Exclusivo para Assinantes
Política

Em meio à guerra fria entre Maia e Lira, centrão 'bolsonarista' decepciona governo no Fundeb

Ministro da Economia, Paulo Guedes, expressou frustração com negociação
Ministro da Economia, Paulo Guedes Foto: Carl de Souza / AFP
Ministro da Economia, Paulo Guedes Foto: Carl de Souza / AFP

BRASÍLIA — A recém-conquistada "base do governo" no Congresso decepcionou a equipe econômica e o ministro da Economia, Paulo Guedes, nesta terça-feira. Na votação da PEC do Fundeb na Câmara dos Deputados, as propostas do Executivo foram enviadas de última hora e praticamente ignoradas.

Guedes tentou emplacar desde o final de semana uma proposta em que parte dos recursos do fundo subsidiaria o Renda Brasil, programa de transferência de renda que o governo quer criar. Foi avisado de que não havia força para tanto: a PEC do Fundeb está em discussão na Câmara há três anos, com consenso sobre o conteúdo.

Analítico : A lição que fica para o governo Bolsonaro depois da votação do Fundeb

O líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), atuou como articulador do governo e tentou adiar a votação duas vezes. Primeiro, no colégio de líderes na segunda-feira, e depois, através de um requerimento para adiar a pauta, no dia da votação. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), porém, fez valer sua vontade e a votação ocorreu.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, anda descontente com a condução da articulação política do governo. Segundo fontes, na noite de segunda-feira, Guedes chegou a dizer que o “casamento” do presidente Jair Bolsonaro com o líder informal do centrão, Arthur Lira, em nada adiantou já que o governo não montou uma base aliada para aprovar votações de interesse no Congresso.

Entenda : O que está em jogo na votação do Fundeb

— O resultado do Fundeb mostrou para o governo que toda votação será uma negociação. Que (os acenos que o governo fez) não significam que em todas as votações que o governo tiver interesse vai haver um bloco, um apoio fechado — diz o líder do Solidariedade, Zé Silva (MG).

O prognóstico de líderes ouvidos pelo GLOBO é de que, de agora em diante, o governo terá dificuldade em ganhar votações. Serão analisados no futuro próximo diversos vetos de Bolsonaro, como o de um trecho da nova lei de saneamento que dava tempo para que estatais adequassem seus contratos e também o veto da prorrogação da desoneração da folha de pagamentos de empresas.

A Frente Parlamentar da Agropecuária articula a derrubada de um veto do governo à tributação especial de biocombustíveis, aprovada pelo Congresso, e vetos na Medida Provisória, agora convertida em lei, que trata da renegociação de dívidas agrícolas. Foram vetados prazos maiores para pagar os débitos e outras condições que, segundo o governo, acarretariam perda de receita.

Rivalidade em cena

Maia e Lira protagonizam uma guerra fria dentro da Casa. Para se viabilizar como candidato à presidência da Câmara no ano que vem, Lira se aliou ao governo e vem comandando um bloco do centrão (PP, PL, Republicanos, PSD) que se separou do grupo ligado a Rodrigo Maia (DEM, MDB, PSDB, Cidadania).

Maia, por outro lado, quer emplacar um sucessor aliado na presidência da Câmara, já que está barrado legalmente de concorrer à reeleição. Ele tem se distanciado do grupo de Arthur Lira e acenado ao PSDB, partido com um potencial de afinidade maior com o DEM nas próximas eleições municipais e nacionais.

Ouça o Antonio Gois : Os desafios urgentes para o novo ministro da Educação

Na votação do Fundeb, os deputados liderados por Lira deram sinais de que não comprariam uma briga em nome de Guedes, já que eram favoráveis ao projeto. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) aumenta os recursos investidos por aluno no Brasil e foi elogiada por entidades de educação.

Pesou também a frustração de deputados com o governo com a liberação de verbas. No início de julho, o Ministério da Saúde liberou R$ 5,7 bilhões a municípios para o combate ao novo coronavírus. Como mostrou o GLOBO, o governo permitiu que deputados indicassem o destino de cotas de R$ 10 milhões para diferentes cidades. Os valores publicados, porém, não bateram com os que foram acordados.

Na segunda-feira, Ramos disse aos aliados no Congresso que iria liberar mais R$ 1 bilhão para prefeituras indicadas por parlamentares em verbas de combate à crise do coronavírus, mas os deputados viram pouca concretude na promessa.

Frustração da equipe econômica

Na avaliação de Guedes, segundo aliados, o governo cedeu cargos e recursos ao centrão, mas não consegue conduzir as votações importantes que precisa.

Apesar de não ter conseguido emplacar a proposta de usar parte dos recursos do Fundeb no Renda Brasil, prioridade de Paulo Guedes, o governo assegurou algumas demandas no relatório: o projeto reserva 5% para o investimento em educação infantil e trava em 85% o uso do fundo para pagar profissionais de educação.

Além da proposta de usar parte do fundo no Renda Brasil, o governo havia proposto ainda que os efeitos da PEC só tivessem efeito em 2022. Na prática, no ano que vem, haveria um vácuo de investimentos do fundo. A proposta foi rechaçada por deputados.

Ainda na sessão da Câmara desta terça-feira, Arthur Lira usou sua condição de líder do bloco para travar a votação do Fundeb, pedindo um adiamento. Pela manobra, o parlamentar foi duramente criticado por colegas de seu próprio bloco, que o obrigaram a recuar.

Desafios: Dos 57 indicadores do Plano Nacional de Educação, 13,4% tiveram a meta atingida

Para parlamentares ouvidos pelo GLOBO, no cabo de guerra travado entre o centrão "bolsonarista" e Rodrigo Maia nos últimos dias, saiu ganhando o grupo ligado a Maia.

— Foi a vitória mais significativa neste sentido. Foi uma proposta de centro. Nem com cara do governo, nem com a cara da esquerda — diz Efraim Filho (PB), líder do DEM.

Apenas sete deputados bolsonaristas (Chris Tonietto, Filipe Barros, Junio Amaral, Luiz Philippe d'Orleans e Bragança, Márcio Labre, Paulo Martins e Bia Kicis) votaram contra a PEC do Fundeb no primeiro turno, em oposição a 499 deputados favoráveis. A oposição comemorou a votação como uma derrota do governo, e o texto agora vai ao Senado Federal.

— Na tarde de hoje o governo está sendo derrotado pela rede de professores que amanheceu o dia mandando WhatsApp para todos os Deputados. E eu adorei receber aquele WhatsApp, porque sei que os professores estão atentos ao que acontece nesta Câmara neste momento — disse Fernanda Melchionna (RS), líder do PSOL, durante a sessão de ontem na Câmara.

Tentativa de barganha

Ao constatar que estava perdendo a negociação, o governo pediu a deputados que apoiassem o Renda Brasil em troca dos pontos que não conseguiu emplacar no projeto do Fundeb. Líderes argumentam, porém, que não havia motivo para concordar com essa barganha, já que o governo e Arthur Lira não tinham forças para adiar a votação de qualquer maneira.

Desde que o governo começou a negociar a prorrogação do auxílio emergencial, o presidente da Câmara passou a cobrar insistentemente o envio de uma proposta que trate de uma nova "renda básica" no país. Maia inclusive delegou o assunto a um grupo de deputados para aprofundar o assunto.

Os apelos, até agora, foram ignorados por Guedes. O ministro não forneceu detalhes concretos sobre o novo programa social, mas quer a fidelidade do centrão para aprová-lo. Segundo o líder de um partido do centrão ouvido pelo GLOBO, Guedes não tem traquejo para negociar politicamente. Para ele, foi "esdrúxula" a forma como foi conduzida a negociação do Fundeb.

Com temperamento forte e incisivo, o ministro nunca conquistou de fato o grupo. Apesar de Guedes agora contar com o forte apoio de Arthur Lira, espécie de líder informal do governo, parlamentares já começaram a construir um texto próprio para a renda emergencial.