O Brasil precisaria de, no mínimo, mais 15 dias de “lockdown forte” para a curva de transmissão do novo coronavírus entrar numa rota descendente segura. A estimativa é do epidemiologista Pedro Curi Hallal, entrevistado na Live do Valor na sexta-feira (12).
Reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), ele coordena o primeiro grande estudo nacional sobre a propagação da covid-19, patrocinado pelo Ministério da Saúde.
Segundo ele, o relaxamento das regras de isolamento nesse momento, como adotado em São Paulo e Rio de Janeiro, não surtirá efeitos positivos para a recuperação econômica, e as regiões com o menor número de óbitos são as que terão melhores condições de se reerguer no futuro.
“Seja para a economia, seja na saúde pública, quanto menos vidas perdidas, melhor. A recuperação no passado foi mais rápida em lugares com menos mortes. Mas o que Brasil está fazendo é um ‘desafio do vírus’, para ver se realmente [a crise] é grave.”
Segundo o cientista, flexibilizar o isolamento com a curva da pandemia em expansão é uma atitude irresponsável que pode ter consequências negativas graves, com o aumento sem controle do número de mortes.
Hallal destacou que, apesar de terem falhado no enfrentamento à pandemia no início da crise, Itália, Espanha e EUA têm algo positivo em comum, pois mantiveram as medidas de distanciamento quando a curva de transmissão estava em ascensão.
“O Brasil precipitadamente está abrindo a economia, e no momento em que a curva está em sua fase mais alta. Isso é muito preocupante”, ressaltou.
De acordo com Hallal, não é razoável apontar o momento preciso em que a pandemia atingirá seu pico no país, já que a doença é desconhecida. Mas ele sinaliza que o Brasil está numa fase crítica.
“A forma mais adequada de estimar o pico é se basear na experiência de outros países, que já tiveram curva igual à brasileira e hoje estão descendentes. Com base nisso, é possível dizer que estamos muito perto do que seria o nosso pico. Se estamos no finzinho da subida ou no começo da descida, a gente não tem como saber.”
Ele ponderou que, se o Brasil estivesse adotando as mesmas medidas de combate seguidas por outros países, possivelmente estaria no pico, e a tendência agora seria a curva começar a se abrandar.
“Aí vem o problema, o Brasil está fazendo diferente. Como num jogo de pôquer, o Brasil está blefando, fazendo um ‘all-in’ [apostar todas as fichas] quando não tem carta nenhuma na mão. E o que pode acontecer é que [a curva] continue a subir.”
Para o professor, muito provavelmente o país só poderá retornar ao que se entende como vida normal em 2021 ou quando efetivamente uma vacina começar a ser distribuída. Até lá, as pessoas terão que viver em adaptação.
A segunda fase da pesquisa coordenada por Hallal, concluída recentemente, estima que, somente na cidade do Rio de Janeiro, em torno de 500 mil pessoas tenham hoje ou já tiveram o novo coronavírus.
O resultado aponta que 7,5% da população do município deveria ter anticorpos, ante 2,2% no levantamento feito duas semanas antes.
“Esse resultado é bastante preocupante, quando as estatísticas oficiais para o país inteiro apontam 800 mil casos.”
A aferição abrange 133 cidades de todo o país. Mais de 50 mil pessoas foram testadas no país nas duas etapas.
O cientista chama a atenção ainda tanto para a disparidade de números de casos e óbitos entre as regiões do Brasil, quanto para a velocidade de expansão da epidemia. “Se fosse uma corrida de Fórmula 1, o Brasil seria o carro mais rápido da pista. Não estamos ainda em primeiro lugar ainda [em números], porque a epidemia começou depois aqui.”
Hallal explicou que, enquanto na região Norte a epidemia está muito avançada — em Boa Vista (Roraima), 25% da população tem anticorpos —, no Sul e Centro-Oeste, menos de 1% da população contraiu.
(Conteúdo publicado originalmente no Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor)