à interrupção do fornecimento de sangue e, ainda, evoluir para a morte cerebral.

"As chances de recuperação de um AVC variam de acordo com o grau de comprometimento do paciente, assim como a causa identificada. Em muitos casos, a intervenção cirúrgica é a melhor opção para reverter o quadro, quando há a possibilidade de realização, o que não foi possível no tratamento de Paulo devido a sua saúde desestabilizada.", reitera Dr. Feres Chaddad.

A subnotificação de danos neurológicos e a urgência do acompanhamento neurológico global


A desatenção a sintomas neurológicos leves e intermediários, a dificuldade para checagem em massa e o grupo de assintomáticos ou com sintomas leves que não acessam o sistema de saúde esconde uma taxa de contaminação mais expressiva do que a oficial. Parcela desse grupo pode vir a desenvolver manifestações neurológicas tardias, que possivelmente não serão relatadas como associadas à doença e podem ter seu processo terapêutico impactado.

“Idealmente, o acompanhamento longitudinal pós-infecção é indicado para pacientes  recuperados e devem incluir avaliação neurológica, de imagem, laboratorial e neuropsicológica cuidadosa para examinar vários domínios cognitivos, a fim de determinar em que medida a interação entre a infecção central e sistêmica leva a danos no SNC e alterações neurológicas”, reforça o Dr. Chaddad.

Entretanto, o maior desafio nesse cenário é o monitoramento dos danos colaterais para o grupo de assintomáticos e não diagnosticados. Para endereçar o desafio, os sistemas médicos precisam incluir em seus protocolos de acolhimento a anamnese correlacionando uma possível ligação entre danos neurológicos e o COVID-19, além de desenvolver estruturas de acompanhamento longitudinal para pacientes ambulatoriais de rotina.

É possível doar órgãos?


Para que uma doação de órgãos seja aprovada, várias etapas precisam ser analisadas. Quando a morte cerebral é confirmada, a família deve autorizar o procedimento e os órgãos passam por uma avaliação. Em tempos pandêmicos, são feitos diversos exames de sorologia, como HIV, hepatite e, agora, o de Covid-19. Em pacientes entubados, a secreção para o PCR é colhida através da traqueia. Se o resultado vier positivo, ele não pode doar nenhum órgão, de forma que o hospital não chega a realizar a oferta para a lista de doações. Caso o PCR seja negativo, o paciente está apto a doar, mas ainda é necessário avaliar o estado dos órgãos, considerando a idade do paciente e o motivo da morte.

Segundo o médico, a morte do artista reforça o importante debate sobre as implicações neurológicas como sequelas da Covid-19, incluindo todas as ações necessárias desde a primeira intervenção.

O grande desafio para os médicos e instituições neste momento é compreender e monitorar todos os danos colaterais possíveis, com atenção especial aos acometimentos neurológicos de pacientes diagnosticados pela doença. O acompanhamento longitudinal pós-infecção é fundamental e deve ser realizado a fim de examinar e identificar, precocemente, alterações cognitivas ou outras manifestações sistêmicas que podem  levar a danos do Sistema Nervoso Central.